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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Bebedouros de frescor

Deve ser inevitável que toda aventura, empreitada, trilha, empresa, época, anoiteça. Afinal, irremediavelmente e por todos os dias do mundo, o sol se põe. Sem falar que haverá a hora da nossa morte, amém!

Meus olhos, que completaram cinquenta e sete anos de janela, observaram alguns padrões de entusiasmo, consolidação e, não querendo aguar a festa, de declínio. Também notaram que a institucionalização ergue muros onde antes havia terrenos baldios.

Faz mais de trinta anos participei de um grupo feminista deveras especial. Se chamava SOS Mulher e tinha como missão combater a violência doméstica sofrida pelas mulheres. Éramos um bando de gente jovem, destemida, esfomeada de vida.

A formalidade do SOS era próxima de zero. Não era ONG, não era governo, não era uma política pública. Era tão somente um grupo de pessoas com o sonho de eliminar olhos roxos, dentes quebrados, almas partidas das vítimas de maridos e namorados violentos.

Depois vieram as delegacias especializadas de mulheres, as secretarias, os conselhos. Num certo sentido, o Estado encampou a luta contra a violência de gênero. Vide a lei Maria da Penha. É claro que tudo isso é muito bom e absolutamente necessário.

Mas - defeito colateral - a institucionalização dos assuntos das mulheres fechou as portas para grupos feministas mais libertários e inovadores. Hoje, todo e qualquer projeto de ação passa necessariamente por sistemas de controle e escaninhos burocráticos.

Outra experiência similar vivi no Senac São Paulo. Na década de 1990, participei das primeiras turmas de cursos de vídeo. Eles eram chamados de "cursos livres", e nós docentes tínhamos carta branca para propor metodologias.

Lembro que um curso não era igual ao outro. Inventávamos sem parar. Usávamos e abusávamos da intuição. Ensinávamos de "ouvido". Pois no fundo erámos também aprendizes. Funcionou! Havia entusiasmo! Um parâmetro difícil de constar em relatórios.

Poucos anos depois, baixou o braço forte. Os cursos foram formatados e formalizados. Perderam a liberdade. Entrou a política de "diplomar". E óbvio chegou o MEC com suas regras e seu controle. De novo, nada disso é ruim. Mas aqueles corredores e salas explodindo em ideias desapareceram.

Será que é sempre assim? Boas iniciativas levam à institucionalização? Esta leva a um engessamento? Ou será que tudo isso é bobagem de meus olhos pré-sessentões? Alguém aí me empresta um colírio?

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ciclos, ciclos, ciclos... do cogumelo a estrelas q. morrem em seus ciclos. Estamos nessa roda. Pra ser feliz... exercitar o desapego!!! Pendular num cipó e pular para o próximo p/ continuar a viagem, feito Tarzan. Adorei o "defeito colateral". É incrível como os cabeças de planilha ferram boas iniciativas. Mas, como disse, parece fazer parte do ciclo, é quando o café grande fica frio no fundo da xícara... hora de pegar outro! Valeu Fê! Celso

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