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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Cor de maravilha

Lá no miolo de São Paulo, entre cidades ricas, canaviais e laranjais sem fim, fala-se uma língua específica.

Como, aliás, em todo lugar, sendo este um dos fascínios da condição humana: as línguas têm uma inesgotável capacidade plástica. São incessantemente moldadas, dobradas, desdobradas e adaptadas, para mal e para bem.

As cores são um terreno controverso. Alguns consensos parecem indiscutíveis, como o de que o céu ensolarado é azul e a grama é verde, mas quem ainda não se surpreendeu com o amigo teimando que aquele pedaço de mar é verde, quando o vemos azul? Quando se trata de roupa, então, a confusão é certa, e se agravou muito de uns anos para cá, desde que a indústria da moda redefiniu o vermelho vivo como “pitanga”, a cor-de-abóbora virou “jerimum” e o verde-limão virou “neon”, dependendo do estilista, é claro, porque cada um estabelece sua paleta de cores e as rebatiza, sem nenhuma cerimônia. E ai de quem disser que a blusa é roxa. A criatura desmaia na hora.

Cabeças privilegiadas, que fazem o casamento perfeito das palavras com os sentimentos e ideias, tentam esclarecer. Como o mestre Fernando Pessoa em seu irmão interno Alberto Caeiro, ao entender que “as borboletas não têm cor nem movimento,
 assim como as flores não têm perfume nem cor.
 A cor é que tem cor nas asas da borboleta”. Então, se a blusa é roxa ou lilás, se a vegetação seca é cinza ou marrom, são nossos olhos que decidem e informam à nossa língua.

Mas e quando a gente precisa definir uma cor e não consegue? Aí eu me lembro da classe da Dona Lídia no jardim de infância e do dia que eu queria que os lápis de cera produzissem uma determinada tonalidade, que me encanta até hoje. Fica entre o vinho, o lilás, o roxo e o vermelho, mas não é nenhum deles. Ao me ver em dificuldades, a menina maior da mesa me explicou com toda naturalidade: o que você quer é cor de maravilha, mas não tem.

Algum artista plástico vai tentar me convencer de que essa cor tem o nome xis ou ípsilon, dependendo da paleta, da escola, da textura e de não sei que mais. Nenhum vai passar nem perto desta autêntica invenção caipira, encantadora e imbatível: cor de maravilha, que orna com tudo que é bonito. Não tem igual.


Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto

5 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Cor de maravilha! Impressionante a simplicidade do complexo. Fiquei pensando na dificuldade da comunicação que se espreita nas relações sociais. Belo texto. Parabéns!

Anônimo disse...

Fantástico, Júnia.Imagine só : cor de maravilhaaaa ! Faz-me lembrar a dona Lidia, sim,aquela professora do Jardim da Infância, a primeira professora, de quem nunca se esquece. Puxa ! O tempo passou,você cresceu ,tem sua linda família, aprimorou os conhecimentos e seguiu em frente na vida.Caminho belíssimo,difícil,por isso mesmo a vitória tem mais sabor. Será que a dona Lidia ainda vive ?
Interessante: você está se lembrando de um passado ainda próximo, bem colorido, cor de maravilha !!!!
Beijos coloridos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Cor de maravilha é, tecnicamente, o MAGENTA, cor primária; mas isso não faz a menor diferença na paleta de cores de cada um. Como disse o artista plástico Paul Klee "a cor me domina"; isto é o que realmente importa.
Também fui aluna de Dona Lídia,mas, no meu caso, quando precisei, a cor de maravilha estava lá!.
Adorei o texto. Márcia Ester

Anônimo disse...

Sua crônica botou um sorriso de lado a lado no meu rosto... Tâ

Monica Galvão disse...

Delícia de texto! Magia na cor maravilha! Abç, Júnia.

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