NR entrevista Tommaso Debenedetti, 43 anos, que se diz professor de literatura e história em Roma, com “vida normal” e pai de “dois filhos”. Ele afirma ser o responsável por plantar a falsa foto de Hugo Chávez publicada na capa do jornal espanhol El País no mês passado. Além desse ato, Debenedetti alega ser o autor de outras mentiras publicadas em jornais e divulgadas na internet nos últimos anos.
por Ricardo Viel, de Lisboa
No último 24 de janeiro o prestigiado jornal espanhol El País cometeu um erro que custou à empresa cerca de 300 mil euros e arranhou profundamente sua credibilidade: publicou uma suposta foto do presidente venezuelano Hugo Chávez sendo operado em um hospital cubano. Como se confirmou em seguida, não era Chávez, mas uma fraude grosseira.
Durante a madrugada daquela sexta-feira, o periódico espanhol, após perceber o erro, colocou em marcha uma operação para resgatar seus exemplares das bancas. Conseguiu, em parte, recuperá-los e substituí-los por outra edição, mas a foto falsa já havia se espalhado pelo internet – onde o jornal também a publicou com destaque em seu site.
Como foi possível que um dos mais prestigiados periódicos do mundo cometesse um erro tão grosseiro? Parte da resposta deu o próprio jornal, ao publicar no domingo dia 26 um extenso relato em que conta, passo a passo, a sucessão de erros cometidos até a publicação da imagem (leia aqui).
Falhas tão absurdas como, por exemplo, não contatar o seu correspondente na Venezuela e nem sua colunista em Cuba. O jornal relata que a foto foi comprada por 15 mil euros de uma agência que prestava serviços ao jornal. Venderam a foto como tendo sido feita por uma enfermeira cubana que tinha familiares na Espanha. Era mentira.
O que o jornal não explica é como essa foto chegou à agência. Um personagem pode ter a resposta. Tommaso Debenedetti é um italiano que ficou famoso em 2010 quando foi desmascarado (o próprio El País publicou uma entrevista muito divertida com ele).
Durante dez anos o jornalista inventou entrevistas que nunca aconteceram e as vendeu para pequenos jornais da Itália. Foram mais de cem, com personalidades como Mijaíl Gorbatchov, Dalai Lama, Joseph Ratzinger, além de dezenas de prêmios Nobel de literatura. Ficou conhecido como o campeão italiano da mentira, e foi descoberto quando o escritor norte-americano Philip Roth, indagado sobre uma suposta entrevista em que criticava Obama, disse nunca ter feito tal afirmação. Foi quando a farsa veio abaixo.
Debenedetti classifica suas mentiras como um “jogo literário” e continua gerando falsas notícias na rede. Recentemente criou um perfil de Vargas Llosa no Facebook e plantou declarações polêmicas publicada por vários meios como sendo do Nobel peruano.
No ano passado, o italiano “matou” o escritor Gabriel García Márquez e Fidel Castro. Agora, assegura ser o autor da falsa foto que o El País publicou. O Nota de Rodapé o entrevistou por email. Leia a seguir.
O "campeão" da mentira Debenedetti (Foto: Stephanie Gengotti / Iberpress / Caters) |
NR – Foi você que fez a foto que o El País publicou?
TD – Sim, eu sou o “autor” da falsa foto de Chávez publicada pelo El País. Posso dizer que se tratava de um jogo, um jogo de suplantar midiaticamente uma notícia para denunciar a falta de credibilidade dos meios.
NR– Como foi que criou esse jogo?
TD – No dia 10 de janeiro, por circunstâncias casuais, encontrei no Youtube o vídeo de um homem sendo entubado. Pensei: “parece um pouco a Chávez. Um pouco não, muito!” Portanto, como um jogo, tomei uma foto desse vídeo e a enviei a três agências de notícias, uma na Costa Rica, outra na Venezuela e outra de Cuba. Enviei a foto de uma conta falsa no nome do ministro venezuelano de cultura Pedro Calzadilla. Mandei com as seguintes palavras: o comandante Hugo Chávez hospitalizado em Havana. Não recebi resposta e a foto não foi publicada, mas dois dias depois um homem que se apresentava como jornalista cubano respondeu o correio: “muito importante, vamos enviar a Porto Rico e Madri.” Dias depois a conta de e-mail falsa que eu criei foi bloqueada, não sei por que, e não tive mais respostas. Só na manhã do dia 24 a foto apareceu na capa do El País. Tenho para mim que a foto foi enviada a Madri por jornalistas cubanos com duas finalidades: tirar dinheiro e, sobretudo, desacreditar o El Pais e, de certa forma, a imprensa ibérica.
NR – Teme ser processado? Recebeu algo pela foto?
TD – Ninguém me ameaçou e eu não tenho nenhum medo de ser processado: sou o autor “intelectual” da farsa, mas não tenho responsabilidade nenhuma na publicação da foto por um periódico. Não me deram qualquer dinheiro pela foto.
NR – Crê na versão que o El País dá sobre toda essa história?
TD – Acho que a reconstrução que o jornal faz é justa e verdadeira. Mas eu, como “autor” da foto e quem iniciou sua circulação, posso dizer que o jornal foi claramente vítima de uma manobra política que não deve ser ignorada. Repito: creio que de dentro de Cuba alguém quis desacreditar a imprensa europeia e por isso inventou essa história de que a foto teria partido de uma enfermeira cubana com familiar na Espanha.
NR – Mudando um pouco de assunto. Gostaria de saber sobre as entrevistas que o senhor criou. Como as justifica? Nesses casos o senhor recebeu pelo trabalho?
TD – As entrevistas eram jogos literários. Eu recebi 20 euros por cada entrevista, e só isso. Era um jogo de suplantar a identidade própria da literatura do último século. Eu gostava muito de fazer e a imprensa italiana, onde normalmente ninguém checa qualquer informação, me ofereceu a possibilidade de fazê-lo.
NR – Depois das entrevistas falsas, o senhor partiu para as redes sociais. Criou perfis falsos e plantou notícias. Há alguma surpresa que está preparando?
TD – Continuo com o Twitter e tenho duas grandes surpresas: um texto literário que aparecera assinado por um grande escritor Prêmio Nobel e que é, na verdade, meu. Também sou o autor de vários erros no Wikipédia. Faço para demonstrar como falta credibilidade na internet. Eu aconselharia os jornalistas a ficarem atentos com textos e fotos que são apresentadas como exclusivas. O caso Chávez pode se repetir em outros países.
Finalizada a entrevista durante a semana passada, Debenedetti enviou-me uma nova mensagem, em que dizia:
Posso lhe passar outra informação sobre ideias minhas futuras. As contas do Twitter do Papa (especialmente as em inglês, espanhol e português) não são seguras: é muito fácil encontrar o password e entrar. Se o Vaticano não muda seus critérios, será possível para mim escrever tweets com o nome do Papa. A mesma fragilidade de senhas há no Brasil com duas personalidades. Um famosíssimo escritor e um político. Saudações, Tommaso Debenedetti
Ricardo Viel, jornalista, atualmente em Lisboa, Portugal, é colunista do NR
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