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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O casal vizinho nosso

Brigou na semana passada o casal vizinho nosso aqui de porta.

Ela disse estridente que ele lhe faltara o respeito. Minto: bem mais que a ela, que faltara o respeito à casa que recém-dividem. Que não poderia jamais ter feito aquilo. E que se não era suficiente homem, pois então que se fosse – que tirasse o diabo do nome do contrato, e de uma vez que se fosse.

Verdade que ela é um tanto coquete. E que ele, talvez demasiado garoto também. Não nos conhecemos muito. Nem muito nos parecemos tampouco.

Irmana-nos, contudo, o acaso de termos mudado para cá na mesma época, acho até que no mesmo mês.

Pois então, quando brigou na semana passada o casal vizinho nosso aqui de porta, ficamos nós meio tristes também.

É que talvez tenha-nos sobrevindo a tristeza real de saber que afinal pode muito bem um dia vir a pairar sobre nós – e então sombrear-nos para sempre o viço – a nuvem escura dos amores morrentes. Mais ou menos, o que sentimos foi o que se sente quando se fica sabendo que morreu aquele conhecido distante que tem a nossa mesma idade: menos que a dor pela perda da pessoa, entristece mesmo é a indesejável topada com nossa própria (nossa olvidada) mortalidade.

Mais que isso, a briga do casal vizinho nosso aqui de porta forçou-nos, no meio da tarde de terça, a lembrar que nós cá já perdemos uns quantos amores por esse mal terrível que é a falta de hombridade. Ora por falta alheia, ora por falta nossa – agora, passados uns anos, as culpas já menos importam: no profundo, doeu-nos mesmo foi lembrar, no meio da tarde de terça, que existe e que nos ronda a todos a fera humana da falta de hombridade.

Mas, felizmente, bem mais do que tudo isso, a briga do casal vizinho nosso fez-nos olhar para o bem puro que nos tem feito essa nossa casa serena, alegre de tão modesta. Pois então será por ela que seguiremos em frente, ora peleando, ora apenas mansamente convivendo com as feras todas – as nossas, as alheias. Não queremos ir embora daqui. Nem queremos mais que o amor nunca nunca de novo se vá.

***

Quanto ao casal vizinho nosso, ontem mesmo os vi passar de mãos dadas, em direção ao elevador. Pois: tem das suas a vida a dois.

Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta. Escreve de Salvador. 

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