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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 25 de março de 2013

A essência, o essencial e os óleos essenciais


por Tomas Chiaverini*

É preciso escrever sobre assuntos relevantes. Textos profundos, que reflitam sobre a natureza e o sentido da vida, sobre a política humana e sobre o amor genuíno. Foi mais ou menos isso que meu amigo e editor deste espaço falou quando entreguei o último post. Falou cheio de cuidado e educação e com algum pesar. Tinha, talvez, chegado ao limite.

Também pudera, um ensaio sobre cuecas? Quem quer saber que porra de cuecas você usa ou deixa de usar, rapaz? E isso depois de uma série de escritos sobre desodorantes, o desapreço aos barbeiros, o incômodo do relógio de ponto e outras trivialidades desimportantes. Assim não dá. Paciência tem limite. Afinal, se o convidamos para colaborar com este espaço, não foi por seus belos olhos ou para saber dos contratempos de sua vidinha classe média. Você é um escritor, cacete, três livros publicados. Queremos substância. Queremos o sumo da vida vertido em Arial 10.

Certo, certo estou exagerando um pouco. Meu amigo e editor não foi assim tão assertivo. É um cara muito polido e discreto. Apenas sugeriu que eu talvez devesse investir em textos mais sérios e profundos de vez em quando. Claro, concordei, faz todo sentido. E sentei e pensei e comecei até. Mais de uma página sobre o carnaval e a natureza inerentemente efêmera da felicidade.

Mas o mecânico ligou bem no meio de um raciocínio. Aquele barulho na roda dianteira era mesmo o que eu pensava. Rolamento. Tive tanto carro velho que fiquei bom em diagnosticar problemas. Me fale onde dói (ou, no caso, onde faz barulho) que te digo que peça trocar. Cento e sessenta reais. Nada desesperador.

Voltei ao texto. Mas, de repente alguma coisa começou a me incomodar ali. Sabe quando não convence? E quando não convence não flui. E um texto, um bom texto, ainda mais um texto curto, tem de sair de uma vez. Tem que ser uma espécie de orgasmo mental. E, como no caso dos orgasmos, não adianta forçar. Só vem se for natural. Pra piorar, eu tinha prometido entregar no começo de fevereiro. Ou seja, um mês atrás. Mas não dá. Melhor fazer uma pausa pra lavar o resto da louça de ontem.

Mas que caralho, fui de novo ao supermercado e de novo esqueci de comprar detergente. E cândida. E os desodorantes? Cada vez que olho pra coleção de potes, tubos e aerosóis na janela do banheiro, sinto um desconforto no coração. Não consigo encontrar um que não deixe manchas brancas nas camisas.

A Pat, minha nova amiga pseudo-hippie até fez um pra mim. Com vodca e óleos essenciais. Uma graça de menina. Cheguei a testar. Mas estou acostumado a usar desodorantes sem perfume e os óleos essenciais (desculpe, Pat) têm um pouco de cheiro de lojinha indiana. Enfim, preciso jogar fora os desodorantes que não vou usar. Preciso também dar um tapa na casa. Esses tufos de pó que vão de um lado pro outro... Talvez seja o caso de finalmente contratar uma diarista.

Mas e o texto? O carnaval? A busca impossível pela felicidade plena? Talvez tenha perdido a mão. Bloqueio de escritor. Essas coisas acontecem. Ou, pior, talvez simplesmente não tenha um intelecto suficientemente arguto. Afinal, a mediocridade é a regra do mundo, por que seria eu uma exceção? Coisa assustadora. Mas pode ser pior. Pode ser que a vida seja isso. Um infinito amontoado de pequenas tarefas, coisas quebradas, compras, faxinas a prestação, alegriazinhas de sexta à noite e buscas inúteis pelos desodorantes ideais. Pode ser que falar de desodorantes seja o mesmo que falar da essência da experiência humana.

Eu, sinceramente, espero que não.

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha.

3 comentários:

Pati Vieira disse...

Tomás, querido,

adorei seu texto e li o das cuecas - com o qual discordei absolutamente - também. Com que mulheres vc tem andado, peloamordedeus? Mas... sobre este aqui, lá vai meu comentário.

Duas coisas:

1) O cheiro de lojinha indiana é do Patchouli... que é uma fragrância interessante, mas polêmica porque estigmatizada como algo hippie por conta de sua larga utilização nos anos 60/70. Aí ficou essa coisa que remete à união cósmica de todos os seres com buda e gazelas saltitando felizes sob o arco-íris ao som de mantras de sereias emaconhadas. No entanto, é um óleo essencial potente, inclusive, veja só, para combater a insônia. Coloquei-o no seu desodorante, feito com o maior carinho ao som de mantra de sereias, porque ele, de todos os óleos essenciais, que são bactericidas, é o que mais se fixa e é o mais eficiente. O problema é a fragrância polêmica que ou causa náuseas ou faz você se sentir gazela saltitando sob o arco-íris... Mas já te disse pessoalmente: podemos testar outros aromas. Confie. Cedro, por exemplo, é mais masculino e não é hippie. Há uma infinidade de óleos essenciais. Em si, eles não são hippies... são só substâncias presentes em flores, folhas, cascas de árvores, frutos, raízes, sementes, bagas. São a alma das plantas. Quando você sente o aroma de algo natural, está é tendo o nariz penetrado pelos óleos essenciais - na melhor das hipóteses, né... pq também podem ser moléculas sintéticas. Tão sintéticas quanto as cuecas boxer, a propósito.

2)Essa questão do desodorante me atormenta também, mas a partir de outro vértice. Fico pensando que os humanos perdem um canal de comunicação valioso com a aplicação universal e automática de desodorantes. Digo isso porque, pensa só, os diferentes tons de voz não proporcionam percepções sutis sobre estados de ânimo, ambiguidades, receios etc.? Também temos nuances de cheiros, que poderiam revelar humores e condições de saúde. O medo deve ter um cheiro, a alegria outro, o tesão, a fome, o amor, a mentira, a síndrome do pânico deve ter um horrível, o alzheimer... se ninguém aplicasse desodorante, as axilas se expressariam livremente e não só estaríamos habituados com os aromas alheios, provavelmente, sempre inéditos, como talvez fosse até um deleite fruir esse tipo de entrelinha das relações. Mas, em vez disso, o que, modernamente, fazemos? Obturamos o idioma aromático de cada um com partículas de alumínio cancerígenas e que mancham de branco as suas roupas. E nos desconectamos de nós mesmos. Quanto de insegurança feminina não se deve ao soterramento de singularidades em borrifadas irrefletidas de Victoria's Secrets? E quanto de insegurança masculina não é revelada na utilização puramente estética de cuecas boxer?

Eu sou a favor das axilas sinceras. e de pélvis idem.

falei demais, né? desculpa.

bjo

Tomás Chiaverini disse...

Certo, as maravilhas do CC, a alma das plantas e um namorado agricultor, trajando cuecas de crochê... Vejo que me enganei no epíteto "pseudo", que usei a seu respeito. É Hippie mesmo, assim, com "H" maiúsculo. E, bem, vamos lá tentar o cedro...

Pati Vieira disse...

Tomás, o CC só causa repulsa porque é tabu. Se concedêssemos liberdade à glândulas sudoríparas e cidadania aos inúmeros Cheiros de Corpo, a nossa experiência sensorial seria muito mais rica e as nossas narinas muito mais espertas. Quem nunca se imaginou sommelier de sovacos? Tá, parei.

Mas, na boa, cuecas de crochê são uma excelente ideia!!! Vou fazer uma para o meu namorado agricultor. Certeza que ele vai adorar. Se funcionar, faço uma pra você também e aí você escreve sobre essa incursão dos países baixos em ambiente com ventilação que só o crochê permite! Bjo

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