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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

bom defeito


por Fernanda Pompeu*

O esplêndido roteirista de cinema Jean-Claude Carrière (1931) – que teve seus textos filmados por Buñuel, Hector Babenco, Milos Forman, Volker Schondorff, Nagisa Oshima, Jean-Luc Godard –disse em uma entrevista: "O que salva a humanidade é o tédio." E continuou mais ou menos assim "de repente as pessoas assistem a programas ruins por anos, aí um dia sentem tédio e vão fazer outra coisa."

Li isso faz muito tempo. Nunca me esqueci. As palavras do Carrière me esperançaram. Tenho certeza que o tédio salvará, numa data futura, os fãs do BBB, do Datena, do Fantástico. Aliás, o tédio já me salvou de algumas obsessões e até de algumas paixões prolongadas.

Tédio, palavra latina, tem ligação direta com desprazer e cansaço. Vale perguntar: o desprazer leva ao cansaço, ou o cansaço leva ao desprazer? Parecido com o clássico slogan da Tostines: "Vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?"

Uma vez surpreendi meu sobrinho Jerônimo, quando ele tinha cinco anos, com uma expressão de inequívoco tédio. Perguntei – em que você está pensando? Ele respondeu com um suspiro longo. Daí me recordei que eu também sentia tédio quando criança.

Sensação de morte em vida. Nada a fazer, nada a esperar. Observo que o meu cachorro Chico também dá umas suspiradas de puro tédio. Me dá um tremendo desespero, pois não consigo conversar com ele. Sempre fui péssima com línguas estrangeiras.

Por sinal, nada mais difícil do que tentar entabular uma comunicação com alguém atacado de tédio. Nenhuma sílaba flui, nenhum pensamento se completa. Tenho a impressão que o poderoso tédio corta sinapses.

Mas fugir dele é possível? Creio que sim. Como? Mudando. Pode ser simples como mudar a posição da bunda na cadeira. Ou pode ser complicado como mudar de companheira ou companheiro. Ou ainda mudar de patrão, padaria, salão de beleza, partido político, escola de samba, canal de rádio.

Sentimento enjoadinho, né? Eu acreditava nisso até ler a entrevista do Carrière. Depois dela, entendi o papel altamente revolucionário do tédio. E de uma de suas manifestações físicas: o bocejo. Então agora se bocejo ao ler um livro, passo para outro. Se bocejo ao ouvir uma ideia, desconfio.

Ops! É bom parar por aqui com essas linhas. Vai que você comece a se entediar. Seria desastroso para mim. Talvez para evitar o tédio do leitor, as escrevinhadoras devam produzir textos curtos e bem variados.

*fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Imagem de abertura do texto da agência GettyImages

Um comentário:

Anônimo disse...

Tédio inspirador... vamos domar o leão, dando umas cutucadas de vez em quando! Eia!!!

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