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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Afinal, que corpo queremos?



por Alexandre Luzzi*

Dizem que o corpo humano é a máquina mais perfeita que existe, e que se todas as suas engrenagens funcionarem em equilíbrio e harmonia, a saúde está garantida. Além disso, nossa cultura nos fez crer que essa máquina perfeita é comandada pela mente. Seria mais ou menos como se nosso corpo fosse um navio a vapor, e o comandante do navio a mente. Se conduzido de forma correta, o comandante do navio fará a viagem até seu destino final de forma segura e sem surpresas.

Na metáfora, viagem segura é sinônimo de saúde e o destino da viagem quem organiza é a cultura. Toda concepção de saúde sempre se apoiou na relação entre corpo e mente. A tradição ocidental é que produziu as dicotomias que afetam de forma concreta o sentido que atribuímos ao conceito de saúde, por exemplo: corpo/mente, natureza/cultura, materialidade/essência, saúde/doença.

Todo sistema procura produzir sujeitos que sustente essa engrenagem. Ainda mais numa sociedade de mercado em que manter ativas essas dicotomias só reforça o controle da mente sobre o corpo e sinaliza, por consequência, uma proposta de saúde consumista.

O sujeito de hoje tenta de tudo para manter-se saudável e em forma. Por isso, consome todo tipo de produtos: seguros, produtos alimentícios de baixa caloria, remédios, atividades da moda, produtos de beleza e estética. Se pensarmos, a vida saudável é como uma grife, um estilo. Porém, na mesma proporção em que tentamos controlar o corpo e o risco, parece existir um mal-estar nos sintomas contemporâneos representados pelos distúrbios da percepção da imagem corporal. Exemplos não faltam: ansiedades de exposição, anorexia, vigorexia, bulimia, toxicomanias, etc.

Uma outra proposta de saúde

O que nos introduz no mundo é a linguagem: palavras, gestos, olhares, toques e imagens dão o sentido às nossas experiências. A linguagem, em linhas gerais, é um sistema de sinais, signos e símbolos que foram organizados de acordo com a cultura. Ela, portanto, determina a experiência da nossa realidade e o nível de generalização e abstração do pensamento.

Deixando a filosofia de lado, pense comigo: quando falamos em experiências assumimos um corpo que não é mais o corpo natural e biológico, mas um corpo “biocultural”, em que foi atravessado pela linguagem e pelos signos culturais. “Ao contrário da concepção do corpo como propriedade privada de cada um, afirmo que nosso corpo nos pertence muito menos do que costumamos imaginar. Ele pertence ao universo simbólico que habitamos, pertence ao Outro; o corpo é formatado pela linguagem e depende do lugar social que lhe é atribuído para se constituir. Se os corpos não existem fora da linguagem, as práticas da linguagem determinam a aparência, a expressividade e até mesmo a saúde dos corpos”, disse a psicanalista Maria Rita Kehl.

Quando admitimos a saúde do ponto de vista do corpo-máquina, temos a tendência de não considerar a expressão emocional e subjetiva dos encontros que realizamos, ou seja, mantemos os valores e medicalizamos a doença, almejando uma ideia de corpo e de saúde que não contempla o risco, o mal-estar e a experiência trágica do viver.

Uma outra proposta de saúde parte do pressuposto que corpo e mente são expressões distintas de um mesmo ser. A sabedoria do corpo, ao contrário da mente que pode ser expressa com palavras e conceitos, só pode ser expressa por metáforas cuja linguagem são as emoções.

As emoções e os sentimentos são revelações do estado de vida de nosso organismo, para realizarmos a escuta desses saberes é preciso coragem para nos lançarmos no encontro com o outro sem a necessidade do enquadramento nos padrões culturais.

Quanto maior o raio de ação do radar de nossa consciência de como nosso corpo/mente afetam e são afetados pela complexidade das relações na qual estamos inseridos, maior será a probabilidade de adotarmos uma postura ativa e criativa frente às diversidades. Talvez esse seja um caminho para um ser saudável.

*Professor de Educação Física, capoeirista, Alexandre Luzzicoordena o espaço Tai Ken e mantém a coluna mensal Corpo a Corpo.

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