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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Recife sob combustão espontânea



por Aleksander Aguilar*

Então, vale a pena falar um pouco de como está em Recife? Pois na cidade proeminente do tantas vezes longínquo Nordeste brasileiro o quadro é similar, sim, ao do Brasil atual e sinistramente unido por nossas análises igualmente preocupadas que encurtaram nossas distâncias. E por que não seria?

Por exemplo: ”O mais importante é parabenizar a população pela maneira pacífica com que realizou o ato". Sim, sim, foi o Geraldo que disse! O prefeito da capital pernambucana, que é amicíssimo, para dizer o mínimo, do governador do mesmo Estado, Eduardo Campos. E os comuns: “Então graças a deus que aqui foi tranquilo, né? Não teve toda a baderna lá do Sul”, disse ao telefone agora a senhorinha vizinha no prédio, evangélica de devotada disciplina ao rádio a todo o volume em canais cristãos, religiosamente todos os dias às 7h da manha.

Não, aqui não é São Paulo, porra! Mas e daí? É a capital “mais vibrante do Nordeste” ainda assim reproduzindo ufanismos vazios, típicos de “revoluções de twitter” e de outras expressões cunhadas no afã midiático de criar nomes de impacto, que permanece num nível tão superficial quanto o dessas paradas cívicas e protofascistas (neste momento, porque podem mudar de natureza) que começaram chamando-se atos políticos. Tão apressadas quanto foi a mídia progressista – façamos a autocrítica – achando tudo lindo no início dos protestos antes de entender o que estava em jogo.

Reconheçamos que há uma crise urbana que a classe média assumiu e que ajuda a configurar uma crise da democracia representativa como um todo. A melhora do padrão de renda dos últimos anos tem paradoxalmente, e em especial nas grandes cidades, piorado a vida em alguns aspectos como a mobilidade urbana, estopim desta crise.

Nesse contexto, no ato do dia 20 de junho foram pelo menos 52 mil pessoas nas ruas, segundo a Secretaria de Defesa Social do Estado, e constituiu um dia histórico em Recife, assim como o foi em várias outras cidades brasileiras. Tudo tranquilo, “o mais pacífico do país”, com pequenos e breves incidentes rapidamente controlados e no máximo bombas de fogos de artifício lançadas pra fazer barulho. Até a Polícia Militar trabalhou com braçais brancos nas mangas indicando paz e chegou a abrir faixas de apoio ao movimento. E assim Recife não fez se fez pioneiro ou vanguardista; replica um sentimento bastante generalizado nesse 20 de junho que efetivamente parou o Brasil ao mesmo tempo que pôs todas as antenas progressistas em alerta. Um movimento imenso e sem comando: perigo! A horizontalidade é perigosa? Com que tipo de aventura estamos lidando?

Recife, uma das cidades símbolo do atual e dificilmente negável processo brasileiro de redução de injustiças sociais – porque tem um crescimento econômico destacado na região do país com desigualdade socioeconômica de amplo e conhecido lastro – a surpresa com que todos foram tomados na organização das gigantescas manifestações de rua ajudam a amplificar um típico debate sobre estratégia e organização. Aquele que remonta à velha discussão organização e espontaneidade das massas, travada já desde 1905 entre o contexto alemão e russo, mas agora diante de uma dinâmica organizacional da era Web 2.0.

Há espaço para que nos movamos mais adiante da polarização conceitual entre partidos vanguardistas vistos como muito rígidos e redes de articulação virtual vistas como muito frouxas? É possível que os movimentos contemporâneos transcendam o espontaneismo pejorativo e sejam articulados como novas formas de criação e de organização?

Seja como seja que evoluamos nesse debate, está na hora de politizar o momento, de capitalizar os movimentos sociais vivos, e de pautar um horizonte de emancipação social. O esvaziamento político daquilo que começou como atos propositivos, e agora tem como tom predominante o de paradas cívicas moralistas e conservadoras, precisa ser preenchido. Propostas emancipatórias radicais precisam ser construídas, debatidas e massificadas de modo a se ter um objetivo sociopolítico estruturalmente transformador.

*Aleksander Aguilar é jornalista, doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais, candidato a escritor e viajante a Ítaca. Especial para o NR.

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