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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Essa tal de rede



por Júnia Puglia      ilustração Fernando Vianna*

 Fico atordoada quando penso nela. Eu aqui, batucando num teclado macio e silencioso, tento colocar na tela pensamentos e frases que façam sentido para quem vier a ler, e também para mim, que tenho muita dificuldade com o que não me faz sentido. Quando acho que consegui alinhavar algo com começo, meio e fim, e que reflita o que estou querendo transmitir, me dou por satisfeita, faço uma boa faxina e declaro o texto pronto. Depois de receber uma ilustração saída dos neurônios e sentimentos de outra pessoa, será enviado ao editor e publicado na próxima sexta-feira. A partir daí, perco o rastro do que fiz. No máximo, consigo monitorar quantas pessoas se sentiram estimuladas a “curtir” ou comentar determinada crônica, na própria página digital ou por mensagens de correio eletrônico.

Para mim, essa tal rede é um mistério, tão grave e profundo quanto o da origem de todas as coisas. Juro. Um maravilhoso mistério. Tudo o que eu quiser saber, sobre qualquer assunto, pergunto a ela. Às vezes, a resposta é um tanto estranha, enviesada, mas sempre me dá dicas sobre como procurar melhor. Aliás, desconfio que as respostas esquisitas são muito mais um produto de perguntas imprecisas do que da capacidade de resposta. Ou vice-versa, se partirmos da perspectiva de que a precisão é um produto da inteligência, e não o contrário. É que, apesar da impressão de inteligência que nos causa, a rede não pensa. Nadinha. Ela só executa o que lhe comandam. E comando pode vir de tudo que é cabeça, né não? Por isso inventaram a hierarquia.

Impossível para mim captar as dimensões do que acontece. Não basta pensar no meu próprio país, com esse mundo de gente dentro, acessando milhões de computadores – e ainda longe de chegar a todos os lugares. As contas andam na casa dos bilhões de seres humanos fuçando o espaço digital, cada um buscando atender seus interesses e sua curiosidade. Muitos já participam de redes dentro da rede, compartilhando interesses comuns e retransmitindo exaustivamente todo tipo de conteúdo.

Daí a ocupar o lugar do contato pessoal e do olho no olho, é um passo. Basta um descuido ou uma acomodação à cadeira e ao teclado. A conexão wi-fi disponível em lugares públicos está aí para isso mesmo. Acho que cheguei aonde queria quando comecei este texto. Não consigo pensar na vida sem ver, sentir, tocar e falar com gente de carne e osso. Passear pelas redes sociais, visitar a Muralha da China e as pirâmides egípcias, comprar bugigangas, ler notícias, artigos, livros, ouvir música, assistir a vídeos sobre tudo quanto há, conversar com amigos distantes, vale tudo. Mas o calor e a emoção de lidar com pessoas e coisas concretas ainda vale muito mais.

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*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

3 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Também acho que o contato é intransferível. E mais, revelador. A presença desnuda aquele olhar que supondo (ou não) há por trás da mensagem; revela por outras (e diversas) formas de linguagem. Mas de tudo isso, o que mais marca minha memória são os cheiros. Ah!!! O acarajé e as algas do mar.....
Beijos, Obrigado, Carlos.

Anônimo disse...

"Não consigo pensar na vida sem ver, sentir, tocar e falar com gente de carne e osso." eu também, minha querida; obrigada por externar para "a rede" esse sentimento e vamos seguindo atentos para que a acomodação não nos torne seres virtuais! FF

Anônimo disse...

Texto palpitante, atualíssimo, instigante. Ilustração fantástica. Recado muito bem-dado pelos autores.
Terê

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