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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O meu candidato é o dos outros

por Celso Vicenzi*

O meu voto é o dos outros. Milhões de outros – com esperança de que sejam maioria – que sonham com uma pátria mais justa e solidária. Não penso em votar em candidaturas que, eventualmente, melhorem a minha condição de cidadão de classe média. Ou que possam fazer mais pela minha profissão, pelo meu estado, pela minha região ou cidade. Há quem vote assim e é um direito. Mas, num país com as desigualdades sociais do Brasil, o voto de quem vive melhor deveria ser mais solidário, menos egoísta e desumano.

Os meus candidatos serão aqueles com currículo e história de vida comprometida com as transformações sociais, com ações voltadas à independência e soberania do país, com igualdade de acesso aos bens gerados pela nação. Seria ótimo – e inteligente! – se boa parte dos integrantes das classes média e alta, antes de pensarem em si, apoiassem aqueles que menos têm e há séculos são alijados da distribuição de renda num dos 10 países mais ricos do mundo.

Voto pensando nos milhares de moradores em situação de rua e nos milhões que sonham com a casa própria. Meu voto vai para os 72% de trabalhadores que produzem a maior parte da riqueza e, no entanto, recebem em troca não mais do que dois salários mínimos. Desses, 41% têm renda de no máximo um salário mínimo. Quase a metade da força de trabalho vivendo com muito pouco, pressionada por toda uma existência a usufruir do mínimo, no limite da sobrevivência.

Quero votar com os 80 milhões de brasileiros que agora têm acesso à saúde bucal (em 1998, 30 milhões nunca tinham ido ao dentista) e que ganharam 4 milhões de próteses nos últimos quatro anos. Gente que tinha poucos motivos para sorrir e quando o faziam, ficavam expostos ao escárnio e à ridicularização.

Não peçam o meu voto para candidaturas que vão ampliar ou manter um modelo político e econômico excludente, responsável por classificar o Brasil entre as 10 nações mais desiguais do planeta. Não apoiarei candidaturas que, sob nomes pomposos do economês, irão implementar políticas de arrocho contra o trabalhador, aumentar o desemprego, diminuir as ações sociais, investir contra conquistas históricas dos Direitos Humanos e trazer dogmas religiosos para o centro da agenda republicana.

Não voto em candidaturas que, num país onde há muito preconceito, discriminação e racismo, são contra as políticas de ações afirmativas (cotas para negros, por exemplo) sob o argumento da justiça e da igualdade que nunca garantiram para a maioria da população. Dados do Ministério da Saúde apontam que 53% dos homicídios no Brasil atingem pessoas jovens, das quais 75% são negros e negras, de baixa escolaridade. Não voto em quem apregoa meritocracia como sinônimo de justiça, sem levar nunca em conta a desigualdade de acesso às oportunidades.

Não voto em quem critica o Bolsa Família, que, com algo em torno de 0,5% do PIB, diminuiu a mortalidade infantil, melhorou a alimentação do povo e ajudou a colocar os filhos dos pobres nas escolas. Segundo o Relatório Mundial da Saúde, o Bolsa Família reduziu em 28% a pobreza no país (quase um terço!) e foi responsável direto pela diminuição de 65% das mortes causadas por desnutrição e por 53% dos óbitos causados por diarreia em crianças menores de cinco anos. Eu voto contra os preconceituosos que dizem que Bolsa Família é para sustentar malandro, porque desconhece ou omite que 75% dos beneficiários trabalham e 12% já deixaram de receber voluntariamente, por terem melhorado de vida.

Eu voto com os outros. Com aqueles 50 milhões de brasileiros que, até recentemente, não tinham atendimento médico, porque moram em pequenas localidades do país ou nas periferias das grandes e médias cidades. Voto por mais educação e formação profissional para combater a violência. Por mais acesso à cidadania e menos políticas repressoras no combate à criminalidade e atos infracionais. Por uma educação mais inclusiva e humanista, menos voltada a atender o mercado de trabalho, que questione os privilégios, as desigualdades e as distorções desse modelo consumista de sociedade, predador da natureza, gerador de poluição, doença e morte.

Eu voto com os outros, sim. Outros que desejam a manutenção do emprego, melhores salários e aumentos acima da inflação para quem ganha salário mínimo. Segundo o IBGE, em 10 anos houve um crescimento de 65% na geração de empregos, e o salário mínimo teve aumento real de mais de 70%. Voto em quem se propõe a prosseguir nessa direção. Meu voto é o dos outros, de milhares de outros, que sempre foram explorados, no campo e na cidade, enquanto enriquecem uma pequena parcela da população brasileira. Voto por reforma agrária, por uma reforma política e fiscal, por impostos que onerem mais a classe rica e menos os assalariados, por mais distribuição de renda, pelo estado laico, pela igualdade entre sexos e a valorização da mulher, pelo respeito aos Direitos Humanos, por mais creches, por educação de qualidade em tempo integral, pela demarcação das terras e respeito aos direitos indígenas, pela soberania do país, por políticas públicas que garantam melhores condições de vida à maioria da população.

Voto por uma política de transporte público de qualidade, pela redução do desmatamento e por mais apoio à agricultura familiar. Meu voto se une ao voto dos que desejam o fortalecimento do SUS e das políticas públicas de saúde, daqueles que querem mais investimentos em pesquisas para fortalecer a independência e a soberania nacional, pela democratização da comunicação e por uma regulamentação do setor, semelhantes as que já existem em vários países. Meu voto é amplo, geral e irrestritamente popular.

Em síntese, meu voto pertence ao povo brasileiro, que luta para emancipar-se e construir uma sociedade mais justa e fraterna.

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Celso Vicenzi, jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, com atuação em rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia. Autor de “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Escreve humor no tuíter @celso_vicenzi. “Tantos anos como autodidata me transformaram nisso que hoje sou: um autoignorante!”. Mantém no NR a coluna Letras e Caracteres. Ilustração é obra da artista plástica Gertrudes de Arruda

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