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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Um álbum, uma vida


por Celso Vicenzi*

A fotografia é uma invenção do século 19, que fascinou pela possibilidade de reproduzir, fielmente, quaisquer objetos, paisagens ou pessoas. No começo, como sempre, acessível a poucos. Para além dos registros domésticos, as imagens fotográficas prestaram inestimável contribuição ao estudo da geografia, da antropologia e da sociologia – entre outras ciências. Com o passar dos anos, ganhou novas funções, entre elas, a de obra de arte e a de registro jornalístico.

Do século 20 até os dias de hoje, parte das pessoas que viveram no planeta possuíam pelo menos uma ou algumas fotos. No passado, antes da era da televisão, era comum, durante as visitas de parentes e amigos, apresentar o álbum de retratos da família. Toda uma história de vida resumida em algumas poucas páginas a marcar datas importantes, como o casamento, o nascimento dos filhos, o batizado, alguns aniversários (não todos!), uma ou outra foto do ingresso na escola ou da formatura. Ou ainda, em trajes militares, como reservista. Fotos posadas em uma charrete, no dorso de um cavalo, em uma bicicleta ou, ainda, em raros automóveis. Às vezes, algum fenômeno climático, como enchente ou neve. E, já entrando nos anos 60, uma ou outra foto de viagem em férias.

Uma vida inteira podia ser resumida em um álbum com poucas dezenas de fotos. Para algumas gerações, todas em preto e branco. Mais tarde, num colorido que o passar dos anos foi desbotando cada vez mais.

Quantas fotos um adolescente é capaz de registrar, atualmente, em apenas um dia? Em uma semana? Certamente, mais do que algumas gerações registraram ao longo de toda uma vida. Nossos avós – para os que têm mais de 50 anos –, talvez não mais do que duas ou três dezenas. Dos bisavós, com sorte, sobrou uma imagem solitária, que olhamos com certo espanto. Tanto quanto eles, os bisavós, olhavam para a estranha câmera, quase a duvidar sobre o que sairia daquele registro para a posteridade.

Atualmente, conseguirá uma criança ou adolescente que viva até a fase adulta localizar, em meio a milhões de fotos, aquelas que guardam algum significado para suas vidas? A frase já foi atribuída a John Lennon, mas é do escritor, jornalista e cartunista norte-americano Allen Saunders: “Vida é o que acontece com a gente enquanto estamos fazendo outros planos”. Talvez se pudesse dizer, diante de tanta ansiedade em registrar o dia a dia em imagens, que a vida é isso que acontece enquanto tiramos fotos em vez de prestar mais atenção aos ciclos da natureza e às pessoas à nossa volta. Porque a vida, essa não tem volta. Passa rapidamente e finda num clique.

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Celso Vicenzi, jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, com atuação em rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia. Autor de “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Escreve humor no tuíter @celso_vicenzi. “Tantos anos como autodidata me transformaram nisso que hoje sou: um autoignorante!”. Mantém no NR a coluna Letras e Caracteres.

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