do casamento
e aí que paramos de rodar só mais de meia-noite, sendo que eu havia marcado a equipe às 7h da manhã. filme com orçamento de institucional e exigência de publicidade. eu com apenas três carros: o de câmera, o de figurino e o caminhão de luz. e a locação – que beleza! – era o shopping D, lá no meio da marginal tietê, perto da rodoviária.
essa é uma das coisas mais chatas de uma diária de filmagem, principalmente quando se está num lugar fora de mão e já é tarde o suficiente pra não poder mandar a galera se virar de condução. chega o fim da parada, você, produtor, completamente cansado – de ficar tanto tempo em pé, resolvendo problemas, correndo de um lado pro outro, etc, etc – ainda tem que resolver como cada um dos trinta (ou mais) cidadãos da sua equipe vai pra casa. “você tá de carro? não? mora aonde? ô, fulano, você não mora na zona leste? será que você não deixa o assistente do maquinista em casa? e você, fulana? ah, vai com a maquiadora? ah beleza. e você? hmm… então melhor você ir no carro de câmera que depois que ele descarregar na locadora ele te deixa. não, mas vai descarregar primeiro. é, eu sei que seria mais fácil passar primeiro na sua casa mas o coitado do assistente de câmera tem um job amanhã às 4h da manhã. é, e de lá ele ainda vai pra zona norte. tá?”. acho que deu pra entender. como diria um amigo, você tem que “se imiscuir nas subjetividades alheias”. e depois resolver o problema de cada um.
estava eu nesse processo fascinante, ainda no set, e descubro que meu fotógrafo está sem carro. além disso, uma parte da luz era dele, então teria que descarregar na casa dele também. passo um rádio pro motorista do caminhão:
- fulano, mudei o esquema então: o diretor de fotografia está sem carro, então ele vai junto no caminhão, tá? aí você descarrega a luz na casa dele primeiro, e já descarrega ele também, rs…
- aaaah é…?
- é. vai você e ele, e o fulano vai junto pra descarregar a luz lá, na cine e na produtora, ok? eles já tão carregando aí né?
- aaah… hmmm… vão duas pessoas no caminhão, então?
- é, ué. não cabe você e mais dois? cabe, já mandei duas pessoas!
- não, é… cabe… mas é que eu tô com uma pessoa aqui…
- hã? como assim, uma pessoa? não copiei, repete.
- não, é, então… a minha mulher… é… ela trabalha aqui perto né? então ela saiu umas seis horas e veio me encontrar aqui pra dar carona pra ela…
- seis horas? mas são meia-noite e meia! gato, como assim, não tô entendendo. você trouxe sua mulher pra trabalhar com você??
- é, então… é que ela não fica sozinha, sabe? ela não fica sozinha em casa. tem medo. é casamento novo, seis meses só… e ela não gosta, sabe? de ficar sozinha. precisa ver quando eu tenho que viajar. eu saio e não aviso nada, só aviso quando já tô chegando em outro estado. senão, já viu, né?
Sofia Amaral é roteirista, produtora e é casada. Mas acha que levar o marido/esposa no trabalho é ainda pior do que levar marmita em restaurante.
2 comentários:
hahahahaha. como assim não fica sozinha?
pois é! também me pergunto. acho que ela tem medo de bicho papão, sei lá!
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.