.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Extremo Ocidente # 3

Dizia o jornalista argentino:

- Confesso que não vou muito ao Brasil. Em parte, acho que me dá tristeza, porque vejo que vocês fizeram tudo que a gente deixou de fazer. Há 30 anos, você ia à Tríplice Fronteira e Puerto Iguazu era uma cidadezinha bonitinha, de casas ajeitadas, árvores, um clima agradável. E Foz do Iguaçu também. Hoje, você vai lá e Puerto Iguazu segue sendo uma cidadezinha bonitinha, clima agradável, casas ajeitadas, árvores. E Foz do Iguaçu é enorme.

A declaração, dada em agosto último, terá seu autor mantido em segredo, em parte porque não faz diferença. Basta dizer que é um sujeito que viaja o mundo todo e que tem consciência dos lugares de Brasil e de Argentina na escala mundial.
Neste mesmo agosto, tive a oportunidade de estar com jornalistas de todas as partes das Américas e não resta dúvida da admiração que o Brasil tem gerado. A música, o jeito alegre e o modo fácil de se deixar levar continuam sendo características marcantes do país, mas hoje é algo mais que isso.
Pela primeira vez, parece-se ter a sensação de que algo está de fato ocorrendo no país e que finalmente se caminha do “vir a ser” para o “ser”. Fatos recentes corroboram essa perspectiva. Os Jogos Olímpicos de 2016, a serem realizados no Rio em 2016, pela emotividade e pelo bom imaginário gerado pela capital fluminense, elevam a autoestima a níveis que desconheço (talvez os mais antigos possam falar com mais segurança sobre isso). É difícil ler todo o material produzido nas últimas semanas no país e no mundo em que se afirma a condição de Lula como “o cara”.
O caso de Honduras é outro exemplo que, se não mexe com o emotivo, ajuda a entender melhor o novo papel brasileiro no mundo. Frente aos Estados Unidos divididos e vacilantes e a uma Organização dos Estados Americanos (OEA) que não tem muito por onde avançar, o Brasil buscou um caminho.
Ressalte-se que a atuação no caso hondurenho apenas reflete as linhas do Itamaraty sob o comando de Celso Amorim. Linhas que foram delimitadas na primeira passagem do chanceler pelo controle do ministério, ainda no governo Itamar Franco: fortalecimento das relações com o Sul, sem perder de foco o Norte, e nunca comprometendo a autonomia.
Àquilo que disse o presidente sobre a nova responsabilidade do Brasil, falta dizer que o país tem responsabilidade de crescer e de se tornar potência global sem que isso signifique oprimir os vizinhos.
Tomara que a próxima ou o próximo presidente tenha em sua cabeceira os livros de Paulo Freire: com Lula, notamos nossa condição de oprimidos e, aos poucos, vamos nos desfazendo desse mal. Tudo terá sido inútil se passarmos à condição de opressores, desconsiderando os vizinhos como parceiros. Para bolivianos, paraguaios, peruanos, equatorianos e muitos outros, não importa se a agressão vem dos Estados Unidos ou do Brasil. Importa se é agressão.

Rastros pelo caminho
Não há dúvida de que, apesar de representar progresso em relação a FHC, o governo atual teve vacilos nesse sentido. Lula sempre levou em sua bagagem missões empresariais ansiosas por fazerem negócios em outros países. Negócios foram fechados, pois bem, com o financiamento do BNDES. Ocorre que algumas dessas empresas fizeram serviços malfeitos, esperando que o “cliente” em questão não seria exigente, deixando rastros de poluição ou desmatamento pelo caminho.
Seria possível passar muitas e muitas linhas escrevendo sobre alguns dos problemas gerados a partir da expansão brasileira, mas seria também desmerecer as conquistas do Brasil no subcontinente. Imagine-se o que faria um governo conservador quando do episódio da nacionalização dos campos de petróleo e gás pela Bolívia. Ou nas negociações paraguaias pelo preço de Itaipu – advirta-se que, neste caso, o Brasil agiu como fazem as classes médias dentro de um país em que há desigualdades: cedem uma pequena porção para continuarem com o todo, mas ainda assim foi muito melhor do que fariam outras gestões.
O Itamaraty, ainda que tenha linhas consagradas, como autonomia e universalismo, depende razoavelmente do chanceler em questão. Basta ver os casos de Celso Lafer e Luiz Felipe Lampreia, por exemplo – este último disse recentemente que o Brasil errou de forma primária ao abrigar Manuel Zelaya na embaixada em Tegucigalpa. Para ele, Honduras se trata de um país “remoto, confuso” e o Brasil serviu-se a uma manobra política para que Zelaya volte ao poder.
Além do Itamaraty, e talvez mais complexo, a América do Sul é especialista na reprodução de militares que gostam de frequentar o poder ou de estarem próximos dele. As manobras feitas na fronteira com o Paraguai às vésperas da posse de Fernando Lugo e as declarações de generais de que tranquilamente invadiriam o país vizinho não são para pouca preocupação. Sob um governo conservador, eles fariam estragos.

Preocupações
Há ainda o papel das elites, e neste ponto vale destacar um antigo aspecto. O papel preponderante do Brasil no continente aumentará a visão de cima para baixo em relação aos vizinhos. Em parte, preocupa o preconceito contra indígenas, majoritários nas duas nações mais pobres da região, Bolívia e Paraguai. A princípio, pode parecer insano que tal preconceito, ao embasar a dita superioridade, motive algum tipo de ação. Mas não nos esqueçamos de artigos, charges e cartas veiculados na ocasião supracitada do caso boliviano no setor de petróleo e gás. Há quem acredite que indígenas não são inteligentes o suficiente para administrarem o próprio território e isso serve para justificar que o Brasil conduza os rumos dos vizinhos, na melhor visão “Guerra do Paraguai” que se possa imaginar.
Enfim, será triste se, em dez ou quinze anos, passarmos a sofrer nos países vizinhos a mesma hostilidade a que estão submetidos os vindos dos Estados Unidos. O Brasil pode assumir o papel de condutor, de mediador da região, mas sem que isso se transforme em um poder vertical e unipolar.

João Peres é jornalista e colunista do Blog Rodapé.

Um comentário:

Jéssica Santos disse...

E como o Brasil conduziu o Paraguai, ir lá e ver como é o país hoje e cmo era antes da Guerra do Paraguai. Espero que não façamos nada igual daqui pra frente. Melhor uma América Latina unida e crescendo, que um Brasil se sobreponto e os outros países piorando...

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics