As discussões ambientais ganharam força nos últimos anos e, nessa primeira semana de Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, entraram tais discussões no rol dos protagonistas. Evidentemente, a edição anterior, em Belém, lançou as bases para que isso ocorresse. A soma fundamental veio ao longo de 2009, quando o mundo passou a discutir amplamente - mas sem se livrar de interesses egocêntricos e patrióticos - um tema que certamente marcará 2010.
Mas, afinal, por que se levou tanto em notar que a preservação da natureza é crucial na sustentação de governos que se desejam mais justos e equânimes? Uma das hipóteses levantadas no mea culpa da esquerda é de que antes imaginava-se como prioritário tomar o Estado. Uma vez que se chegasse ao poder, era preciso assentar as bases da justiça social para só então falar em justiça ambiental. Claro que conta também o fato de que muito poucos no mundo haviam se dado conta do rumo que se estava tomando.
Bem, o rumo está mais do que desenhado agora. E a esquerda, em sua maior parte, admite o erro de ter dissociado social, político, cultural e ambiental (há aqueles que dizem que, desde criancinhas, sabiam o valor da preservação...). Na primeira semana de FSM em 2010, um dos pontos centrais dos debates foi o Bem Viver, ou seja, a noção de que só é viável o sistema que leve em conta o respeito à natureza e que a felicidade de um só é possível se contemplar a felicidade de todos os outros. Não é insignificante que o tema tenha nascido dos indígenas do altiplano. Muito antes que qualquer espanhol por lá pisasse, muitos dos povos originários da América sabiam conciliar a própria vida com a natureza, a Mãe Terra, Pachamama. Agora, passam pelo Fórum em condição de apontar o dedo para setores da esquerda que negligenciaram o tema - e são submetidos a uma custosa acareação com Pachamama. Ela, não se preocupem, está velha e debilitada para exigir muita coisa. Pode ter um olhar de decepção, outro de misericórdia, e por fim pedirá que tenha uma morte digna.
Desenvolvimento (in)sustentável
Se a questão ambiental ganhou os debates de movimentos sociais e intelectuais de esquerda, o mesmo não se pode dizer dos governos ditos progressistas da América do Sul. Hugo Chávez não se livrou do padrão econômico dependente do petróleo, e agora paga o preço disso. Rafael Correa, apesar da Constituição mais à esquerda e que reconhece direitos dos povos originários, tampouco abre mão do subsolo, mesmo que isso signifique a remoção de povoados e aldeias. Michelle Bachelet, que alguns querem que se diga de esquerda, nem se fala: deixará o governo e o país em risco de colapso hídrico e, em parceria com Cristina Kirchner, com a mina binacional de Pascua-Lama, que vai enriquecer a Barrick Gold e sufocar algumas comunidades.
O professor venezuelano Edgardo Lander deu uma bela explicação sobre a diferença entre um discurso de crise civilizatória e a prática de um desenvolvimentismo. “A força dessa lógica desenvolvimentista, aliada à necessidade de ter recursos para investir em educação e saúde, termina adiando indefinidamente a alteração de modelo em troca de financiar a sobrevivência política. (…) Mesmo alguns governos que ganharam eleições como consequência de ações dos movimentos sociais, às vezes com posturas muito radicais, quando chegam ao poder ficam na armadilha de uma lógica de gestão eficiente e acabam por fazer o mesmo.”
O papel do Brasil
Lula seguiu à risca a IIRSA, iniciativa de integração desenhada por FHC que, na verdade, significa sobrepor os interesses brasileiros ao resto do subcontinente com enormes obras de infraestrutura.Quem mais bateu nessa questão durante os debates em Porto Alegre foi o sociólogo peruano Roberto Espinoza. Ele destaca que há hidrelétricas construídas no território de seu país, com a remoção de sociedades até então intocadas, para fornecer energia ao Brasil. Espinoza reforçou aquilo que muitos brasileiros sabem, mas outros tantos preferem ignorar por uma questão nacionalista: a Petrobras atua como qualquer outra petroleira, poluindo e violando direitos. "A alternativa de desenvolvimento sustentável tem de render contas de sua incapacidade de parar o suicídio planetário”, apontou.
Marco Deriu, sociólogo italiano e professor do Departamento de Ciência Social e Política da Universidade de Parma, entende que não haverá Bem Viver para os países do Sul enquanto as nações ricas mantiverem seus atuais padrões de consumo. "O desenvolvimento sustentável é um conceito que não nos permite ver que precisamos de mudanças radicais. Não é nada mais que uma tinturinha verde", assinalou.
De toda maneira, é bom lembrar que a situação poderia ser pior. A esquerda tem feito sua autocrítica, sua psicanálise, sua terapia de casal ao lado de Pachamama. Mas e a direita? Parece que a direita usa uma velha tática. Aproveitando-se da imobilidade da velha e cansada Mãe Terra, jura-lhe obediência e amor eterno. Mas, enquanto Pachamama agoniza em seu leito, a direita encontra-se na sala com o primeiro disposto a negociar o envenenamento da cônjuge. Veja, por exemplo, a ampliação das pistas da Marginal do Rio Tietê ou a construção do Rodoanel.
Bem, deixo a todos com as palavras do pensador português Boaventura de Sousa Santos ao comentar os avanços dos tipos de democracia e a decrepitude da democracia representativa. "Não vamos desperdiçar que essa bandeira seja apropriada pelo Banco Mundial, que hoje já fala em democracia participativa e amanhã vai falar em comunitária. É para continuar a promover a privatização dos recursos naturais em nome da democracia comunitária. Não se iludam, pois eles aprendem melhor com nossos avanços que nós próprios."
João Peres é jornalista e mantém a coluna Extremo Ocidente nesta Nota de Rodapé. Esteve na cobertura do Fórum Social Mundial em Porto Alegre pela Rede Brasil Atual.
2 comentários:
Demorei demais a encontrar este blog. Fantástico! Parabéns aos autores.
Muito bom, João. Seguimos, aos trancos e barrancos, tentando fazer nossa (insignificante) parte para tentar ajudar o planeta a sobreviver. Dói saber que caminhamos tão pouco.
Abraço
Cláudia Motta
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