O livro é extremamente interessante por ser constituído, em sua espinha dorsal, pelo diário de Betto ao longo deste período no Planalto. Em primeiro plano, a trajetória das impressões do escritor “casa” com as de milhares de brasileiros: a imensa esperança com a eleição de Lula, a desconfiança de que algo não caminha bem, a certeza de que muita coisa não caminha bem.
Betto é o observador privilegiado da trama do primeiro mandato. A elite tradicional, amiga de última hora de Lula, apropria-se com sabedoria de várias instâncias de governo. A política econômica de Antonio Palocci, definida como neoliberal, desagrada aos antigos quadros do PT: a obsessão pelo superavit primário conduz a cortes nas áreas sociais. Alguns dos nomes mais representativos da esquerda brasileira pós-ditadura vão se desapontando e, um por um, deixando o governo. No meio do turbilhão está Lula, que confidencia a Betto sua decepção com o andamento de muitas vertentes do governo, mas tarda em tomar decisões. O escritor, no entanto, não culpa o presidente, amigo de muitos anos: prefere constatar, não sem tristeza, que uma coisa é chegar ao governo; outra, bem diferente, é chegar ao poder.
Se em Mosca Azul estão registrados os exemplos de como o poder, por sua vez, mexe com ânimos, instintos e personalidades, Calendário do Poder também é farto em situações do gênero. São ministros fritando ministros, reuniões que vazam à imprensa, dados que aparecem ao acaso e acabam por derrubar cabeças. Enfim, uma boa leitura.
João Peres é jornalista e colunista do NR.
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