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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Calle 13 conseguiu se comunicar em um festival sem identidade

Residente, o cantor do grupo porto-riquenho Calle 13, pulou do palco para as caixas de som e delas para o chão. Passou pelos seguranças, subiu na grade que separava o público dos músicos, e começou a gritar:

- Estamos vivos? Ei! Estamos vivos?

(vídeo de Residente acordando público em São Paulo)


Calle 13 é, provavelmente, o grupo mais popular da América Latina na atualidade. Em menos de cinco anos, eles (René Perez, o Residente, e Eduardo José Cabra, o Visitante) se tornaram os maiores vencedores de prêmios musicais do continente (10 Grammys latinos e 2 Prêmios Grammy). Da Argentina ao México, uma apresentação dos porto-riquenhos é um acontecimento concorrido e esperado. (Euforia com a apresentação de Calle 13 na Argentina)
No sábado, dia 25, Calle 13 finalmente tocou no Brasil, no Jockey Club, em São Paulo. Terminada a primeira música, René Perez se meteu no meio da plateia para provocá-la. Deve ter estranhado a uma reação contida durante o começo do show – está acostumado a um público mais participativo. Aos poucos, cantando e dançando, o Calle 13 conseguiu levantar o público. Os excelentes músicos que acompanham a dupla fizeram com que os hits ganhassem ainda mais força. Com metal e percussão de sobra, até quem estava “morto” se mexeu.
“Eles são de Cuba? De onde eles são?”, me perguntou uma garota que não parou um segundo de dançar durante o show. Não conhecia Calle 13, mas parece ter gostado. Como ela, muita gente deve ter ido ao festival para ver um tal Pitbull (enlatado da pior espécie) e Monobloco (que matou a pau ao fechar o evento). Levaram, de graça, o cartão de visita desses porto-riquenhos que, como eles próprio dizem, são a “fucking moda” latina.
As letras de René e Eduardo trazem muita ironia, protesto e piada, e perdem força quando cantadas para um público pouco acostumado com espanhol. Durante o show, o Residente tentou se comunicar em português, espanhol e inglês. Falou por meio da música e no final deixou seu recado: “Sempre represente seu país. O povo manda e o governo obedece. Viva Porto Rico livre”, disse. “Viva Mercedes, viva Allende, viva Bolívar, viva toda América Latina”.
Nem mesmo a dificuldade de comunicação, nem o relativo desconhecimento da plateia em relação ao Calle 13, impediram que o grupo fizesse um show marcante em sua primeira vinda ao Brasil. Na música Fiesta de Loco, Residente diz: “Eu não entendo essa canção, mas danço como você quiser”. Foi o que aconteceu em São Paulo com muita gente.

O festival sem identidade

Promover um festival de música latino-americana no Brasil é mais do que colocar no mesmo palco um par de bandas que cantam em espanhol intercalados a músicos locais. Os organizadores do Telefônica Mundo Latino devem ter percebido isso. Em termos de infra-estrutura, tudo estava perfeito. Segurança, sinalização, banheiros (até papel higiênico tinha) etc. Mas o local onde o evento foi realizado já deixa dúvida de se foi uma boa escolha. Foi como fazer uma despedida de solteiro no salão de festas da igreja. O resultado foi que sobrou espaço.
Na entrada, um “lounge” da cervejaria Bohemia tocava, claro, música “lounge”. O espaço onde foram realizados os show de Fito Paez, Calle 13, entre outros, se chamava “Pop Urban”. Como a mocinha que dançava na minha frente, nem todos tinham total conhecimento dos artistas que se apresentariam – eu, por exemplo, não conhecia Pitbull (e não pretendo voltar a escutar). Que tal colocar alguém para interagir com o público e “explicar” quem se apresentaria? Que tal usar os telões ao lado do palco para “apresentar” as bandas?
E se, por se tratar de um festival latino, usassem o espaço que a Telefônica tinha para divulgar seus produtos para falar da América Latina? Panfletário demais? Não sei, mas acho que as televisões que passavam o UFC 119 podiam ter tido uma utilidade melhor. No site do festival falava-se em comida típica dos países latino-americanos. Só vi gente comendo pizza.
Também não vi uma interação tão grande entre músicos brasileiros e os estrangeiros. Vi Nando Reis penando para ler, no chão do palco, a letra de uma das músicas de Fito Paez – que fez um show impecável. Também vi Monobloco e Calle 13 fazerem duas apresentações eletrizantes, mas não vi harmonia (nem identificação) quando tocaram juntos.
- veja o album de fotos de todos os shows. 
Talvez falte, a todos nós, aprender mais sobre a música dos nossos vizinhos. Calle 13 tocou até uma bossa nova. Fito Paez há décadas namora Caetano, Paralamas e outros.
Quem venham outros festivais latinos! E que aprendamos com os erros e acertos desse primeiro.
Para quem quiser saber mais sobre Calle 13, recomendo nossa coluna sobre a banda e esta matéria, muito bem escrita, do El País da Espanha.
Por questões de tempo e dinheiro, não estive nos shows realizados no outro palco, mais voltado para o jazz e MPB. Por isso, não opino sobre. Quem esteve e quiser contar como foi, o espaço está aberto.

Ricardo Viel, jornalista e colunista do NR (Conexsom Latina) Twitter: @rviel

3 comentários:

João Peres disse...

Ricardo,
belo texto. Tem toda razão. Um amigo que veio do exterior para cobrir o festival ficou espantado ao saber que ninguém por aqui sabia de que se trata o Calle13. Talvez seja um tema para pensar mesmo. Parece que não é só a língua que atrapalha a entrada de músicas de outros países latino-americanos por aqui. Enfim

ielo disse...

Muito bom texto, concordo plenamente. Fui ao show, eu que consigo entender bem o espanhol me identifiquei mais ainda. Eu fui só pra ver Calle 13. Depois aguentei Pitbull para ver novamente la calle.
Realmente não gostei da organização do evento, até mais pelas pessoas que demoraram a entrar no ritmo, na música.
Espero poder ver mais vezes essa dupla...
Ah, aproveitando, vi muita gente tirando fotos durante o show, e não as encontro na internet... Você tem ? Abs

Madrid-Mesa disse...

eu sou estrangeiro e moro no Brasil faz um tempo. Percebo, agradavelmente, um interesse pelo idioma espanhol bem maior do que o interesse dos vizinhos pelo português; porém, esse interesse não abrange os aspectos da cultura hispano-americana. Daí, muitas pessoas no Brasil entendem e são fluentes (até) no espanhol, mas não têm noção alguma dos modos de vida desses países (verbigrácia, os brasileiros que falam espanhol fluentemente mas reproduzem imisericordiosamente mitos infelizes sobre "los hermanos"...)

Brasilcentrismo é o conceito usado por alguns acadêmicos para falarem desse fenômeno. Creio que é preciso maior abertura no imaginário brasileiro com respeito aos seus vizinhos. Nem todos somos Juan ou falamos (sequer pronunciamos ) "tu casa es mi casa". Os Estados Unidos, mesmo com as dificuldades já conhecidas, são um país muito mais aberto à influência crescente do espanhol (e, olha, nada diferente do que acontece no Brasil mesmo...)

Buena Suerte. Parabenizo ao autor do blog por reconhecer a boa proposta de 'Calle 13' e Fito Páez (um HISTÓRICO do rock/pop em espanhol)

Até mais.

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