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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Marchemos por liberdade e não por mais controle

Será que manifestação popular é sempre democrática, não importa se reivindicando controle ou liberdade? Tudo bem, manifestação popular é sempre popular. Mas será o uso que se faz, dela, democrático?

O que está atrás da cortina é que me preocupa. Não se percebe ao primeiro perfume, mas demanda por controle sempre exala um fedor autoritário na última nota da fragrância.

Por isso, se me convidam para marchar por mais liberdade, contem comigo. Se for para marchar por mais regras, para apontar o dedo no nariz alheio, estou fora! Tendo sempre mais ao bom selvagem do Rousseau do que ao lobo do homem, de Locke!


Lembro até hoje de um episódio que me ocorreu em sala de aula na PUC-SP, lá pelos idos dos noventa, quando cursava a faculdade de jornalismo. O professor - de disciplina que não me recordo agora - convidara o representante de um obscuro instituto de imprensa para debater os perigos da Internet com seus alunos.

O homem clamava à regulamentação o tráfego de conteúdo na Internet, bradando então por maior fiscalização, legislação e punição dos criminosos - indignado que estava com a pedofilia que assolava a rede, ameaçando cidadãos de bem.

Queria filtrar todo o tráfego, ignorando por completo a revolução que a nova forma de comunicação, um tanto anárquica, viria a realizar (a Internet e não a pedofilia, que fique bem claro!)

O dito queria saber das regras e somente delas, a qualquer custo! “É crime e ponto!”, ralhou comigo, quando cheio de audácia – mas tímido estudante, ainda - reagi à ideia de controle argumentando que o mesmo seria também usado para vigiar cidadãos de bem.

De nada me adiantou invocar os Foucault, Arendt, Orwell e Huxley na ocasião, tentando elevar o nível do debate. Sem separar joio de trigo, me imputara simpático ao crime, sepultando de vez a discussão na classe.

Não é preciso dizer que ninguém mais ousou se manifestar em contrário após discurso tão apelativo crivado dos ad-hominem que a pobre retórica dos moralistas sempre nos impõe. Aliás, semelhante em tanto aos arroubos de Afanásios, Al Borguetti e demais histéricos defensores da família, da moral e dos bons costumes. Só assim para calar qualquer questionamento sobre o mérito e qualidade de qualquer exigência por mais regras.

O que escapa a este argumento é que ninguém, em sã consciência, é a favor de crimes quaisquer a princípio - dos “contra a pessoa”, sobretudo! (Excluindo-se aqui, propositadamente, os “contra o patrimônio” - que, na maioria, já nascem das desigualdades sócio-econômicas – mas, mesmo para estes há punição suficientemente preconizada nos códigos penal e processual - para além dos direitos e deveres previstos na Constituição.

O que se debate é a necessidade ou não de mais e maiores controles - e as aberrações que podem daí surgir. Vale lembrar que à época, falava-se muito sobre um tal mecanismo echelon que registraria ideias e hábitos de todos os navegantes, com o objetivo militar de filtrar e identificar possíveis subversões, atividades terroristas ou hacktivismo; baseando-se em palavras-chave.

Aliás, não muito diferente do que se tornou a principal ferramenta de marketing do google: os cookies, que armazenam pesquisas pra te oferecer as deliciosas propagandas personalizadas, relacionadas às suas buscas.

Enfim, o tempo passou e a repulsa ao projeto da “Lei Azeredo” - também batizado de “AI-5 digital” pelos contrários à tipificação da lei como tal -, demonstra que a discussão não podia mesmo chafurdar em lama tão rasa. Com o aparente objetivo de prevenir pedofilia, fraudes bancárias, phishing scans e outros crimes cibernéticos, propõe-se o cerceamento de liberdade e do “anonimato” de todos os internautas.

Imagine um regime que propõe a quebra dos sigilos bancário, eleitoral e telefônico de todos os cidadãos do país compulsoriamente - tenham cometido crimes ou não, pelo simples prevencionismo, como no filme Minority Report!

Semelhante, em muito, à perfilação lombrosiana de potenciais psicopatas – técnica forense que identificava previamente possíveis riscos para a sociedade baseando-se em características morfológicas do crânio dos “voluntários”. Pois bem, era o que eu tentava argumentar àquele tempo com o diretor do tal instituto.

Contra a corrupção,
contra o comunismo, cansei!

O atual levante contra a corrupção, que a pendente aprovação da lei Ficha Limpa vem provocando, evoca páginas não menos curiosas de nossa história - todas travestidas de vestais da moralidade, mas, desta vez, consequentistas -: a UDN, a Marcha da Família com Deus pela liberdade e, mais recentemente, o movimento mauricinho batizado de “Cansei”.

Todos têm em comum, certa indignação contra o imponderável, contra o vento, diga-se. Lutando ora contra a “corrupção” ora contra o “perigo comunista”, mais tarde contra o “caos aéreo” e contra “as balas perdidas”.

O último traz à tona a inutilidade aparente dessas bandeiras. Querer mais controle, aqui, se torna equivalente a apelar a marginais que andem na linha. Ora! Se existe linha, quem anda à margem está fora e sujeito às barras da lei! Pra quê outra norma seria necessária? A punição já é descrita, tipificada, normatizada e regulamentada, resta aplicar a letra. Qual o sentido em se vindicar mais leis aqui?

Acho que o sentido mora em acreditar que só uma intervenção salva! Seja paternal, divina ou de Estado.

Em todo caso, não discuto tais sedes de vingança ou prevencionismos. Condenação prévia e demais leviandades que linchamento e shariahs moralistas desconsideram, não me interessa debater. Pra quem cruzou a linha, resta a lei.

Quero saber é onde se pode levantar esta linha e não onde desenhar novas. Estamos cometendo injustiça por conta dos excessos do riscado? Aí sim, o debate importa. Saber se a risca legal ou moral está passando por cima de gente não tão perigosa, por exemplo – condenando maconheiros ou gays, respectivamente. Para o bom convívio social, alguém tem que pensar na demanda por mais liberdade.

O resto fede a oportunismo, golpismo ou mero aparelhamento da despolitização juvenil. Claro que fiscalização de dinheiro público é importante. Mas já temos instituições saudáveis o suficiente para combater a podridão!

Corrupção é exceção da regra de um tabuleiro democrático, mas ainda assim condição sine qua non do capitalismo; onde a corrida pelo ouro é feroz e os fins justificam quaisquer meios para se obtê-lo. Deixemos de lado a mania de cagar mais regras, porque elas já existem! Indignação pelo que já está controlado não leva a lugar algum!

Marchemos pois, por mais liberdade onde se fizer necessário e deixemos a demanda por controle para quem compete, para não correr o risco de esvaziar nossa luta combatendo o vento!

André Bertolucci, jornalista, especial para o Nota de Rodapé

2 comentários:

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Espera, mas onde estão estas "instituições saudáveis" para nos proteger da "podridão"? Não as vejo funcionar, afinal, quantos deputados foram ou estão presos? Tenho sérias discordâncias das Marchas Contra a Corrupção, especialmente pela de SP ter sido aparelhada pela direita e pelo "contra tudo e todos" que despolitiza e é burro, mas afirmar que o que temos hoje funciona é piada. Não se trata de pedir mais leis ou novas leis, mas que ao menos se APLIQUEM as existentes.

PT é corrupto, PSDB é corrupto (com boas exceções no primeiro, ainda) e não se pode partidarizar nesse ponto. Petistas estão revoltados contra a MArcha de agluns dias atrás, mas participam de todas as marchas contra o PSDB. Qual a diferença?

E me perdoe, mas esta comparação com a Marcha de 64 é ridícula.

http://www.tsavkko.com.br/2011/09/golpismo-o-retorno-do-brasil-ame-o-ou.html

Thiago Domenici disse...

Raphael,

O que proponho aqui é que lutar contra as injustiças da lei seja mais importante do que reclamar novas, como é o caso da Ficha Limpa.

Pra todos os efeitos, não faço comparação da marcha atual com a de 64, mas a arrolo entre outras manifestações igualmente vãs, que combatem abstrações tão sem rosto quanto - ainda que sua indignação possa ser razoável, se perde na falta de objetividade.

Quanto às instituições pode-se considerar que não funcionem se analisar somente a aplicação das penas pelo judiciário. Mas, se considerar abertura de sindicância ou processo contra os flagrados, já há um ganho enorme em relação a tempos mais obscuros - trazendo à transparência o desgaste dos corruptos como figura pública, e, portanto sua inelegibilidade pela decisão popular!

André Bertolucci

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