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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ressaca, Michel Teló e Times New Roman

Pretendia escrever sobre um filme. Comecei até. Ia ser um texto legal, descolado, com tiradas de humor.

No final ia ter uma co-relação com o título da coluna que, como a Helena me disse com a sinceridade anabolizada por meia garrafa de vinho, não é dos melhores.

Mas eu ia escrever porque é o que gosto de fazer, porque a ideia parecia boa, porque me comprometi com um amigo. Comecei a escrever, até. Mas estava ficando uma merda.

Não uma completa merda, mas uma merda razoável. Talvez vocês lessem e achassem bacana, se divertissem, curtissem ou até, honraria maior das redes sociais, compartilhassem no mural do Facebook. Mas o fato é que estariam lendo apenas uma merda razoável.

E é provável que ficassem satisfeitos porque é isso que quase sempre lemos: merdas razoáveis. Primeiro porque a maioria dos que escrevem nessa grande caixa de areia do gato que é a internet não sabe direito o que está fazendo.

E até os que sabem, os que têm talento, até os que ganham dinheiro com isso, quase sempre escrevem apenas merdas razoáveis. Porque, como a vida, assim são os textos.

Imperfeitos, confusos, defeituosos e mal arrematados por inabilidade ou preguiça do costureiro. Assim é o mundo que nos cerca e onde a gente vive um dia depois do outro, sempre esperando a chegada de um tempo de perfeição, plenitude e felicidade.

Eu gostaria que os vidros da minha janela estivessem limpos. Que o filho da puta do músico, que toda a noite imita o Djavan na Casa do Espeto do outro lado da rua e me impede de ouvir Miles, tivesse uma laringite hemorrágica, que o barulho do elevador não me acordasse de madrugada.

Gostaria, na verdade, que minha varanda fosse maior e que o dono do apartamento não tivesse substituído o piso original por um porcelanato cafona. Gostaria de muitas coisas pro meu apartamento. Mudei faz menos de meio ano, mas já tenho até outro apartamento platônico, pairando em algum lugar do futuro, entre esta noite quente em que me sento pra escrever e os próximos dois ou três anos.

E junto desse lar ideal, sempre silencioso e sem caminhões de lixo que passam bem na hora em que aquela ideia emperrada estava virando uma frase, há toda uma vida ideal. Aventuras, amores e prazeres que nunca vão se concretizar.

Assim também são os textos. Agora, por exemplo, queria ter escrito algo que está pairando no meu mundo das ideias. Mas a vida tem de ser vivida do jeito que nos é possível, e ontem meu grande amigo Arpad passou em casa e gastamos a noite fumando e bebendo feito dois marinheiros russos, e no fim, como sempre, acabamos felizes e embriagados, fazendo planos como quando éramos adolescentes.

Claro que a manhã não foi tão feliz. Acordei com a cabeça cheia de Ambev e Philip Morris. Café forte com um resto de suco de laranja pra revigorar, seguido por umas flexões, com dor de cabeça e tudo, só pra mostrar pro corpo quem está no comando.

Depois, banho e um dia inteiro de trabalho, duro e honesto, carteira assinada, ponto batido, burocracias desimportantes, zapeadas no Facebook e um sujeito de macacão azul com uma furadeira que por pouco não liquefez meu cérebro ressaquento.

Enfim, tudo isso pra dizer que o texto ideal continua lá, flutuando feito a peninha do Forrest Gump, em algum lugar inalcançável. Este foi o que consegui oferecer, e se ele está aqui, não há realmente outro. Uma merda razoável, talvez. Imagino, contudo, que tenha ficado melhor, ao menos mais honesto, do que a resenha engraçadinha de outro enlatado americano.

Longe do ideal, mas foda-se. A vida é assim, passa rápido e nunca vem do jeito que a gente planejou. Agora, por exemplo, eu tinha uma bela ideia pra encerrar com um fecho malandro que traria sentido pra essa confusão. Mas o filho da puta da Casa do Espeto começou a cantar Michel Teló com pegada Djavan e, não contente com o estrago, emendou um “Parabéns a Você” na sequência.

Caralho, não tem ideia que resista.

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Estreia hoje a coluna mensal Abelha na Orelha no NR.

5 comentários:

Moriti disse...

Bem vindo, Tomás. Michel Teló com pegada Djavan e parabéns na sequência é realmente foda, muito foda.

Anônimo disse...

Bravo, Tomás, vou procurar seus livros. E que ótima estreia, de dar gosto. Parabéns, Fredo Sidarta, SP.

Viel disse...

Boua, Tomás, bem-vindo ao NR. Grande estréia. Gostei da analogia com a caixa de areia, mas a merda que se faz por aqui até que é cheirosinha, vai!
Parabéns ao Thiagones por mais uma contratação.
Viva nossa caixa de areia!
Abracos,

Viel

abuelitapeligrosa.blogspot.com disse...

Boa sorte e sucesso aqui no NR. E pra provar que gostei, vou compartilhar no face. Desculpa, tá, mas merda ou não merda, o seu texto veio à luz e isso é que importa. A pior coisa que existe no mundo é alguém estar grávido de um texto e o diabo do texto enrolar no cordão umbilical.

Adrio Inveriach disse...

OH! Que horror!!!
Meu querido filhinho publicando palavras chulas!
E, eu que fiz tanto esforço para tentar educá-lo!!!

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