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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Pragueações breves

Nas minhas andanças por aí, já passei alguns sufocos típicos de estar em viagem. Como pedir informação onde se deve, e receber desinformação. Já me aconteceu várias vezes, inclusive em lugares com fama de sérios, competentes e precisos, onde não se espera este tipo de falha. Sempre me faz lembrar que gente é gente em qualquer lugar, até naqueles onde se acha que as pessoas alcançaram uma condição “mais adiantada”. Lembrar disso é muito bom.
Depois de saber que o belo cemitério que vejo da janela do meu quarto de hotel abriga os restos mortais de Franz Kafka, fui até lá “tomar a bênção”
 Meu analfabetismo também me choca. Explico: desde a primeira vez que estive num país onde meu limitado conhecimento de idiomas era inútil, constatei a miséria que é não conseguir ler instruções, placas, cardápios, nada. Cada vez que isto me acontece, como agora, aqui em Praga, penso em como a leitura e, mais que isso, a capacidade de entender e interpretar o que se lê, é essencial. Conclusão nada original: deixar de investir pesado na educação é uma escolha perversa, mas parece que os governantes leem isto e não entendem...

Ontem pude conversar um bom tempo com uma senhora daqui, em espanhol. Considerando minha notável ignorância sobre esses lados do mundo, ouvir um pouco sobre esta cidade encantadora e seu povo foi um luxo. Tendo ela vivido todo o período do regime comunista e presenciado a divisão da Tchecoslováquia em dois países, perguntei-lhe qual tinha sido a melhor coisa do socialismo. No seu jeito suave e direto, ela respondeu: “A melhor coisa é que eu era jovem. Mas, falando sério, duas coisas eram muito boas: a inexistência de desigualdades de renda e acesso à educação, e o fato de que todos trabalhavam muito menos do que atualmente. Isto era considerado um absurdo por alguns, mas a verdade é que esta vida que se leva hoje, de trabalhar doze, catorze horas por dia e jamais ter tempo para outras coisas, é horrível. Os jovens de hoje não vivem, só trabalham.”

Depois de saber que o belo cemitério que vejo da janela do meu quarto de hotel abriga os restos mortais de Franz Kafka, fui até lá “tomar a bênção”. E depois de ver um pouco desta cidade tão linda, que transpira arte, cultura e humanismo em cada detalhe, vou dormir pensando na necessidade urgente de reabrirmos o espaço do ócio e da contemplação da beleza.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

3 comentários:

Anônimo disse...

A geração jovem/madura de hoje não tem tempo nem para ouvir o canto do sabiá que teima pousar aos bandos ao nosso redor, enchendo o ar de doçura. Dizem que é o "progresso" que rouba o tempo das pessoas. Abomino esse tal "progresso". Prefiro o canto das fanhosas cigarras que estão "berrando" aqui na minha janela. Para onde vão os desesperados "atletas" que correm contra o soar das horas ? Isto é progresso ??????
Mummy Dircim

Shirley disse...

Pois é, Mummy Dircim, pra quem viveu as duas coisas, como a minha geração e a da Junia, essa correria é um estrago só, mas ao menos boa parte de nós, que já viveu em outros tempo, consegue trabalhar feito louca e ainda assim ouvir o canto dos sabiás, admirar uma lua crescente, valorizar uma boa conversa entre amigas, gostar de ouvir o som de crianças brincando ou simplesmente parar e ouvir um disco. Fico penalizada com as pessoas mais jovens, que não conheceram isso e que só veem o lado da vida que é trabalhar, estudar e passar quase todo seu tempo de ócio diante de telas diversas, que trazem tanto mas no fundo, não satisfazem nossa sede de conhecer, viver, viajar, pensar, refletir. A reflexão então, coitadinha, dançou.
Mas apesar dos duros tempos, gosto um bocado do que frescor que essa juventude (e acho que todas as juventudes) traz.
E obrigada, Junia, pelo tempo de reflexão que você sabe nos provocar tão bem. Beijos e beijos.

Anônimo disse...

É isso aí, Mummy, Shirley e principalmente a nossa cronista preferida. O jeito é a gente ensinar os nossos netos, bisnetos, etc. a darem valor a essas maravilhas que, por enquanto, ainda não desapareceram - temos muito o que aproveitar por aqui de belezas como o nascer e o pôr do sol na época de seca, a lua linda que fica um escândalo em cima do lago nessa época também, sem contar os nossos ipês!!! Beijão Juniótide e obrigada pela reflexão e pela beleza que nos trouxe ao pensamento e ao coração. FF

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