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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cheiro de tinta


Não
sou dada a futurologias. Gosto mesmo é do odor da naftalina, da cor sépia das fotografias, do papéis amarelados. Talvez pelo fato do passado deixar marcas, manchas, trilhas tangíveis, ao passo que o futuro é tão somente uma assombração de promessas.

Mas, apesar do amor pelas coisas pretéritas, não sou do tipo nostálgico. Não posto fotos do meu eu jovem no facebook. Também não cultivo saudades. De forma alguma acho que o tempo passado seja melhor ou superior ao tempo presente.

Ele foi apenas distinto. Hoje, pouco a pouco, vou me acostumando a ler jornais na tela. É muito dinâmico, pois foco na notícia do meu interesse e checo em veículos diferentes como ela foi trabalhada. Aqui vale um parênteses: vejo tudo muito parecido, nada autoral.

a impressão que um jornalista copiou do outro, mudando ou acrescentando um detalhe embaixo, outro em cima. Tenho a sensação de que ninguém quer se comprometer. Como se fosse apenas um bater o ponto. Um se desfazer rapidamente de um encargo chato.

Creio que os jornalistas da web devem atentar para a relação íntima entre a qualidade e a diversidade no tom e no estilo. Basta conferir a história de dois gigantes de papel que morreram faz pouco tempo. Falo do carioca Jornal do Brasil (1891-2010) e do paulistano Jornal da Tarde (1966-2012).

O Jornal do Brasil, JB, teve longa vida de influência e importância. Foi referência como "jornal do país". Fez reformas editoriais e gráficas copiadas muitas vezes pela concorrência. Foi o primeiro a inventar um caderno B. Durante décadas serviu como contrapeso ao O Globo. Agora existe uma versão digital, mas na verdade só carrega o mesmo nome.

o Jornal da Tarde, JT, teve vida bem mais breve. No entanto foi brilhante na sua proposta inicial de inovação de texto e de paginação. Produziu capas memoráveis, legítimos "quadros" para, com gosto, a gente pendurar na parede. Ele apostava no visual bonito e leveza verbal muito antes da internet.

Na minha modesta opinião, creio que os dois começaram a morrer tempos antes das suas rotativas calarem. A agonia teve início quando cada um abriu mão da inovação e ousadia que, em boas fases, os caracterizaram. Os diferenciaram da maioria.

O leitor abandonou o Jornal do Brasil quando seus editores abriram mão ou perderam colunistas de primeira. Quando seu estilo passou a não cheirar e nem feder. Idem o leitor do Jornal da Tarde que não se sentiu disposto a acompanhar uma proposta cada vez mais ligeira e desimportante.

Uma bênção do passado é a de abrir os nossos olhos. Por exemplo, enxergar que o sucesso precisa ser renovado dia a dia. Não é tatuagem permanente, nem louro para se dormir. Os jornais digitais ainda não encontraram o ponto do doce.

Os webjornalistas precisam rapidamente ousar. Necessitam pôr tom e estilo em seus textos. Caso contrário, os leitores de notícias vão migrar em massa para os portais gerais e para o São Google. Nada é para amanhã.


fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

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