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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Boas meninas



por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*

Na escola primária, o ciclo da vida era uma frase: o ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre. Não significava nada, como muitas outras coisas que a gente ouvia lá. Sabíamos que havíamos nascido e crescíamos, uns mais, outras menos, o que já era preocupação suficiente para a hora do recreio. Meninos de um lado, correndo e disputando, meninas de outro, brincando de roda ou de passa-anel, eles quase sempre maiores que nós. Das meninas, umas cresciam mais rápido que outras. Isso era tudo o que entendíamos do tal ciclo.

Eles, os meninos, pertenciam a outro planeta, então os deixávamos lá. Duas eram as nossas principais preocupações: aprender a nos comportar como boas meninas e ser a preferida da melhor menina, a escolhida para sentar ao seu lado no banco gelado do pátio. Ela, muito ciosa da sua relevância e da disputa, só decidia a favorita do dia no último minuto. A premiada se sentia a princesa da cocada – porque a rainha era ela, que ninguém duvidasse!

Deveríamos ser boas meninas e assim alcançar o céu, conforme a frase cuja origem desconheço. Seu complemento maldito, temperado com a deliciosa irreverência de Mae West, liberou as meninas más para dispensarem o céu e irem “a todos os lugares”, especialmente àqueles onde podiam encontrar diversão, informação e conhecimento. Estas se tornavam um grande problema para as famílias e escolas.

Assim cresceu a minha geração, entre o uniforme escolar de saia plissada com laço branco no cabelo e os terremotos da contracultura, da pílula anticoncepcional e do feminismo, com ditadura militar, Guerra Fria e Vietnã pelo meio. Muitas de nós entraram tranquilamente no figurino de boas moças, esposas e mães, mas para algumas faltaram talento e paciência.

Espere um pouco, que eu vou ali na cozinha finalizar o almoço de hoje e já volto.

Voltei. Então, para as que, como eu, não conseguiram se adequar e ganharam o rótulo de rebeldes e malcriadas, a juventude acabou sendo um tanto complicada, porém, quero crer, mais interessante que a das boazinhas. Lemos, contestamos e bisbilhotamos bastante, buscando e absorvendo informação e notícias sobre o mundo que tanto nos atraía e fascinava. Os papos-cabeça das madrugadas foram essenciais para forjar outras expectativas em relação à vida, enquanto nossos pais se descabelavam imaginando o que estaríamos fazendo naquelas longas horas de sumiço.

Brigamos e confrontamos, nem sempre de forma direta, mas com atitudes e escolhas contestatórias, transgressoras. Queríamos, precisávamos ter a sensação do controle sobre as nossas próprias vidas. No meu caso, o tal controle levou-me a uma sólida e estável vida de classe média limpinha e arrumada, marido, filhos, casa, carreira etc. Na verdade, que eu saiba, em quase todos os nossos casos. Boas meninas cumprindo o ciclo da vida, com a maior cara de que está tudo muito bem, obrigada. Raios nos partam!

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Educa a criança no caminho em que deve andar e, ainda quando for velho, não se desviará dele. Palavras do sábio Salomão.
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Esqueci de comentar a belíssima ilustração do Fernando. Com graça e leveza mostra o trajeto de todos nós na lida terrena. Parabéns, Fernando.
Mummy Dircim

disse...

RAIOS NOS PARTAM! ADOREI! TÂ

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