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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Absurdada

por Cidinha da Silva 

– Pela milionésima vez, por favor, se amostrar, não existe. Não pega bem para você, uma pessoa formada e reformada pela universidade, usar uma expressão incorreta como essa.

– Ora veja, incorreto para mim é o que não faz sentido, se amostrar faz sentido para boa parte do país.

– Não faz sentido e está errado.

– Prismando pela gramática você pode até estar certa, mas no cotidiano das pessoas está errada.

– Por que você não usa um sinônimo mais simples da palavra? Exibido, por exemplo. Todo mundo conhece.

– Não dá, porque uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Quem se exibe é exibido, quem se amostra é amostrado.

– Compreendo. Mas, quem se exibe e quem se amostra não busca o mesmo resultado, ou seja, vender o próprio peixe? Pense bem, é melhor vender seu peixe com as palavras adequadas.

– Pois é aí que sua isca se engana, se exibir é assunto de vitrine, se amostrar é assunto de farmácia.

– Como assim? Você está me parecendo assunto de confusão mental.

– Não é que eu queira me gambá, mas confusa é você que prisma pela gramática e não entende os prismas criativos do olhar. Vou dar um exemplo para ver se te ajudo. Quando a pessoa compra uma roupa e não tira mais do corpo, aproveita e conta para todo mundo que comprou aquela peça, ela está se exibindo, é exibida. Mas quando a pessoa compra um corselet do tamanho de Minas Gerais, espreme o Pará, coloca dentro de Minas, depois vai debutar num ambiente para 20 convidados, ela quer se amostrar, é amostrada. Pensando em termos mais contemporâneos, os vendedores de shopping que olham com desprezo para os meninos dos rolezinhos e no fim das contas moram no mesmo bairro deles são exibidos. Eles acham que o nariz empinado, a gomalina no cabelo, a roupa padrão vendedor de loja de shopping e aquele olhar de conferência nojento em cada pessoa diferente do branco que eles almejam ser, faz deles seres diferentes e superiores ao rolezistas. Por outro lado, as meninas e meninos dos rolezinhos vão para os corredores dos shoppings para se amostrar, para serem consumidos uns pelos outros, são, portanto, amostrados. Percebeu a sutileza da diferença?

– Entendo, mas está errado.

– Como é que está errado se você entende? Se milhões de pessoas entendem e usam? Você não aceita a inventividade linguística do povo, isso é que é. Aceite que dói menos. Amostrar é verbo torto no breviário das conjugações e amostrado é particípio de amostra grátis! Pronto. Captou?

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escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.

Um comentário:

PENTEADOS AFRO disse...

E o jeito e aceitar que doi menos ,ja aconteceu comigo esta nesse lugar e se sentir sendo observada .E olhe que eu nao estava mim exibindo nem mim mostrando.

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