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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Lucas, uma história que não é qualquer

“O crime cobra e não dá retorno”

Condenado na década de 80 por extorsão e assalto a banco, Lucas (nome fictício) me recebeu próximo a um metrô na zona sul para contar sua história. Ele obteve ajuda da defensoria pública criminal de São Paulo para redução da condenação, que chegava perto de sua idade, 45 anos, para 25; cumpriu 16 entre o regime fechado e o semiaberto até a liberdade condicional em 2002.

“Só de pensar que daqui a dois anos vou conseguir minha tão sonhada liberdade total... foi muito gratificante. Considero que o papel da defensoria no meu caso foi fundamental. Se não fossem eles estaria com meus 41 anos de pena e teria de esperar até 2026 para acabar essa história”, diz.

Quando Lucas procurou a defensora Franciane Fátima Marques, Coordenadora da Área de Execução Penal da Capital da Defensoria Pública de São Paulo, o apoio foi imediato, principalmente quando ele revelou à defensora os detalhes de sua história.

Aos 21 anos, Lucas conheceu a realidade do Pavilhão 9 na extinta casa de detenção do Carandiru. “Entrei em 86. Me vi no meio de assassinos, estupradores. Não que eu fosse inocente, mas foi um choque pra mim. Estava no meio de adultos e ali tinha de ser um deles”, relembra.

“Olha a ideia desses caras aqui”

Durante o período na detenção, fez amizade com o “encarregado do patronato”, detento que atuava como “síndico” de várias celas, conhecedor das nuances e macetes do sistema e que acompanhou sua “caminhada” dando as dicas de como viver sem confusão. “Um dia ele me falou: Você quer aprender? Então ouça e observe”, recorda.

Se quisesse retomar a vida fora dali teria de ter paciência. “Não podia fugir desse empirismo da audição e da visão que ia me manter vivo. Percebi que era em cima da desgraça dos outros que eu aprendia, porque via o que não devia fazer.”

Em 1992 veio o “bonde” (gíria usada para mudança); o período mais complicado na penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau, há 700 quilômetros da capital. “Lá tive a dimensão real do que tinha feito com a minha vida. Distante de tudo e de todos”, diz.

Com o passar dos dias, o bom comportamento o levou à função de bibliotecário de Venceslau. Por ter acesso a todos os pavilhões poderia ser usado como “ponte” por outros detentos para conseguir “as mercadorias”. “Explicava aos companheiros que se eu vacilasse não conseguiria sair pra ver minha família, que sempre me apoiou. Todos entenderam”, confessa.

O contato com os livros de filosofia foi um divisor de águas. “Não tinha hábito de leitura e descobri autores como Diderot, Rousseau, Marx... pensava: ‘olha a ideia desses caras aqui’, e comecei a devorar todos”, afirma.

“E a minha vida?”

Lucas deixou a filha de seis meses para ser criada pela mãe e irmã. Encarcerado se questionava: “E a minha vida? Se minha filha de repente me pergunta ‘pai, o que é isso?’, não vou poder falar nada pra ela.” Decidiu estudar. “Fiz o ensino fundamental, que a penitenciária fornecia, e o médio por conta própria.”

Concluiu o segundo grau e durante os três anos como bibliotecário teve a certeza que tentaria a faculdade saindo dali. De Venceslau veio a “prisão-colônia” e o regime semiaberto na região de Itirapina, há 220 km da capital. Quase “escorregou” para o crime novamente. Resistiu. “Estaria decepcionando a mim, à família e a todos os que acreditaram na minha recuperação”, confessa.

Em 2003, a mudança real. Fez curso vestibular e conseguiu aprovação na primeira chamada de Ciências Sociais da PUC, São Paulo. “Fui com a cara e a coragem, expliquei minha história e foram solidários. Precisava me reintegrar à sociedade e consegui”, desabafa, sabedor do preconceito que sofreria se revelasse sua história aos colegas de universidade. “Poucos conhecem o que vivi”, conta.

Formou-se em 2007 - com licenciatura em Geografia - e deseja trabalhar na área de educação. “Vou ser professor de escola pública”, planeja. “O mais gratificante é que minha filha fez faculdade comigo, só que pedagogia. Íamos e voltávamos juntos, consegui servir de exemplo”, diz orgulhoso.

Atualmente vivendo de “bicos” até o término da pena, pede que o repórter registre a informação: “A defensoria ajudou muito. Mas é importante dizer que me ajudou porque o crime não deu retorno pra mim e não dá pra ninguém. No entanto, cobra muito da vida dos que entram nele. A liberdade é tudo”, finaliza.

Publicado originalmente no site www.redebrasilatual.com.br

Um comentário:

Bia Rodrigues disse...

Ler esse texto me faz relembrar das vezes que visitei a penitenciária feminina. Todos merecem uma segunda chance. Mas a sociedade ainda não sabe como dar isso (e talvez nem queira dar). De fato, Lucas é um lutador. E tomara que as pessoas consigam perceber isso.

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