Ontem, durante a paralização geral (Crédito: Calabar/EFE) |
Mário Benedetti costumava dizer que um pessimista é um otimista bem informado. Se é mesmo assim, todos os meus amigos espanhóis estão muito bem informados do que está acontecendo no país: não há espaço para a esperança. Os vizinhos franceses também parecem descrentes de qualquer futuro ensolarado. O diário Le Monde, em recente editorial, chamou a Espanha de “o grande problema da Europa”.
Ontem, dia 29, o país parou. Ou deveria ter parado. Os principais sindicatos espanhóis convocaram uma greve contra a Reforma Trabalhista aprovada pelo novo governo do Partido Popular. Eleito no final do ano passado e com maioria no Congresso para não precisar pactuar com os outros partidos, o conservador Mariano Rajoy rezou a cartilha da União Europeia e adotou, antes dos cem dias de governo – a famosa lua de mel entre eleito e eleitores –, uma mudança na legislação trabalhista que promove uma mudança brutal. Para uns, facilita a contração e flexibiliza os contratos de trabalho; para outros, facilita a demissão e precariza as relações de trabalho.
Os pontos mais polêmicos são que um trabalhador pode ser contratado e demitido dentro de 364 dias sem receber nada; e um empresário pode diminuir salários de seus empregados alegando “dificuldades financeiras”.
Contra essas medidas, milhares de espanhóis tomaram as ruas para protestar. O balanço da greve, como se pode imaginar, depende de quem o faz. Para o governo, a paralisação foi “moderada” e só reforçou a ideia de que a medida é dura, mas necessária – cerca de 22% dos espanhóis em idade de trabalho estão desempregados.
Os sindicatos dizem que a adesão (principalmente do setor de transporte e indústria) foi massiva e afirmam que foi apenas o primeiro passo: se o governo não sentar para negociar haverá mais protesto e mais greve.
As informações são de que em Madri e em Barcelona o apoio foi grande. Na capital catalã houve algo de violência. Coisa pouca se pensamos na situação do país e na quantidade de gente que se manifestou.
Aqui na pequena Salamanca, cidade de estudantes e aposentados, a rotina foi pouco alterada. No final do dia os sindicatos lideraram uma marcha. A quantidade de gente era considerável, mas as diferenças se notavam de longe. Cada sindicato em um canto da praça. Enquanto a Direita conduz o país com o discurso de que é preciso enxugar – o que significa na prática eliminar conquistas sociais – a Esquerda, em frangalhos, se estapeia pelo único pedaço de pão que tem nas mãos.
Comentei com uma amiga argentina que nunca vi uma manifestação tão pacífica e tranquila. Na verdade o que eu queria dizer era monótona. No Brasil, eu disse a ela, não se faz um ato sem música, sem um pouco de bom humor. Ela respondeu que na Argentina talvez não houvesse alegria, mas sim aplausos, cantos e panelaço.
Fato é que a marcha que acompanhei pareceria um velório. As pessoas quase cochichavam enquanto caminhavam. Vez ou outra alguém puxava um grito, que era repetido duas vezes por meia dúzia de pessoas e novamente o silêncio imperava. A impressão que tive foi de que estavam ali por solidariedade ou dever, mas não acreditavam que o gesto poderia fazer alguma diferença.
Gostaria de acreditar que por aqui seja diferente e os nascimentos se pareçam aos velórios. E que essa crise servirá para que um novo país surja. E que Benedetti pode ter se equivocado.
Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR, especial de Salamanca, Espanha.
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