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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Todos os caminhos levam à Estação Central

As minhas reações não são novas, mas é como se fossem. Um novo revisitado, como dizem os gringos.

Tudo é muito. Nas lojas de comida pronta, seus balcões intermináveis dão a impressão de que a cidade toda vem comprar ali, de tanta coisa à venda, seja qual for a hora. Mas tem três delas em cada quarteirão. E pra todo lado, em tudo que é lugar que vende comida, e também nas embalagens de alimentos, te avisam que aquilo é saudável, fresco, feito em casa, recém preparado, tem baixa caloria e pouco sal, não contém açúcar, é orgânico e vem direto da fazenda. O boi dorme na primeira frase. Estamos cansados de saber que esse país é o campeão mundial da comida processada e da obesidade – que é simplesmente chocante, há décadas.

Nos supermercados, lojas de roupa e de artigos para a casa, farmácias, delicatessen de cada esquina, em qualquer uma delas, há muito mais coisas do que jamais serei capaz de identificar, mesmo que viva cento e vinte anos. As gôndolas dão vertigens. Como escolher entre vinte marcas e cinquenta variedades de mostarda, por exemplo? Com exceção de alguns alimentos, tudo o mais é fabricado na China. Tudo mesmo.

Aqui não existe a expectativa de que alguém te ajude com algum esforço físico. Para coisas como abastecer o carro, fazer mudança, carregar qualquer tipo de volume, limpar e arrumar, cada um que se vire como puder. A ajuda até que existe, mas sempre vai custar um bom dinheiro. E não se trata de pura sovinice ou grosseria, mas de um trato com o custo das coisas muito diferente do nosso.

Na publicidade, nos jornais e na TV, por exemplo, a palavra dinheiro e expressões como ganhar dinheiro, poupar dinheiro, gastar dinheiro e usar bem o dinheiro saltam aos borbotões. A ironia do momento é que, nos últimos tempos, quem tem irrigado bastante a moneycultura deles somos nós, os brasileiros.

Estamos por toda parte. Comprando. Nas lojas de roupas femininas, ouço o tempo todo as expressões de admiração e felicidade das minhas patrícias, que levam tudo em duplicata ou triplicata. Impressionante! Famílias inteiras de brasileiros perambulando pela rua com quantidades inacreditáveis de sacolas das grandes lojas. Os preços geralmente compensam, apesar das recentes mexidas no câmbio, mas bom mesmo é a sensação de vir pra Nova York, voltar com as malas explodindo e ter assunto pra várias semanas no café do escritório. Essa vida de novo rico é muito boa!

O que tem pouco aqui é americano, mas a cidade impõe seu estilo a quem chega. Nos últimos anos – e não só aqui – as pessoas caminham com o celular grudado no ouvido, falando sem parar. Muitos usam os fones sem fio, o que sempre me dá a primeira impressão de que estão falando sozinhos. Ou teclam furiosamente, sozinhos ou em grupos, cada um no seu celular. Talvez seja uma maneira de estar conectado com alguém o tempo todo e driblar a sensação de como é difícil encarar esta solidão de concreto anglo-saxão. Solidão povoada de instruções detalhadas, informações, esclarecimentos, advertências e ordens escritas em tudo que é lugar. E ai de quem as ignorar. Os analfabetos que se danem, e também quem não sabe inglês.

As coisas boas? São muitas. Caminhar numa cidade plana e com calçadas impecáveis é um grande prazer, ainda maior se for sem destino, só curtindo a paisagem urbana e humana cuja diversidade em si já é um grande programa, que me encanta sempre. Bibliotecas e museus maravilhosos, eventos culturais às pencas, jardins e parques ostentando a exuberância da primavera e muito mais.

Aqui pros lados onde me localizo melhor, a vida gira em torno de Estação Central, aquela cujo enorme saguão principal aparece muito nos filmes, por causa de abóbada de vitrais. Lá dentro, trens e metrôs em constante movimento podem muito bem ser esquecidos. Tem um comércio fervilhante, restaurantes, mercado, uma mega loja de computadores e muita, muita gente. Qualquer coisa que se precise, se não encontrar antes, haverá na Estação Central. Então, é melhor ir lá logo de uma vez, como acabei de fazer, porque está chovendo e fica difícil sassaricar na rua. Encontrei tudo e mais muita diversão por algumas horas. Como era o Conjunto Nacional nos começos de Brasília. Vixe, viajei legal!

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

8 comentários:

coresentrenos disse...

Voei...me vi andando com celular, calçadas, lojas, comidas...
Bom dia!
Gostei de ler vc logo cedo.
bjos
Soraya

Anônimo disse...

Francamente, Júnia. Ler o que vc descreve é como viver o fato. Assim, senti-me "analfabeta" do século XXI.Adoro lojinhas, compras com bom senso,
mas essa correria infernal, de celular pendurado,dois ou três,como fazem meus amigos,me faz pensar que essas pobres vítimas do progresso têm duas ou três bocas para falar e ouvir ao mesmo tempo.Prefiro nosso Conjunto Nacional dos velhos tempos.
Continue. VC descreve com perfeição.

Anônimo disse...

Não conheço Nova York, mas, em tempos outros, o Conjunto Nacional de Brasília era um programão para nós, os mortais. Adorei.
Márcia Ester

Anônimo disse...

Obrigada, gente! Quem é você, "anônimo/a não identificado"? Posso saber?

Júnia

Anônimo disse...

Junia, simplesmente adore a descripcao. Carinhos e continua escrevendo, e a tua, eu acho.
Ana

disse...

Só estive em NY numa escala pra outra cidade. Não a conheço, portanto... mas passeei c/ vc e me deliciei! Seu teclado "pinta" cores vibrantes, inesquecíveis! Obrigada,

Elezer Jr. disse...

Junia, a descrição da sua curtição descompromissada de Nova Iorque é ótima. Mas a melhor parte desta crônica é a última: "...Como era o Conjunto Nacional nos começos de Brasília". Foi a mesma sensação que eu tive em Brasília recentemente! Como dizia o Lilico, "Tempo bão, lelê, que não volta mais..."

Carlos Augusto Medeiros disse...

Lembro-me do papel central que o Conjunto Nacional exerceu para esta Brasília. Imagino que Mercados Municipais desempenham o mesmo papel em lugares mais acolhedores. Uma Estação Central, sobretudo aquela que os carrinhos de bebês insistem em deslizar degraus abaixo, eu jamais imaginaria. Excelente texto. Beijos. Carlos.

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