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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eternidade já

Tanta filosofia, tanta teologia, milênios de especulação sobre a hipótese da eternidade e da vida após a morte. Tanto desejo de ser lembrado depois, tanto esforço para deixar obras permanentes, nomear praças e viadutos, escrever o livro definitivo, compor a canção mais popular. Tanta preocupação em agradar deus, deuses, deusas, divindades, de forma a garantir um cantinho que seja no paraíso. Pessoas que gastam fortunas pra se congelar e tentar “reviver” no futuro. Aviso: se você tem seu perfil em redes sociais digitais, mesmo que seja numa só, seus problemas acabaram. Pode relaxar.

Não sou das mais dedicadas ao grande “livro de caras”, mas fui lá há algum tempo, talvez um ano, e “abri uma conta”, como se diz na língua internética. Achei divertido esse lugar virtual onde as pessoas vão deixando rastros do que fazem, onde vão, com quem se relacionam. Mostram fotos (muuuitas de bichos!), divulgam eventos, comentam sobre o que rola, sobre a balada de ontem, o cachorro que comeu documentos, o por do sol na Tailândia, pedem apoio para causas as mais variadas, avisam que estão na Flórida, que aquela gripe sarou e tudo o mais que se possa imaginar, dentro de certos parâmetros do que se considera socialmente aceitável. Compartilham músicas, vídeos e textos, inclusive este. Ah, e reclamam de mau atendimento e serviços em geral, coisa que tem tirado o sono de muita gente por aí. De vez em quando, elogiam também.

Por mecanismos cuja compreensão me escapa, os administradores desse forró digital vão sugerindo pessoas com quem você talvez queira se relacionar, geralmente amigos de amigos. Foi assim que “adicionei” muita gente com quem não tenho grande proximidade, ou cujo contato havia perdido. Mas também sugerem pessoas que a gente não tem ideia de quem sejam. Deve ser pra facilitar a vida de quem quer ter um milhão de amigos sem se levantar da frente do computador.

Mas então eu estava lá um dia, passeando pelo “livro”, quando um nome “sugerido” me chamou a atenção. Estavam me oferecendo amizade com um morto. Simples assim. Achei que podia ser um homônimo, sei lá, e fui no perfil do cara. Era ele mesmo, que eu sabia que havia morrido uns meses antes. Estava lá, sorridente, como se nada tivesse acontecido.

Passado o choque, mas ainda muito incomodada com aquilo, comecei a me perguntar como se morre virtualmente. Até o momento, e depois de perguntar a várias pessoas que entendem mais de redes sociais do que eu (fácil, fácil), esta pergunta continua sem resposta. Como é isto, alguém pode ir lá e te apagar? Quem? Como?

Por enquanto, concluo que ter um perfil numa rede social é uma espécie de vida eterna. Você vai ficar ali, existindo no espaço virtual, até o final dos tempos, a hecatombe nuclear ou a explosão da internet. Não se trata da memória que ficará na sua família, nas pessoas queridas, em quem conviveu com você, mas algo que transcende a vida que você tenha vivido, digamos, concretamente.

A despeito de qualquer convicção religiosa ou metafísica, que não está em discussão aqui, pensar que a morte física, a única certeza certa da vida, pode ser “driblada” por uma “existência” virtual é no mínimo inquietante. Mas também pode ser um alento, à escolha do freguês. Sensação esquisita.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

6 comentários:

Anônimo disse...

Valeu, prima!Acabei de me sentir eterna! rsrs...Beijos, sdd...

Elezer Jr. disse...

Junia, eu ainda não tive tempo nem de comentar a crônica passada, mas esta aqui merece atenção particular. Eu tembém tenho uma relação absolutamente não padronizada com redes sociais em geral, por várias razões: em primeiro lugar, gosto do contacto pessoal; em segundo, não sei qual o valor de explicar ao mundo cada um dos meus passos do dia-a-dia, incluindo por exemplo "gente, escovei os dentes com o creme para a pele em vez da pasta de dente hoje...", e vai por aí afora; em terceiro, durante um longo tempo, por força das minhas atividades profissionais como diretor de segurança informática de mais do que uma corporação, eu era simplesmente proibido de fazer parte desse mundo digital social.

Existem lugares onde se pode consultar como apagar perfis de pessoas falecidas, portanto não vou me prolongar aqui - e atenção, apagar um perfil não significa destruir a informação. Mas uma coisa na sua crônica talvez tenha alcance mais distante do que muitos possam imaginar: basicamente, toda a informação que você publica num site social desses, de qualquer natureza (textos, fotos, filmes, músicas, etc.) **passa a ser propriedade da companhia que abriga o site** - mesmo depois que a gente passe para o andar de cima. Naquelas letrinhas pequenas do contrato de 28 páginas (que ninguém lê) com o qual a gente é obrigado a concordar para "abrir a conta", está tudo dito. Você vendeu a alma ao livro das caras, ou seja lá o que for, e não sabia (ainda).

Portanto, o conceito de eternidade digital (que parece ser atraente para tanta gente) traz invariavelmente consigo a exigência de você deixar de pertencer a você mesma. As várias empresas que mantêm sites dessa natureza recolhem (e passam a ter a propriedade de) uma quantidade absolutamente fenomenal de informações, que podem usar da forma como melhor lhes convém: para personalizar o marketing que mostram cada vez que você se conecta, para vender essas informações a outras empresas de marketing ou mala direta, ou eventualmente até para alimentar bancos de dados de autarquias como o imposto de renda, por exemplo (ah, você pensou que mostrar aquela foto do barco novo no lago de Brasília ia passar despercebida, né...)

Enfim, o falecido que lhe foi sugerido como contacto pode ter sido desconcertante, mas ele é o que menos problemas tem com isso, certamente. Nós, os viventes que nos sentimos tão atraídos por essa eternidade digital, é que temos que nos cuidar. Esta sua reflexão, além de ser muito atual, devia servir de alerta.

Chris disse...

Uma curta nota de rodapé: O assunto da morte na dimensão virtual já foi bem discutido:
- http://blog.facebook.com/blog.php?post=163091042130 (diretamente da central livro-cara)
http://allfacebook.com/death-on-facebook_b18311 (um infográfico interessante, porém relativamente desatualizado)

Beijos do sobrinho alpino!

Anônimo disse...

Vixe! Assinado: Júnia

Anônimo disse...

QUE ALERTA ! PUXA VIDA ! Ainda bem que até hoje não aceitei convites de "amigos" para tais sites.Minha vida, presente e futura, não deve ter qualquer interesse para os donos de informações.Só interessa a mim, a minha família e ao meu ponto de vista religioso.
Parabéns por tocar em assunto aparentemente tão banal (fazer "amigos mais do que ocultos) mas de suma importância e que vem sendo debatido desde que o mundo é mundo.
Foi muita coragem literária de sua parte,o que, aliás, é traço marcante de sua personalidade.

Mil beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Entre outras situações, agora entendo porque o livro das caras nunca me atraiu: da eternidade só quero as sensações espirituais que me aguardam! Márcia Ester

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