O governo vai leiloar o maior campo de petróleo do País, quase tão grande quanto nossas reservas atuais. Mas, se quisesse, poderia entregá-lo a quem o descobriu: a Petrobras
por
Armando Sartori, da revista
Retrato do Brasil (julho de 2013)*
Em outubro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) pretende leiloar o campo de Libra, o maior já descoberto no Brasil e um dos maiores na recente história mundial. A estimativa é de que em Libra exista petróleo recuperável – isto é, que pode ser extraído dentro dos parâmetros econômicos de custo e preço vigentes – em volume equivalente a entre 8 e 12 bilhões de barris. Mas há quem aposte em até 15 bilhões. Se essa marca mais alta se confirmar, isso significa que somente esse campo, situado na área do pré-sal, praticamente igualará as atuais reservas provadas brasileiras, avaliadas em 15,7 bilhões de barris.
O leilão de Libra é o primeiro a ser realizado para a exploração e produção de petróleo no pré-sal desde meados de 2006, quando se deu a descoberta de óleo nessa província – denominação dada a um conjunto de campos petrolíferos existentes numa determinada região. Num primeiro momento, a ANP informou que o leilão pioneiro seria feito em novembro. No final de maio, entretanto, a agência anunciou a mudança da data e definiu que somente Libra seria licitado.
A alteração do calendário foi apresentada como consequência de uma reavaliação das possibilidades do gigantesco campo. Foi a Petrobras que, em 2010, achou petróleo em Libra. Na ocasião, a estimativa divulgada pela ANP era que Libra teria entre perto de 3,7 bilhões e 15 bilhões de barris de petróleo recuperável. Em abril passado, Magda Chambriard, diretora da agência, baseada em novos dados, disse que Libra teria uma reserva de 18 bilhões de barris in situ – denominação dada ao volume total de petróleo ou gás de um campo –, dos quais seriam recuperáveis entre 4 e 5 bilhões de barris.
Um mês mais tarde, eufórica, ela anunciou, com base em novas informações obtidas com a utilização de sísmica 3D e a perfuração de um novo poço, que Libra deve ter o dobro da estimativa anterior, superando o campo de Lula, o maior até agora descoberto no pré-sal. “É muito grande, muito maior do que tínhamos na mão até agora”, disse a engenheira, ex-funcionária da Petrobras. Segundo Magda, “todos” – referindo-se a ela e aos demais participantes de uma reunião com a presidente da República, Dilma Rousseff, durante a qual foi decidido que somente Libra seria leiloado e que a licitação seria antecipada – ficaram “deslumbrados” com as boas-novas. “Nossa percepção é que vamos atrair todas as grandes empresas de petróleo do mundo, independentemente de ser estatal ou não. É coisa para gente grande.” Do encontro com Dilma participaram também os ministros de Minas e Energia, Edison Lobão, e da Fazenda, Guido Mantega.
A euforia de Magda foi tão grande que ela chegou a declarar que o leilão seria realizado em Brasília em vez de no Rio de Janeiro, onde fica a ANP, cidade que tradicionalmente abriga esses eventos. O motivo da transferência seria facilitar a presença da presidente Dilma para marcar simbolicamente o acontecimento. Dias depois, no entanto, Helder Queiroz, diretor da agência, esclareceu que o leilão será realizado mesmo no Rio, um local considerado “melhor do ponto de vista logístico”.
Magda parece ter razão em relação às expectativas das petroleiras. Segundo João Carlos de Luca, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Biocombustíveis (IBP), o setor esperava mais blocos na primeira licitação do pré-sal, mas Libra foi considerado “um bom começo”, pois parece ser um campo “extraordinário”. O IBP é uma entidade voltada para a promoção do “desenvolvimento do setor nacional de petróleo, gás e biocombustíveis”. “Nacional”, no caso, é um termo cujo emprego foi bastante flexibilizado, já que, dos seis membros da diretoria executiva do instituto, três representam empresas de capital estrangeiro. O próprio Luca, que atualmente preside a Barra Energia do Brasil, companhia associada com fundos financeiros internacionais, dirigiu por 11 anos a Repsol YPF Brasil, subsidiária do grupo espanhol Repsol.
Dennis Palluat, presidente da petroleira francesa Total, também se mostrou satisfeito. Ele disse que o volume do campo é suficiente para atrair petroleiras de todo o mundo, uma vez que não se trata de uma área com risco de exploração, mas sim para o desenvolvimento do campo, onde já se sabe que haverá petróleo.
Para compreender melhor o significado da avaliação de Palluat, é preciso entender que “explorar”, no jargão do setor, significa pesquisar, isto é, furar poços experimentais, a partir de hipóteses levantadas por geólogos quanto à localização do petróleo. Nessa atividade, é considerado um bom resultado quando, a cada dez poços, um obtém sucesso. E “desenvolver” significa, após a descoberta do petróleo, furar poços para delimitar o tamanho do campo e que, se considerados comerciais, se transformam em produtores. Enquanto isso, podem ser realizados teste de longa duração no poço descobridor, a partir do qual é possível estimar com mais precisão as reais potencialidades da área para a extração comercial do óleo. Assim, o que o presidente da petroleira francesa quis dizer é que, graças à Petrobras, descobridora de Libra, quem ganhar a licitação para extrair petróleo no supercampo começará o trabalho em fase adiantada, o que significa uma imensa economia, já que, em média, no pré-sal, um poço custa em torno de 70 milhões de dólares.
A descoberta do Pré-Sal
A descoberta da Petrobras ocorreu em maio de 2010, mais ou menos ao mesmo tempo em que a estatal brasileira descobria óleo também no vizinho campo de Franco. O primeiro poço em que foi encontrado óleo em Libra fica a 183 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. O petróleo apareceu sob 2 mil metros de água além de outros 5 mil metros de camadas de areia, rocha e sal. Libra e Franco ficam nas proximidades do campo de Iara, onde foi descoberto petróleo há mais tempo. Os três campos situam-se na bacia sedimentar marítima de Santos, a qual, juntamente com a de Campos, compõe a província do pré-sal, que se estende por 800 quilômetros entre o litoral dos estados de Santa Catarina e do Espírito Santo.
Desde 2007, a Petrobras achou petróleo no pré-sal em campos com reservas em diferentes estágios de comprovação, atingindo mais de 50 bilhões de barris. Além de Libra, destacam-se: Carioca (10 bilhões), Franco (9 bilhões), Lula (9 bilhões), Parque das Baleias (5 bilhões), Iara (4 bilhões) e Sapinhoá (2) bilhões. Foram perfurados 25 poços, todos bem-sucedidos, o que revela, por um lado, a enorme competência da estatal para atuar na área e, por outro, o extraordinário potencial da província.
O leilão de Libra vai suceder a 11ª rodada de licitações promovidas pela ANP, realizada em maio, a primeira após cinco anos. O longo intervalo se deveu, em boa parte, à descoberta do petróleo no pré-sal, a qual exigiu uma revisão do chamado marco regulatório do setor de petróleo e gás. No mesmo ano em que se encontrou petróleo no pré-sal, já durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi realizado um leilão com base na legislação introduzida durante o governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso, o que provocou protestos já àquela altura.
Até o início do governo FHC prevalecia o monopólio estatal do petróleo e a designação da Petrobras como agente de sua pesquisa e extração, princípios que foram introduzidos pela Lei 2004, de 1953, e ratificados na Constituição de 1988. A constitucionalização desses princípios marcou o auge da campanha que, em meados do século passado, levou à criação da estatal e à nacionalização do petróleo. Menos de uma década após a promulgação da nova Carta, no entanto, tanto o monopólio da União quanto o papel da estatal foram seriamente abalados com as mudanças introduzidas pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 9, de 1995, e pela Lei 9478 (conhecida como Lei do Petróleo), de 1997. A PEC 9 retirou da Petrobras a atribuição de operadora única em matéria de petróleo e gás, e a Lei do Petróleo criou a ANP como agência reguladora das atividades do setor, diante da qual a Petrobras passou a ser tratada como qualquer outra empresa, de capital nacional ou estrangeiro, estatal ou privada. A lei também define, em seu artigo 26, que 100% do petróleo é de quem produz – o que contradiz a Constituição –, enquanto a União recebe um percentual em dinheiro. A ANP começou, então, a organizar rodadas de licitação para definir as empresas com direito a atuar na pesquisa e extração de petróleo e gás.
De início, foi realizada uma “rodada zero”, isto é, foi destinado à Petrobras, sem licitação, um conjunto de blocos para exploração. Nas rodadas seguintes, blocos foram licitados sob o regime de concessão. Por esse regime, o critério básico para definir o vencedor das licitações passou a ser o bônus de assinatura, isto é, a quantia oferecida por empresas ou consórcios de empresas para obter o direito de atuar em cada bloco. À União, que a Constituição define como proprietária do petróleo e do gás, além do bônus, passou a ser pago 10% do valor do produto extraído, como royalty, e, nos casos dos blocos muito produtivos, algo a mais, a título de “participação especial”.
Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), que trabalhou 24 anos na estatal, é quem conta essa história. Num final de tarde em meados do mês passado, ele recebeu Retrato do Brasil na sede da entidade, no 14º andar de um edifício no centro do Rio de Janeiro, não muito distante da Petrobras. Numa pequena sala – que funciona também como estúdio de gravação de vídeos produzidos pela Aepet para divulgar seus pontos de vista – ele falou por cerca de duas horas sobre a trajetória da legislação que regulamenta o setor petroleiro e, especificamente, sobre o leilão de Libra.
Ao lado da PEC 9 e da Lei do Petróleo, Siqueira cita outras quatro mudanças, realizadas pelo governo FHC, que foram de grande importância para liberalizar a ordem econômica e “destruir a soberania brasileira”. Uma foi a eliminação da diferença entre empresa de capital nacional e de capital estrangeiro. “Como o capital estrangeiro só podia explorar o subsolo por meio de empresas em que tivesse no máximo 49% de participação, essa mudança escancarou a exploração das riquezas do subsolo brasileiro às empresas estrangeiras.” Ele ressalta também a privatização da Vale do Rio Doce, a grande estatal brasileira de exploração de minério, uma das joias da coroa das estatais, ao lado da Petrobras. “Ela foi vendida por 3 bilhões de reais e valia cerca de 200 bilhões de dólares”, diz.
FHC também abriu aos estrangeiros a navegação de cabotagem, que era monopólio da União. “Para se ter uma ideia do que isso significa”, diz Siqueira, “nos EUA essa navegação só é feita por embarcações americanas com tripulações formadas por americanos natos.” Assim, conclui ele, abriu-se a possibilidade de empresas estrangeiras explorarem o subsolo e a navegação nos rios – para escoar as riquezas do subsolo. Ocorreram também as quebras dos monopólios das telecomunicações e do gás canalizado. A partir dessa última, destaca o diretor da Aepet, a Petrobras financiou as multinacionais na construção do gasoduto Brasil–Bolívia.
“Nós havíamos conseguido, com a ajuda de Barbosa Lima Sobrinho, levar o monopólio do petróleo ao nível constitucional”, explica. “Isso ficou registrado no artigo 177 da Constituição”. Siqueira diz que a legislação que alterou o monopólio estatal é cheia de contradições: “A Lei 9478 afirma, em seu artigo 3º, que as jazidas de petróleo pertencem à União. No artigo 4º, reproduz o conteúdo do artigo 177 da Constituição. E, no artigo 21, diz que os direitos de exploração pertencem à União. Mas, no artigo 26, a Lei 9478 afirma que quem produzir é dono do petróleo, de 100%. É uma lei ordinária em todos os sentidos”, diz o dirigente da Aepet.
Referindo-se à remuneração média obtida pela União com as concessões, de no máximo 20% (10% de royalty e 10% de participação na produção) sobre o valor do óleo extraído, ele lembra que os países exportadores de petróleo ficam, em média, com 80% do volume produzido. É preciso notar que, num caso, o das concessões, a União fica com o equivalente a 10%, em dinheiro, do petróleo extraído e, no outro, os países exportadores de petróleo ficam com 80% do próprio produto. “Quem fica com o petróleo controla um poder geopolítico enorme, além de poder exportá-lo. Quem fica com o dinheiro perde esse poder de barganha internacional”, diz o engenheiro.
A alegação do governo da época era a necessidade da vinda de capital externo para produzir. Isso porque a atividade petrolífera em águas profundas, a nova fronteira em exploração, tinha risco e custo muito altos. “Mas a Petrobras tinha estudos de mais de 30 anos que apontavam para a possibilidade da existência de petróleo na camada pré-sal”, diz Siqueira. “E ao confirmar suas previsões, os riscos foram eliminados”.
O engenheiro, que trabalhou na área de produção da Petrobras, é contrário à realização de leilões, particularmente no caso de Libra. A razão é simples: o petróleo já está descoberto, não há mais risco, como concluiu Palluat, presidente da petroleira francesa Total. A oposição de Siqueira ao leilão mantém-se mesmo levando-se em consideração a mudança legal promovida durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a qual introduziu os contratos de partilha para as áreas do pré-sal. Ele argumenta que as descobertas da Petrobras na área do pré-sal empurraram o horizonte de autossuficiência do País de cerca de dez anos – estipulado a partir da reserva de 15,7 bilhões de barris – para mais de 60 anos. “Para que leilão? E logo, o do maior campo brasileiro?”
Em 2009, Lula enviou ao Congresso quatro projetos de lei, feitos a partir de estudos promovidos por uma equipe interministerial. No ano seguinte, três desses textos foram aprovados e sancionados e um – que regula a distribuição dos royalties entre os entes da federação – transformou-se em lei apenas neste ano. Entre os demais, um definiu a Petrobras como a operadora exclusiva na área do pré-sal, outro criou a Pré-sal Petróleo, empresa estatal encarregada especificamente de administrar as atividades de produção na área, e o terceiro introduziu os contratos de partilha nas atividades de exploração e extração do óleo no pré-sal.
Por essa nova modalidade, a União retoma a propriedade do petróleo e deixa de ser remunerada apenas em dinheiro pelas empresas ou consórcios vencedores das licitações. No leilão de Libra, esse novo modelo será colocado em prática pela primeira vez. Na licitação baseada em contratos de partilha, o critério principal para decidir quem levará Libra será o da entrega da maior parte do petróleo extraído à União. A coisa funcionará assim: subtraídos os custos de produção – pelos quais o explorador será ressarcido –, o concorrente que oferecer a maior participação à União ganha o leilão.
Diferentemente da concessão, a partilha permite que o governo controle o destino do petróleo extraído: a parte da União deve ser paga em petróleo a referente aos royalties pode ser paga em petróleo ou em dinheiro. Dessa forma, o governo pode ficar com boa parte da produção em petróleo, o que lhe permitiria ditar a forma e o ritmo da utilização da matéria-prima. O produtor fica com parte do óleo e o ressarcimento dos seus custos de produção, que é feito também em petróleo.
Contrários ao leilão de Libra
Apesar dessa alteração significativa, há, como Siqueira, bastante gente contra o leilão de Libra. Entre esses opositores está Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Em artigo publicado no final de maio no site Correio da Cidadania, ele afirma que os únicos casos anteriores que conhece em que países “entregaram quantidades conhecidas de petróleo no subsolo a empresas privadas” ocorreram no Irã, em 1953, e no Iraque, recentemente. No primeiro caso, foi preciso um golpe de Estado – articulado com a CIA – para derrubar o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, que havia nacionalizado o petróleo em 1951. No segundo, a invasão do Iraque pelos EUA e aliados em 2003, sob o falso pretexto de que o regime comandado por Saddam Hussein possuía armas químicas, o que levou à entrega dos campos petrolíferos a empresas americanas e britânicas. No geral, diz Metri, quando Estados nacionais não têm o monopólio sobre o petróleo, leiloam áreas para as empresas pesquisarem e, se o encontrarem, produzirem. Isso ocorre, por exemplo, nos EUA, no Reino Unido e na Noruega. De acordo com o engenheiro, o governo Dilma está inovando, por pretender licitar não uma área inexplorada, em que haveria risco de o petróleo não ser encontrado, mas um campo onde já ficou estabelecida a estimativa de uma reserva imensa.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) é outra entidade que, ao lado da Aepet, se coloca contra a realização de leilões. A entidade decidiu convocar mobilizações a serem realizadas entre meados deste mês e o início de setembro. A FUP quer retomar a luta em defesa do projeto de lei do Senado 531/2009, o qual restabelece o monopólio estatal do petróleo e do gás e propõe que a Petrobras torne-se “100% estatal e pública”, isto é, seja transformada em órgão da administração federal indireta, vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Portanto, essa nova Petrobras substituiria a atual, que é uma empresa de capital aberto, controlada pela União, cujas ações – em sua maioria, nas mãos de acionistas privados – são negociadas em bolsas de valores aqui e no exterior.
Siqueira, Metri e a FUP lembram que a nova legislação em vigor permite que a União celebre o contrato para exploração de Libra diretamente com a Petrobras, sem necessidade de licitação. Essa possibilidade está na Lei 12351, a qual, em seu artigo 12, diz que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) “proporá ao presidente da República os casos em que, visando à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética, a Petrobras será contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção”.
O CNPE, presidido pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi quem autorizou, em maio, a ANP a realizar o leilão de Libra, oficialmente denominado “primeira rodada de licitação sob o regime de partilha de produção na área do pré-sal”. Ora, se cabe ao CNPE decidir e se o conselho é presidido pelo ministro Lobão, que ocupa um cargo por nomeação da presidente Dilma, a conclusão lógica é que é ela, em última instância, a responsável por tal decisão. Se não concordasse, no limite, Dilma demitiria Lobão e colocaria em seu lugar uma pessoa com ideias mais afinadas com as dela a respeito do assunto.
Por que motivo Libra foi colocado sob leilão? Quais as razões da pressa evidenciada pelo governo? Uma seria o fato de que muitas companhias estrangeiras encerram seus planos de investimento em novembro. Antecipando o leilão para outubro, o governo não correria o risco de essas empresas não poderem mais alterar seus orçamentos para investir no pré-sal imediatamente. Outra, como avalia o site Brasil 247, tem a ver com o fato de que, promovendo o leilão de Libra, o governo pode reduzir as pressões vindas dos setores mais conservadores, que consideram a administração da presidente Dilma muito intervencionista. A nona rodada de licitações, realizada em maio pela ANP, que apurou 2,8 bilhões de reais com as concessões de 270 blocos de exploração, pode ter ajudado nesse sentido, mas, obviamente, ficará muito distante da licitação de Libra, para a qual se estima a participação de 60 companhias nacionais e estrangeiras, inclusive as maiores do mundo.
A esses supostos motivos pode juntar-se outro: o leilão pode ser realizado principalmente para arrecadar recursos de forma a ajudar a fechar as contas externas do País e o orçamento fiscal da União. Isso seria possível porque, no leilão, será estipulado um “bônus de assinatura”, o qual, estima-se, fique entre 10 bilhões e 20 bilhões de reais, a serem pagos pelo vencedor da licitação. Esse bônus não se enquadra entre os itens decisórios da licitação (o principal é o que define o montante de petróleo a ser entregue à União) e será pago, no mesmo montante, por qualquer que seja o vencedor.
Artigo publicado pelo diário
Valor Econômico no início do mês passado afirma que o valor obtido com o bônus de assinatura de Libra será utilizado para cumprir a estimativa de superávit primário. O jornal cita recente relatório divulgado pelo Itaú BBA, o qual avalia que o governo deve fixar o bônus entre 10 bilhões e 20 bilhões de reais (“fontes oficiais”, mencionadas pelo diário, informam que o valor da receita do pré-sal deste ano poderá ficar “entre 15 bilhões e 20 bilhões de reais”).
Na proposta orçamentária da União de 2013, enviada ao Congresso em meados de 2012, a receita estimada com todas as formas de concessão feitas pela União foi de 3,3 bilhões de reais. No decreto de contingenciamento editado no final de maio, essa receita subiu para 15,6 bilhões de reais. O ministro Mantega reconheceu ao jornal que parte desse dinheiro era proveniente do pré-sal. Com a antecipação do leilão, haverá tempo para que o pagamento seja feito até dezembro, o que permitirá incluí-lo nas receitas deste ano. O superávit primário do governo central está previsto em 63,1 bilhões de reais – já com um desconto de 45 bilhões de reais correspondentes aos investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e às desonerações tributárias. O corte de despesas orçamentárias feito pelo governo em maio chegou a 28 bilhões de reais, diz o jornal, e teria sido maior sem a receita estimada do bônus do pré-sal.
No campo das finanças externas, o dinheiro também é bem-vindo. Como a participação de empresas estrangeiras deve ser muito alta no leilão de Libra, à medida que elas, individualmente ou por meio de consórcio, ganhem a licitação, terão que pagar o bônus. Como, possivelmente, não contam com os bilhões de reais necessários já internalizados no País, terão que trazer dólares do exterior. Ao chegar, esses recursos serão transformados em reais e, a seguir, repassados à União para o pagamento do bônus. Ao mesmo tempo, os dólares ficarão à disposição do Banco Central (BC) para serem utilizados.
Pelas contas do próprio BC, percebe-se que eles são necessários. Na apresentação da situação do balanço de pagamentos em maio, a autoridade monetária brasileira informou que a conta de transações correntes teve um déficit acumulado nos 12 meses anteriores de 73 bilhões de dólares, equivalente a 3,2% do PIB, índice que, na avaliação dos investidores internacionais, está perigosamente próximo do sinal de alerta. A situação, no entanto, pode piorar mais ainda até o final deste ano.
A possibilidade de que, entre outras razões, o governo realize o leilão de Libra para fechar suas contas deste ano é algo que Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE–USP), avalia como a prática de uma política “pequena”. Sauer – que foi diretor da Petrobras entre 2003 e 2007 – também é contrário à realização dos leilões da área do pré-sal de forma geral, nos moldes das críticas feitas por Siqueira e Metri. Além disso, lembra que a Petrobras pode acabar se transformando numa mera empreiteira de empresas estrangeiras, sem que a tecnologia que acumulou ao longo de décadas seja devidamente valorizada. A razão é que o novo marco regulatório estabelece que, na região do pré-sal, a estatal obrigatoriamente será a operadora, qualquer que seja o vencedor da licitação. “Querem proletarizar a Petrobras”, diz Sauer. E mais: como a companhia terá que ter, no mínimo, 30% de participação em cada consórcio vencedor, isso significa aportar pelo menos 30% dos investimentos, quer concorde ou não com a aquisição de uma determinada área para exploração.
Esses aspectos, que seriam, à primeira vista, positivos para o País, podem ter efeito perverso sobre a estatal. Por um lado, dependendo do ritmo de exploração, podem levar a empresa a obrigatoriamente dispor de recursos para investimento que ela teria dificuldade em levantar, o que pode ser tanto pior quanto maior for a participação da empresa nos consórcios.
Sauer, que propôs que o governo realizasse, por meio da Petrobras, um amplo levantamento das possibilidades do pré-sal, para definir com mais precisão seu volume de petróleo e a partir daí estabelecer um ritmo de extração do óleo sincronizado com um plano de desenvolvimento nacional (ver RB nº 28, novembro de 2009), avalia que, mesmo que fosse para fechar as contas do próximo fim de ano, haveria alternativas melhores do que a do leilão de Libra. Seria possível, diz ele, entregar o campo à Petrobras, como a lei permite, e fechar um acordo com a China, que pagaria em dólar e receberia petróleo, com desconto em relação ao preço médio do mercado internacional. Do ponto de vista financeiro, os efeitos seriam os mesmos. E a Petrobras sairia valorizada com o acordo.
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Os planos da Petrobras
A estatal planejou investir 224 bilhões de dólares até o fim do próximo ano
A Petrobras fez um plano para investir, entre 2010 e o fim do ano que vem, 224 bilhões de dólares, dos quais 212 bilhões em projetos no Brasil (desse total, 124 bilhões seriam utilizados na contratação de fornecedores brasileiros). A parte do investimento reservada para os poços da camada pré-sal foi estabelecida em 33 bilhões de dólares.
Para atender a esse objetivo, em setembro de 2010 a empresa captou 120 bilhões de reais numa operação de oferta de ações destinada à sua capitalização. Desse total, a União – detentora da maioria das ações ordinárias da companhia, o que lhe dá o controle acionário – entrou com cerca de 75 bilhões de reais.
Na ocasião, o governo concedeu à estatal uma cessão onerosa – forma introduzida pelo novo marco regulatório – que deu à empresa o direito de atuar, pelo prazo de 40 anos, em 6 blocos do pré-sal, que deveriam conter reservas de 5 bilhões de barris. A Petrobras pagou 74,8 bilhões de reais (14,96 reais, em média, por barril, o equivalente, na época, a 8,51 dólares).
Na capitalização, a União pagou as ações com títulos da dívida pública federal. Com esses papéis, a Petrobras pagou pela cessão onerosa. Os títulos, que retornaram à União, foram cancelados.
A estatal estabeleceu como meta aumentar a produção diária de petróleo e gás para 3,9 milhões de barris de óleo equivalente (boe) até 2014, elevando em mais de 50% sua produção em relação a 2010.
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*Armando Sartori, jornalista e editor da revista
Retrato do Brasil. O texto foi publicado na edição 72, julho de 2013. A revista é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. Todo mês, o NR vai publicar um texto da publicação, que pode ser adquirida na internet:
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