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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Roda mundo roda moinho


por Júnia Puglia    ilustração Fernando Vianna*

E ele fez setenta anos na semana passada, celebrado e paparicado. Na minha opinião, sempre menos do que merece, pela vertiginosa quantidade de maravilhas que já produziu, em palavras e notas, desde a mais delicada filigrana até os gritos de dor e impotência diante das inesgotáveis complicações da vida.

Deparei-me com uma daquelas comemorações contábeis, em que alguém fez uma lista das dez canções de Chico Buarque que considera mais bonitas. Já não gostei da proposta, pois eu aqui posso citar umas quarenta e cinco, de carreirinha, sem piscar. Mas fui ver a tal lista, para constatar que seu autor e eu nada temos em comum, exceto a tietagem do Chico. Espremeu tanto para tirar dez, deixando de fora “Beatriz”, “Todo o sentimento” e “Roda viva”, por exemplo. Deve ter sido escolha de computador. Mas é que são tantas, tantas, que posso entender a enorme dificuldade da tarefa.

Comecei a me interessar pela MPB lá pelos quinze anos. Antes disso, só curtia Jovem Guarda. Um belo dia, sem aviso prévio, aquelas canções ingênuas ou açucaradas sobre carros, namoradinhas e beijos no cinema perderam o sentido. Foi como amanhecer um dia com febre, uma enorme vontade de mergulhar na música que eu entreouvia aqui e ali, que era de outro jeito, falava de outras coisas. “Roda viva” já era um grande sucesso, fui ler a letra, aprender a cantar junto. Senti-me muito mais inteligente e adulta do que na véspera.

Tantas coisas cabem numa canção, bendito clichê, ainda mais quando saída de neurônios e sentimentos capazes de ler e traduzir a experiência humana. O tempo rodando as voltas do coração naqueles dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu. O mundo cresceu ou foi a gente que estancou? Remamos contra a corrente até não poder resistir, e quando o barco faz a volta sentimos o quanto faltou cumprir. A gente toma a iniciativa, sai cantando pela rua de viola em punho, mas é tudo ilusão passageira, levada pela primeira brisa. O concreto mesmo é a roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião. Parece que estamos sempre atrasados? É ilusão.

* * * * * * 

 Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

5 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Em um período onde prevalece a imposição cultural estrangeira, contrabalançada por um "nada" explícito, sem sentido ou significado, chamado de música, é muito bom lembrar que já houve tempo em que a MPB se impunha no mundo. Hoje, deixo de ouvir música nas rádio por não encontrar identidade com o que me impõem. Obrigado por me lembrar que existe uma geração imortal. Abraços, Carlos.

Anônimo disse...

Roda,roda, mundo meu.Vai girando, levando aos quatro cantos da imensidão o som suave e firme do grande Chico. Júnia, um primor de observações! Excelente. Chico merece e você, com sua palavra mágica, soube prestar serena e merecida homenagem a quem é devida
Fernando, obrigada. Deixa o mundo girar, continuar girando em sua trajetória infinita , mesmo estando "preso" a sua pena preciosa.
Bjs da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Emocionei. Não dá para escolher nenhuma. Todas as músicas são lindas e atendem a episódios diferentes das nossas vidas. Márcia Ester

Anônimo disse...

Ao ler esse texto só tenho a dizer: JÚNIA EM ESTADO DE GRAÇA!
Terê

Anônimo disse...

Confesso que também é uma das minhas favoritas do Chico... Atemporal...
Beijos, Martina.

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