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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Desafinando o coro dos contentes

1964 + 50
Histórias de pessoas de carne e osso - e também de personagens de papel - que viveram na roda viva da ditadura militar. Novos episódios toda quinta-feira.

 (Episódio 15)


por Fernanda Pompeu    ilustração Fernando Carvall

A frase do título é verso de Torquato Neto (1944-1972). Aquele que, em sua brevíssima vida, desafinou mesmices do redigir. O cara experimentou para valer e pôs a alma para fora. Salve, menino Torquato! O craque da máquina de escrever.

Foi pensando no poeta e letrista piauense que me recordei do carioca Carlos Lamarca (1937-1971). Não que os dois (que eu saiba) tivessem afinidades ideológicas. De certo, o primeiro estaria mais para o caos do que para a sonhada nova ordem do segundo. Mas o que os aproxima, na minha memória, é justamente o desejo - transformado em ação - de desafinar o status quo.

Lamarca, capitão do Exército, poderia ter vivido numa boa no Brasil comandando por seus colegas de farda. No entanto por não concordar com a ditadura, nem com o capitalismo, tramou um assalto de armamentos no quartel de Quitaúna, Osasco, São Paulo. E entrou em cheio na clandestinidade e na luta armada.

Parece evidente que a semelhança entre os dois acaba por aqui. Será? Lamarca optou pelas armas como forma de derrotar os ditadores e entrar para a História. Torquato optou por se matar como forma de pular fora da História. No seu bilhete de suicida, ele escreveu: "Para mim chega!"

O fim dois se deu sob o chumbo da mesma época. O líder guerrilheiro foi assassinado por militares em Brotas de Macaúbas, interior da Bahia, em 1971. Um ano depois, no Rio de Janeiro, Torquato Neto acendeu o gás no banheiro de sua casa.

Lembro bem do começo dos anos 1970. Adolescente, regava mil sonhos, entre eles, o da liberdade de expressão e manifestação. Tudo o que então eu sabia sobre regimes democráticos era narrado pelo meu pai, militante do Partidão e louco pelo socialismo.

Se alguém perguntar se guardo boas recordações dessa época, direi que sim e que não. A parte negativa é óbvia, pois foi horrível ser jovem debaixo da repressão a ideias e informações. A parte positiva era a crença cega de que haveria um futuro mais bonito e mais desafinado.

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Fernanda Pompeu é escritora e redatora. Fernando Carvall é o homem da arte.

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