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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

Tá certo, mas nem tanto

Tá certo! Concordo que o bicho tá pegando no Planalto Central, que é muito estranho esse tal Marcos Valério fazer tantas negociatas escusas com o PT e, ao mesmo tempo, estar intrincado com outros partidos do tipo PSDB. Seria lobista esse Marcos Valério? Concordo que o José Dirceu esteja com a corda no pescoço, que o ex-secretário do PT, Silvio Pereira, cagou ao aceitar o Land Rover, modelo Defender, lindo carro, dos meus mais distantes objetos de desejo. E o Delúbio Soares, seria o tesoureiro do PT mesmo? Cá pra nós, o seu depoimento na CPMI foi dos mais covardes da história desse país. Não respondeu nada, ria, e ponto final. E o Roberto Jefferson do "mensalão"? Acusado de participar de um esquema de corrupção nos Correios virou herói, um "Macunaíma" às avessas - até no programa do Jô Soares esteve, celebrado como se nenhum erro tivesse cometido, aplaudido, cantou e a platéia ficou triste no final: "ahhhhh". O ladrão das vielas, becos e periferias não têm perdão. O ladrão engravatado tem; fala bem, engana, faz rir, afinal, a tragicomédia brasileira é isso mesmo, pizza pra todo mundo.
A reação em cadeia não termina aí. De uma denúncia surge outra, outra e outra. Aí apareceu a ex-secretária de Marcos Valério, Fernanda Karina, fez lá seu papel e virou celebridade. Diz querer 2 milhões para posar nua na Playboy, que desmentiu a história e pra não ficar chupando dedo Fernanda garantiu umas poses estranhas na Revista da Folha do dia 31 de julho. Silvio Lach, em artigo publicado no Jornal do Brasil é que tem a razão: "Isso é uma inversão de valores. Não é a revista que tem que gozar com a gente é a gente que tem que gozar com a revista".
A panela fervendo foi escaldando um a um - Dirceu, Delúbio, Silvio Pereira, Genoino, Waldemar Costa Neto e afins como o homem da cueca dos 100 mil dólares, curiosamente assessor do irmão do ex-presidente do PT, José Genoino.
Tá certo! A história é cabeluda. Corrupção parece ter. Nesse ponto, todos, dos mais céticos e ferrenhos petistas ao mais direitista e reacionário, concordam. Sem ingenuidades se sabe que esse tema é crônico. Bem sabe o leitor que a quantidade de informações que a mídia grande nos faz engolir é absurdamente impossível de assimilar. Teríamos que ficar 24 horas por dia assistindo televisão, lendo os jornais, plugados na grande rede e ainda assim não seria o suficiente. Se não dá, nos resta formar opinião com o pouco que conseguimos ler e assistir. Agora, nesse vendaval algumas coisas são intrigantes: o posicionamento da mídia e o comportamento de alguns políticos.
A grande mídia age de forma assustadoramente parcial. Jornais como o Estadão, Folha de S. Paulo e revistas como a Veja são, de longe, anti-Lula e denuncistas baratas. Ter posição não é ruim, o ruim é ter posição velada e usar do denuncismo maldoso, sem apuração, manchetando primeiras páginas como se fosse o supra-sumo. Como fez a revista Veja que colocou declaração de José Dirceu sem ouvi-lo. Estranhamente nada que se refira ao ministro da Fazenda, Antonio Palloci, é publicado. Parece claro - veja bem, parece - que ele é preservado por seguir o modelo que tanto interessa às elites brasileiras.
Tá certo! É estranho afirmarem que o Lula não sabe de nada. Agora, o mais sacana é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso posar de santinho. Ele privatizou o país! Entregou de bandeja uma das maiores mineradoras do mundo - a Vale do Rio Doce, só pra citar um dos casos. E os deputados do PFL na televisão? Jorge Bornhausen e o vice-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, pagando de éticos, dizendo que "é o pior estado de corrupção que o país já viveu". Quem era o vice-presidente no governo FHC? Não era do PFL? E o ACM não é do PFL? Quem não lembra do escândalo do Painel do Senado?
Concatenar as idéias é algo complicado, caro leitor, por isso, a atenção deve ser total, pois nessas horas de crise os corvos aparecem aos montes. Discernir entre uma notícia e outra, uma manchete e outra, uma declaração e outra é exercício mental árduo. O fato é: não acreditem em tudo o que lêem. Não julguem antes de obter informações detalhadas e, se possível, comprovadas. A imprensa tem o poder de moldar a opinião pública, tem o poder de derrubar presidentes, entronizar ou decapitar o moral de pessoas.
Um adendo: na última Festa Literária Internacional de Parati (Flip), numa mesa-redonda composta pelo rapper carioca MV Bill, pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e pelo cronista Arnaldo Jabor se deu um exemplo de como é o pensamento das elites. Figura conhecida no país, famoso, respeitado e formador de opinião, Jabor declarou à platéia que o vaiava após ter elogiado o período FHC: "Vocês são uns ignorantes. Vão estudar!". Emendou ainda sob vaias: "Se não fosse o Palocci, vocês estariam batendo panela nas ruas, com fome, que nem na Argentina".
O que pensar disso? Como pôde comparar o governo neoliberal iniciado por Carlos Menem que terminou com o panelaço na era de De La Rua com o atual cenário brasileiro? Não passar fome é o que esse país tenta há anos com inúmeros projetos sociais que nunca dão certo. É injusto ele fazer essa comparação. Sua opinião ao menos foi sincera, coisa que nunca foi diante das telas. Se todos os veículos de mídia fossem legítimos e honestos em suas posições, a história seria outra. Jabor ainda finalizou: "Mas podem vaiar, isso é bom, significa que vocês pelo menos têm opinião". É assim que pensam as elites e os donos da mídia. Não importa se privatizar o Brasil é ruim, o que importa é o jogo capitalista, de poder, de interesses pessoais, o jogo da grana mais alta, da mala mais cheia. O povão é preterido sempre, infelizmente.
Cá estou numa crise interna e folheando os jornais, vendo o noticiário, lendo o que dá e outra dúvida surgiu: por que a mídia grande não fez estardalhaço sobre a história do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, que injetou 150 milhões de reais nas contas das empresas de Marcos Valério? Não posso crer que é somente pelo fato de ele ser dos maiores anunciantes das empresas de telefonia na mídia. Seria teoria da conspiração demais, não é mesmo?

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