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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Em busca das cuecas ideais

Após um longo período de buscas e tentativas frustradas, aos trinta anos de idade, finalmente encontrei as cuecas ideais. E, antes que as leitoras se inquietem diante do assunto aparentemente fútil e desinteressante, adianto que essa não é, nem de longe, uma tarefa simples, nem sequer corriqueira.

Fosse pelo gosto feminino todos os homens usariam o mesmo tipo de cuecas: boxers pretas (cheguei a tal conclusão após uma exaustiva enquete em mesas de bar). Mas a verdade é que, do ponto de vista masculino (ao menos do meu) as boxers pretas estão longe de ser a embalagem ideal. Elas esquentam, apertam as pernas e embolam quando vestimos calças jeans. Portanto, fosse somente pelo conforto, continuaríamos eternamente apegados à boa e velha zorbinha de algodão, modelo “presente de vó”.

Como, contudo, nosso objetivo maior na passagem por este mundo é agradar as mulheres, buscamos alternativas. A que encontrei foi quase uma boxer preta. Mas por ser um pouco mais curta, não esquentava tanto nem embolava nas calças. Era de puro algodão, preta, elástico incorporado, com uma sutil lista cinza escura. Uma aparência sóbria, algo máscula, madura mas não senil e discretamente sexy (a depender do recheio, obviamente).

Comprei uma pra experimentar. E, após dois ou três turnos de test-drive, aprovei e fui aprovado pelo gosto feminino. Quinze dias depois voltei à loja e comprei logo mais três.

E por algum tempo vivi feliz e satisfeito com minhas roupas íntimas. Uma conquista e tanto, caras leitoras. Pensem na quantidade de pequenas tarefas e decisões cotidianas, como escolher cuecas. Pensem no tempo gasto com cada uma dessas semi-inutilidades. Pois então. Ao menos no quesito cuecas eu estava bem resolvido e não teria mais de me preocupar. Caminharia assim, com minhas boxers pretas um pouco mais curtas, quiçá até a derradeira velhice, quando, já despojado de qualquer vaidade, sucumbiria à samba-canção de seda.

Acontece que, após alguns meses, minhas cuecas ideais começaram a dar sinais de fadiga. Eu, obviamente, não tive dúvida. Voltei à mesma loja e fui certeiro até a parede coberta de modelos de todos os tipos, cores e tamanhos.

Mas, bastou correr a vista pelo mostruário para sentir uma pontada de angústia no peito. Não havia nenhum exemplar do meu modelo à mostra. Tudo bem, pensei comigo, devem ter se esgotado. Afinal, diante de tantos predicados, era de se esperar uma demanda acima da média. Certamente teriam peças em estoque, ou, na pior das hipóteses, mandariam buscar na fábrica.

Estava lá em pé, meio desolado, conduzindo este monólogo interno, quando um vendedor se aproximou oferecendo ajuda. – Estou procurando um modelo básico de algodão – expliquei, e verbalizei um retrato falado:

– preta um pouco mais curta do que a boxer, tem uma listrinha cinza no elástico.

O homem me encarou com ares de incompreensão. Olhou os modelos à mostra, perguntou se não era mesmo nenhum daqueles. – Não, claro que não, oras! Eu vou lá brincar com assunto tão importante, companheiro?

O homem finalmente viu que a coisa era séria e se condoeu diante da minha aflição. Foi até o computador, inseriu meu CPF e descobriu o modelo que eu havia comprado anteriormente, o modelo ideal, que havia resolvido de uma vez por todas minhas questões íntimo-estilísticas.

– Ah, essa nós paramos de fabricar – respondeu como se nada fosse.

Depois me ofereceu um modelo similar, feito de elastano, ou modal ou qualquer porcaria de tecido sintético. Imagine só, guardar partes tão importantes em um tecido que não sabemos realmente a composição e que, como quase tudo que não sabemos realmente a composição, deve ser altamente cancerígeno.

Olhei de novo para o sujeito agora cheio de raiva e indignação. Tudo bem que a profissão de vendedor de cuecas não deve ser das mais cobiçadas. Fosse vendedor de lingeries, certamente teria mais amor pela causa. Mas daí a nem sequer tomar conhecimento de que um dia, aquelas prateleiras ostentaram as cuecas ideias... Era demais pra mim.

E, novamente, me defendo das leitoras que por ventura vejam exagero ou ranhetice na minha indignação. A essas, explico que eu não me indignava apenas pelas cuecas. Me indignava porque ali estava o reflexo de todo o nosso desapreço pela memória. Do desrespeito histórico que tanto mal faz ao nosso povo e à nossa cultura. Mais um sinal do fenômeno que faz arranha-céus neoclássicos esmagarem nossas casinhas de vila, pagodes e sertanejos estupidificarem nossa música popular, fast-foods homogeneizarem nossa comida, chapinhas alisarem nossas mulatas...

Mas, que remédio. Não há como lutar contra as forças destruidoras do capital. Ou, nas palavras de Marx, tudo que é sólido desmancha no ar. Inclusive as cuecas.


Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. Ilustração de Caco Bressane, especial para o texto

Um comentário:

Paulo de Tarso Duarte disse...

Perfeito! É exatamente isto!!!

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