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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O avô da história

por fernanda pompeu*

A queixa é antiga. A base se esfola, carrega o piano, beira a exaustão. Na hora do crédito e de virar tinta impressa nos livros, a massa se evapora. Se perpetuam os cabeças, os líderes, os abastados, os poderosos.

Qual era o nome do cozinheiro que alimentou Pero Vaz de Caminha enquanto ele se divertia descrevendo o Brasil para o Rei de Portugal? Qual o nome do segurança do Zumbi de Palmares que evitou que o líder quilombola fosse capturado em várias ocasiões?

Na música, costuma-se dar crédito ao segundo violino. O cinema nacional credita inclusive os motoristas. Mas os compêndios de história e os poderes padecem de uma amnésia severa.

Grupos se reúnem, organizam fóruns, trabalham muitas vezes gratuitamente, queimam pestanas, gastam salivas, põem a cara para bater. Transformam a pequena iniciativa em uma política pública. Então lá chega o governo (de qualquer partido) e se apropria do feito.

Talvez esse hábito de ressaltar seis e esconder seiscentos seja até anterior aos portugueses - que a gente adora culpar pelo ruim em nós. Talvez tenha a ver com os caciques indígenas. Ou, diriam os céticos, seja inerente ao ser humano.

Mas será? O que vemos hoje na internet é um movimento de aparições. Uma tremenda atividade de comentar, completar, discordar. Usando uma imagem gasta - mas nem por isso fraca - parece um rio pulando do leito, tomando as margens.

Outro dia, escrevi uma crônica na qual eu citava que havia estudado no Instituto La-Fayette, no Rio. Essa escola ocupava um casarão que tinha sido uma das residências do Duque de Caxias.

Eu lamentava que o casarão tivesse vindo abaixo para dar lugar a um supermercado sem nenhuma personalidade arquitetônica. Pois um leitor comentou que não se importava. Ele contou que a casa do avô dele também tinha sido derrubada. E ninguém, além dele, havia protestado.

Isso me fez pensar que ele comparava o avô dele ao Duque de Caxias. O comentarista igualava em importância um anônimo ao general da guerra Paraguai-Brasil. Um casarão histórico à casinha do avozinho.

Porém o comentário desse leitorweb não saiu da minha cabeça. Ainda está dando voltas, indo do hemisfério esquerdo para o direito. Pergunto-me: Será que estamos na boquinha de ver surgir uma nova maneira de encarar os donos da história?

Seja o que for. Sinto um cheiro de chuva no ar. Um temporal redentor? Pois o mundo é como ele é. Mas é também como o pensamos. Toda lógica social é datada. Tudo que é datado tem prazo de validade.

*fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas.

Um comentário:

Tito Glasser disse...

Saudações Fernanda,

Creio que a nossa história é um reflexo da estória que vivemos. Sendo assim, a onde está toda a verdade da nossa pátria? Certamente após presenciarmos os restos mortais de Dom Pedro, muita coisa falta a ser esclarecida. Portanto, lá vamos nós pecadores, narradores, escribas infernais aliviando nossos temores em parágrafos.

Um grande abraço, Beijos.

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