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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Egoísmo à direita e à esquerda

por Celso Vicenzi*

Há dois tipos básicos de egoístas: o de Direita e o de Esquerda.

O egoísta de Direita não suporta a igualdade, quer sentir-se superior. É um cidadão que obteve muitos privilégios ao longo da vida, mas acha que tudo que conquistou é mérito.

O egoísta de Direita costuma dar o nome de “meritocracia” à falta de oportunidades iguais na sociedade.

Para o egoísta de Direita, quanto mais pobres, melhor. Assim, ele pode pagar menores salários, ter mão de obra farta e barata, e sentir-se vitorioso diante de quem pouco tem.

Para o egoísta de Direita, pobre não vence na vida porque é vagabundo e não quer trabalhar, embora trabalhe desde muito cedo e ajude a enriquecer muitos daqueles que mais se utilizam de sua mão de obra.

O egoísta de Direita acredita que as melhores coisas da sociedade não são para repartir entre todos, mas destinadas apenas a um grupo qualificado, a nata da sociedade.

Para o egoísta de Direita, pobre não precisa de muita instrução, afinal, quem precisa estudar muito para ocupar empregos de baixa qualificação? O egoísta de Direita acha absurdo investir meio por cento do PIB em Bolsa Família e beneficiar 50 milhões de brasileiros. Mas é favorável ao Bolsa Empresário, que abocanha generosas fatias do orçamento da União, Estados e Municípios, com isenção de impostos por vários anos na construção de indústrias, doação de terras para erguer fábricas, empréstimos a juros e taxas subsidiadas, cancelamento de dívidas que nunca são pagas, contratos superfaturados e realização de obras públicas que beneficiam empreendimentos privados – entre outras benesses muito comuns em todo o país.

O egoísta de Direita não gosta de dividir espaço com o povo. Prefere ser tratado com regalias, como se fosse um predestinado a viver em opulência. Para o egoísta de Direita, não há racismo no Brasil, o feminismo é movimento de mulheres feias e mal amadas, e o homossexualismo é uma doença que precisa ser tratada... na porrada!

O egoísta de Esquerda é diferente. É a favor dos pobres, da luta de classes. Organiza os trabalhadores contra a exploração. Sai em defesa dos mais fracos. Está presente nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos espaços políticos onde, acredita, a luta pode avançar. O egoísta de Esquerda tem fortes convicções políticas, combate o capitalismo e acredita numa sociedade sem classes.

Mas, no entanto, o egoísta de Esquerda, quando estão em jogo questões ideológicas, não costuma ser muito solidário com o povo. Quando confrontado a decidir, em momentos decisivos da história, costuma ajudar a luta dos egoístas de Direita. Prefere lavar as mãos, indiferente ao que isso poderá significar para milhões de pessoas. Prefere ficar em paz com a sua consciência.

Alguns egoístas de Esquerda, no entanto, vão além e costumam fazer um percurso de médio e longo prazo até tornarem-se autênticos egoístas de Direita. Vários intelectuais, jornalistas e, especialmente, comentaristas de veículos tradicionais da mídia, que emprestam seus conhecimentos para, sob os mais disfarçados argumentos, deter todos os avanços sociais, no passado já estiveram ao lado dos mais pobres, dos mais fracos – e alguns até militaram em partidos de Esquerda.

O egoísta de Esquerda diz que no segundo turno das eleições vai votar em branco ou nulo porque nenhuma das candidaturas aponta para avanços na sociedade. Para o egoísta de Esquerda, tanto faz Aécio ou Dilma.

Para o egoísta de Esquerda, se não for exatamente um governo do seu jeito, ele permanece insensível, mesmo consciente de que hoje há milhões de brasileiros que comem onde antes havia milhões passando fome.

Para o egoísta de Esquerda, melhorar de vida, no sistema capitalista, não tem nenhum sentido. Não importa se antes o cidadão pagava aluguel e hoje tem casa própria, se pode investir em um pouco mais de conforto ou se o filho de um trabalhador de salário mínimo agora pode sonhar com uma universidade e uma profissão em que poderá ganhar melhor e quebrar o ciclo de pobreza que se perpetuava há gerações em sua família.

Para o egoísta de Esquerda, Aécio ou Dilma, tanto faz, é tudo igual. Reconhece que as forças políticas representadas por Dilma são um pouco melhor, mas não o suficiente para contribuir com o seu voto, solidariamente, para que tantos brasileiros que deixaram a pobreza para lá não retornem tão brevemente. O egoísta de Esquerda, no seu egocentrismo, não consegue ser solidário com milhões que hoje, apesar dos pesares, podem esboçar um sorriso por ter conquistado mais dignidade.

O egoísta de Esquerda, tão politizado, estranhamente pouco se importa se haverá um governo com uma política externa mais solidária com a América Latina e países menos desenvolvidos ou outro mais atrelado com os Estados Unidos e às forças mais reacionárias do capital internacional. Para o egoísta de Esquerda, as suas convicções ideológicas são mais importantes do que as esperanças de milhões de brasileiros. Pouco interessa ao egoísta de Esquerda o quanto foi duro e difícil conseguir o pouco – que para quem nunca tinha nada representa muito – de avanço na sociedade brasileira. Porque, afinal, para os egoístas de Esquerda e de Direita, não importa o quanto a realidade concreta tenha mudado para a imensa maioria do povo brasileiro. Ambos, por razões opostas, estarão juntos para ajudar a derrotar o que foi tão difícil de conquistar. Mesmo com todos os erros, mesmo com todos os desacertos.

O egoísta de Direita, numa eventual vitória da Direita, irá comemorar muito, ao mesmo tempo em que irá destilar todo o seu ódio, preconceito, discriminação e arrogância pelos próximos anos – que podem durar muitos, muitos anos.

Já o egoísta de Esquerda, em paz com a sua consciência, voltará tranquilo para a sua residência, para o bar, para o sindicato, para a sua corrente política, onde o aguarda uma certeza histórica de que a revolução, se um dia vier, terá que ser à sua imagem e semelhança. Embora, até lá, tudo indique que milhões de brasileiros voltarão a não ter casa, a não ter oportunidades de estudo, a não ter uma boa formação, a ficarem desempregados e terem salários arrochados novamente por uma Direita que sempre soube se unir nos momentos fundamentais da história.

Ao contrário de parte da Esquerda, que sempre desenvolveu uma enorme capacidade de fazer exatamente o que a Direita quer.

Neste momento crucial da história do Brasil, decidir por não decidir pode levar a consequências graves e imprevisíveis. Nunca se sabe onde está o “ponto de retorno”. Pode-se trilhar um caminho sem volta e condenar gerações a pagarem o preço. Omitir-se, diante do que está posto, caracteriza, no mínimo, egoísmo ideológico.


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Celso Vicenzi, jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, com atuação em rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia. Autor de “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Escreve humor no tuíter @celso_vicenzi. “Tantos anos como autodidata me transformaram nisso que hoje sou: um autoignorante!”. Mantém no NR a coluna Letras e Caracteres.

3 comentários:

Victor Lacerda disse...

Essa ladainda, por mais que tentem mudar a roupagem, não cola depois de 12 anos de traições petistas, seja no governo ou na burocracia sindical.

http://www.pstu.org.br/node/20999

Victor Lacerda disse...

"Primeiro, a acusação de que a oposição de esquerda cumpre o papel de uma linha auxiliar da oposição de direita é indigna. Não vale tudo na luta política. Linha auxiliar da oposição burguesa é uma denúncia pesada. Qualquer pessoa pode compreender que na luta política existem mais do que dois campos, situação e oposição. Existem as classes sociais, e elas se expressam através de vários partidos.

Com esta insinuação absurda- “aliados objetivos de forças reacionárias”- os dirigentes da esquerda petista não estão ofendendo somente a oposição de esquerda. Estão, também, desafiando a inteligência da sua própria militância, porque estão agredindo a historia do PT.

O amálgama da oposição de esquerda com a de direita, pode parecer, politicamente, eficaz, mas é desonesto. Um mínimo de decência na polêmica de ideias exige reconhecer que os partidos da oposição de esquerda tem atacado, implacavelmente, a oposição de direita, seja Marina ou Aécio. Tanto, ou até mais do que a candidatura do governo. Zé Maria deu a palavra a Osmarino Amâncio para denunciar que Marina Silva não era herdeira dos ideais de Chico Mendes.

Se este critério fosse para ser levado a sério, o PT não poderia ter nascido. Porque o PT surgiu desfiando a liderança do MDB e, portanto, dividindo a unidade das oposições à ditadura. Por este critério, a candidatura de Lula em 1982 contra Montoro e Reynaldo de Barros, homem de Maluf, era ilegítima, porque favorecia a vitória do partido da ditadura. Foi essa a acusação que o PCdB e o MR-8 fizeram durante quase uma década, nos anos oitenta, ao PT.

A premissa de que, quem não está conosco, objetivamente, é aliado dos nossos inimigos é falsa. Mas o pior é que este raciocínio binário vem associado a outro mais perigoso. Realmente, ainda há quem pense que só o PT representa os trabalhadores e seus interesses? Não parece bizarra esta conclusão, se a esquerda petista não pode deixar de admitir que, durante doze anos, os grandes grupos capitalistas não pararam de ver os seus lucros crescerem? Alguém poderia explicar, por exemplo, se o PT é o único partido que defende os trabalhadores, por que o Ministro da Justiça do governo Dilma e dirigente do PT, José Eduardo Cardoso, quando da greve dos metroviários contra Alckmin em São Paulo declarou: “Seja para o que for, o governo do Estado pode contar com o apoio instrumental do governo federal”."

Celso Vicenzi disse...

Caro Victor Lacerda. Acho fundamental à democracia a construção de partidos com ideologias distintas. O que tentei argumentar (e por má redação talvez não tenha conseguido me fazer entender) é que há momentos na história em que, por mais discordâncias que possa haver entre as diferentes correntes políticas, não dá para titubear, pois as consequências não serão pequenas e afetarão justamente a parte mais frágil da população. Não dá para permitir o avanço das forças mais reacionárias e contrárias aos movimentos sociais e de trabalhadores. Com todos os defeitos - e concordo - do atual governo, as diferenças ainda são enormes entre os projetos políticos em disputa. Em momentos assim, a direita não vacila, ao contrário de parte do campo da esquerda, que lava as mãos, mesmo que isso venha a afetar a vida, para pior, de milhões de brasileiros. A mim, parece um arrogante egoísmo que pode comprometer o futuro de gerações. Posso estar equivocado, mas acho importante essa reflexão. Grato por seu comentário.

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