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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O super Raul vai ao supermercado

Raul, um homem com ambição e vontades, sempre cumpre suas obrigações no trabalho: é porteiro do luxuoso condomínio Águas de março.

Raul mora sozinho numa pensão na região central de São Paulo há dois anos. Veio do Maranhão em busca de oportunidade.

Raul nasceu em São Vicente Ferrer, cidade de 20 mil habitantes e com o menor PIB per capita do Brasil. Ele não sabe o que é PIB e nem per capita, mas trabalha desde os nove anos.

Raul, que sonha em ter casa própria, mulher e filhos é torcedor do Moto Club e fã da seleção brasileira de 1982.

Raul nunca leu Machado de Assis e Monteiro Lobato na escola e nunca escreveu uma redação de como foram “suas férias”. Ele nunca frequentou a escola. E nunca teve férias.

Raul tem dificuldades de se enturmar na metrópole. Tem um colega no trabalho e uma tevê de 21 polegadas para suas novelas e filmes de ação.

Raul, terminado o seu expediente, toma banho, se perfuma, coloca roupa social e segue um ritual diário: visitar uma grande rede de supermercado.

Raul sempre enche o carrinho com o que mais deseja: queijo brie e camembert, vinhos chilenos, pães italianos, geléia de framboesa, cervejas importadas, salgados, doces e outras coisas gostosas.

E o que faz Raul com tudo isso? Não faz nada. Encosta o carrinho e sai. É uma forma de “ter” o que não pode. É um “quase” que lhe dá algum prazer e faz matar o tempo.

Thiago Domenici, jornalista

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Brincando de Deus

Se me disserem que é absurdo falar assim de quem nunca
existiu, respondo que também não tenho provas de que
Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo,
ou qualquer coisa onde quer que seja.
Fernando Pessoa

Em 1944, Eva Duarte, a Evita, foi apresentada ao general Juan Domingo Péron, então vice-presidente da Argentina, em um evento beneficente. Encantada por aquele homem, ela lhe apertou a mão e lhe disse: “General, gracias por existir.”

A frase é perfeita porque, além de linda, representa muito bem a história do país. É tão perfeita que anos depois os peronistas a usaram em passeatas, pintada em cartazes. Ela também passou a figurar em um museu sobre a história do general argentino. Foi quando Tomás Eloy Martinez decidiu lhes contar que a frase nunca tinha sido dita.

Ou melhor, fora dita por sua Eva Duarte no livro escrito por ele (A novela de Perón), mas era uma criação. A resposta vinda do museu foi demolidora: “E o senhor quem crê que é para tentar negar a veracidade de tamanho feito histórico?”

Gabriel Garcia Márquez também “recontou” a história de seu país. O “Massacre dos Bananeros”, ocorrida em 1928, em Ciénaga, na Colômbia, está magistralmente narrado em Cem Anos de Solidão.

Quando escrevia o livro, Gabo (que vivia no México) mandou uma carta ao irmão Jaime pedindo que ele fosse atrás de dados e lhe fizesse um relato de como foi o levante dos trabalhadores e a violenta repressão das Forças Armadas. O irmão enviou o informe e destacou que em relação ao número de vítimas o mais provável é que foram algumas dezenas.

A veracidade do relato de Gabo do massacre é tão irrefutável que hoje ninguém duvida que os mortos foram mais de três mil (inclusive os livros de história trazem essa cifra).

Escritores como Gabo e Eloy Martinez têm a capacidade de criar realidades e seres humanos muitos mais críveis do que a chamada vida real.

Quem em sã consciência duvida da existência de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro? É mais provável que Fernando Pessoa não tenha existido do que algum desses seus heterônimos.

E Blimunda, aquela incrível mulher que José Saramago nos apresentou em Memorial do Convento; alguém duvida de que é absolutamente real?

“Essa senhora se fez a si mesma. Surgiu com uma força tal que a partir de certo momento eu me limitei a acompanha-la”, contou certa vez Saramago, que seguramente acabou se apaixonando por ela.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Café com leite

Calamarata, fetuccine, Rigatoni, Farfalle,
Cavatelli, Capunti, Penne rigate, Canneloni,
Bucatini, Scialatielli, Pipe rigate e Paccheri.
Numa das minhas mais remotas lembranças, estou diante de um prato de macarrão, radiante, imaginando como vai ser bom comer tudo aquilo. E macarrão é um grande prazer sempre. Se não fosse a necessidade de autodisciplina, eu comeria todo dia.

Também gosto muito de cozinhar, não só de comer. Comecei aos treze anos, por necessidade. Logo percebi que fazer comida também era muito bom, tanto quanto degustá-la. E é bom não só pelo resultado, mas pelo processo.

Pensar em algo que quero fazer, comprar os ingredientes, preparar, cortar, limpar, separar, ir pro fogão, e dali a pouco ter uma comida pronta é uma delícia.

É bem verdade que não cozinho todo dia, então, como tudo que a gente não faz todo dia, tem o seu encanto.

Gosto muito de ir pra cozinha aos domingos, por exemplo, sozinha (não faço nenhuma questão de ter ajuda), por uma música pra tocar e começar o processo de manusear os ingredientes.

Se eu estiver meio mal humorada, triste, chateada, preparar uma comida me relaxa. Não que opere a mágica de devolver o bom humor, mas que dilui o nó, dilui mesmo.

Enquanto corto legumes, pico cebola e alho, a cabeça vai funcionando em rotação mais baixa, repassando o que me incomoda e limando as asperezas do momento.

E tem aqueles alimentos que, definitivamente, não são para o corpo. São para a mente, ou a alma, se preferir. Você já reparou como café com leite cura quase tudo?

Principalmente neurônios embaralhados, todas as benditas manhãs da minha vida. Se tiver também um pão com ovo frito, então, a inteligência fica tinindo.

Aquele mexido, sempre delicioso, que a gente faz à noite com as sobras do almoço, não é comida, é um abraço. E sopa de frango com macarrão (sempre ele) é um cobertor de uso interno, dá uma paz incrível.

Pra mim, não existe combinação de sabores mais perfeita do que azeite de oliva, alho, tomate e manjericão. A gente pensa que é comida, mas é arte, que não vai se desfazer no estômago. Vai direto pra cabeça, abrindo nossos olhos para a beleza.

E se o frio for de rachar e não tiver nada disso por perto, uma dose de conhaque vai trazer de volta o conforto de casa, nem que seja só por alguns minutos. Vai por mim.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Bem vindo a Adegesto

– Dosolinaaaaaaa?
– Diga Margarete, vizinha querida, tudo bem?
– Vamos levando. Cê tá sentido esse cheiro?
– Tô sim. É merda?
– É merda humana, Dosolina, e tá na porta da sua casa!

A vizinhança de Adegesto, cidade no interior de Pataca, é uma calmaria só. Ali, os dias passam modorrentos, o que deixa os poucos visitantes dos centros urbanos como São Zauvino com crises de ansiedade quando passam por lá, mas é costume do cidadão adegestino desfrutar da monotonia com bom humor.

Mãe e dona de casa, a viúva Dosolina é muito querida na cidade. Cuida do lar com dedicação e excelência: lava, passa, cozinha. Depois dos afazeres dedica-se ao deleite crepuscular: novela, guloseimas e filminho. Nada sai de sua rotina; leva a vida com satisfação.

É um hábito esticar as pernas na poltrona que ganhou do filho único e usar o coçador de madeira – uma espécie de “mãozinha” que alcança lugares difíceis nas costas. Além disso, é do seu perfil conversar alto sobre cotidianidades enquanto gesticula muito.

Tudo ia bem em sua vida até o alerta de Margarete. Acreditaram ter sido uma cagada eventual, de alguém apertado e sem banheiro por perto, “um sem educação, um sem modos qualquer”, mas não foi: o inexplicável passou a assolar a porta (e a vida) de Dosolina todos os dias.

– A coisa parece que brota do chão – disse um vizinho encafifado com o mistério.
– Acho que é coisa do sobrenatural – comentou outro.

De um tudo fizeram e nada revelava o autor das cagadas: câmeras, vigília dos amigos, armadilhas e orações. Podiam estar todos atentos e num piscar de olhos o monte disforme exalando seu perfume aparecia soberano. Até recompensa foi oferecida pelo prefeito. Em vão.

Tal qual o cheiro, o assunto infestou a cidade de pouco mais de 4 mil habitantes. O polícia prendia suspeitos, mas a merda sempre aparecia inocentando os acusados. Todo um mercado paralelo foi criado e as apostas no bolão “De quem é a merda?” criou muita expectativa no município.

A visitação pública das fezes, a essa altura, atraia hordas de moradores das cidades vizinhas o que levantou a economia local. Sorveteiros, pipoqueiros e ambulantes gerais acharam um nicho. E, por tabela, vendiam muitos odorizadores, perfumes e afins.

O tradicional carnaval da cidade ganhou a letra “Que merda é essa?” que virou sucesso nacional, interpretada por Chineló, sensação daquele verão. O prefeito, percebendo a situação política favorável, discursou propondo um plebiscito popular para mudar o nome da cidade para Cheirosa.

“Cópias da merda” não original pipocavam em outras portas no intuito de atrair os holofotes. Mas o cheiro e consistência eram específicos, fortes e repugnantes. E estava na porta da cidadã mais ilustre da cidade.

As pencas, repórteres visitavam Adegesto: a merda foi vista nas televisões, falada nas rádios e descrita nos jornais. Dosolina ficou conhecida em todo o país. Supreendeu-se com a notícia da criação por fieis da “Igreja da Merda” cujo padroeiro era “São Merda”.

Um grupo passava o troço no corpo e comercializava a “Merda real” dizendo que era medicinal e curava. Curiosos cientistas estudavam o excremento em laboratório em busca de alguma explicação. Camisetas com o slogan “A merda é nossa” vendiam ao borbotões. Tudo isso foi chateando a boa dona de casa que só queria sua vida pacata de volta.

Seu imóvel, apelidado de “Casa da Merda”, foi tombado pelo patrimônio histórico municipal, fotografado pelo google e ganhou milhares de likes no Facebook e seguidores no Twitter. Um time de futebol, Merda F.C, foi criado com patrocínio de uma empresa de papel higiênico.

Os anos se passaram e a bostança jorrava mais e mais, como uma nascente de rio. E Dosolina? Não se tem mais notícias. Dizem que morreu ou que se mudou. De certo, não aguentou mais ver sua vida esmerdiada. Reza a lenda que em sua última aparição pública, teria dito a um turista que comparou a história a do livro que virou filme O cheiro do ralo.

– Não é do ralo, porra, é do mundo!

Thiago Domenici, jornalista

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Da imposição da folia


Fernando Carvall é ilustrador e caricaturista, professor do Senac há quase 20 anos e mantém o Estúdio Saci. É colaborador do Nota de Rodapé desde 2010.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O roteiro da “higienização” do Centro de São Paulo em 2012

Só em fevereiro, 334 famílias acampadas na eternizada esquina da Ipiranga com a São João resistiram a desocupações, descaso, violência antes de serem transferidos para um abrigo no Bom Retiro


A Prefeitura de São Paulo – com apoio da Justiça Estadual e da Polícia Militar – segue na ação política de impedir a ocupação de imóveis abandonados no Centro da cidade. Além disso, promove sistematicamente a retirada de pessoas que lutam pelo direito constitucional de moradia em áreas já possuidoras de toda a infraestrutura de saúde, transporte e educação.

Em novembro de 2011, a linha de atuação emitia claros sinais de como seria o tom para 2012 . Dez edifícios ocupados por famílias ligadas a movimentos sociais, como o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) e Frente de Luta por Moradia (FLM) passaram por desocupações e reintegrações.

No mês de janeiro, depois da desocupação dos casarões e prédios usados como refúgio para usuários de crack, na chamada “Cracolãndia”, em ação classificada pelo Ministério Público como desastrosa, os imóveis vêm sendo “reintegrados”, ou seja, entregues aos “donos” para continuarem lacrados e sem uso.

A encruzilhada de fevereiro

A mais rumorosa das reintegrações de posse no Centro ocorreu no último dia 2 de fevereiro, em um prédio na célebre esquina das avenidas Ipiranga e São João. A medida levou 230 famílias a montarem acampamento nas proximidades do ponto eternizado pela música Sampa, de Caetano Veloso.

Sem poder usar a força para impedir que cerca de 120 crianças da ocupação ficassem na calçada com as mães, a PM e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) destruíram, ainda no dia 2, os abrigos de madeira improvisados.

No domingo, 5 de fevereiro, agentes da GCM usaram cassetetes, gás de pimenta e bombas de efeito moral para tentar, sem sucesso, dispersar os ativistas.

“Depois disso, o Ministério Público entrou com uma ação contra a GCM, o que nos deu um pouco mais de tranquilidade. Pudemos esticar essas lonas para proteção”, explica a coordenadora do MSTC, Jussamara Leonel Manuel. “Nós só queremos uma solução de moradia para essas pessoas, que não signifique a desintegração das famílias, mas, até agora, o poder público não ofereceu nada”, reforça.

Na noite de 9 de fevereiro, quinta-feira passada, o alvo da ação do poder público foi o antigo Hotel Pão de Açúcar, localizado na rua Conselheiro Nébias, 314, esquina com a rua Vitória. No edifício, sem uso há quase dez anos, segundo a ex-moradora Rita de Cássia Pereira, viviam 178 famílias, incluindo 78 idosos, 98 crianças e três pessoas com deficência física. Dessas, 55 foram para a Ipiranga com a São João.

Parte das famílias do Hotel Pão de Açúcar aderiu ao acampamento. Diferente dos primeiros ocupantes da calçada, os novos desabrigados conseguiram garantir – na negociação para a reintegração de posse, que ocorreu sem violência – o cadastramento em programas de moradia popular, o que não garante o futuro com casa digna.

“Passamos quase o dia todo nas filas para informar os documentos e número de familiares”, conta a ex-moradora do hotel, Rita de Cássia Pereira (imagem ao lado). “Mas, na verdade, não sabemos o que a Prefeitura vai fazer com esses dados porque não recebemos qualquer protocolo ou comprovante do cadastramento e nem informações sobre os projetos pra gente”, explica.

No último domingo, 12 de fevereiro, as 334 famílias que ocupavam as calçadas da esquina Ipiranga/São João foram removidas para um abrigo no Bom Retiro. Elas enfrentaram por dez dias o sol, a chuva o descaso e a violência, mas ainda não sabem se realmente terão solucionada a questão habitacional, como manda uma liminar da Justiça.

No novo abrigo, após um prazo inicial de 30 dias, o futuro continua provisório para as 334 famílias e também para centenas de outras em ocupações na mira da especulação imobiliária.

Texto e fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá, do Mediaquatro, especial para o Nota de Rodapé

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

me pegaram

Eu sei. Você vai se fartar de ler sobre os modernistas durante este 2012. Boa parte do jornalismo vive de efemérides, e a Semana de Arte Modena está completando noventa anos. Ocorre que algumas das personagens, ligadas direta ou indiretamente à Semana, seguem vivas no que eu faço e, provavelmente, no que você faz.

Por exemplo, toda vez que a gente escreve curto, ou somos irreverentes com a semântica e a sintaxe, tem a ver com Oswald de Andrade (1890-1954). O bruxo-mor do modernismo escreveu o bem-humorado e bem pensado Manifesto Antropófago. Nele, a providencial advertência: "A alegria é a prova dos nove."

Toda vez que levamos a sério a pesquisa da arte popular, ou nos apaixonamos pelo café de São Paulo e o leite de Minas, ou somos generosos com jovens e velhos poetas, estamos evocando Mário de Andrade (1893-1945). É dele o Paulicéia Desvariada e o Macunaíma - herói sem nenhum caráter.

Sei que é raro, mas quando criamos frases encantadas, ou quando viramos crianças que escrevem bem, o anjo da guarda é Manuel Bandeira (1886-1968). O recifense do: "Teadoro, Teodora" e da Irene que não precisou pedir licença para entrar no céu.

Nos momentos em que nos tornamos seríssimos e, apesar disso, poetas. Ou no momento em que acreditamos ser possível transformar a vida com a força das palavras, o grande mestre é Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Aquele que bolou o slogan do modernismo: "Stop / a vida parou / ou foi o automóvel?"

Também quando juntamos militância com poesia, feminismo com boa prosa, irreverência com vida, a musa é Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962). Jornalista e autora do Parque Industrial - uma beleza de história, hoje caída no esquecimento mas que de repente pode ressurgir e encantar a moçada.

Não esquecer jamais dos herdeiros de 1922. Muito inspiradores, como os tropicalistas, os concretistas, os do Teatro Oficina. Lembrar sempre do herdeiro Paulo Leminski (1944-1989), poeta de alta grandeza. Sujeito que sintetizou com precisão o desafio da escrita atual: "Que a estátua do rigor e a estátua da liberdade velem por todos nós."

Apesar das nove décadas da Semana, e de suas personagens terem partido desse mundo, o espírito modernista segue nas ruas, nos grafites, nas redes sociais, em nós. Ele ressuscita toda vez que nos entediamos com os textos de terno e gravata, com a verborragia dos poderosos, com a pompa e circunstância da prosa oficial.

Post-Scriptum: Notem que há muitos Andrades entre os modernistas: Oswald, Mário, Carlos. Conto a vocês, sem me comparar, mas orgulhosa com isso, que também sou uma Andrade. Está na minha certidão de nascimento: Fernanda Andrade Pompeu.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Caso Eloá: só alguns minutos

"Esse texto foi escrito à época do assassinato de Eloá (outubro de 2008) e circulou entre um grupo restrito. Achamos oportuno publicá-lo no momento em que o caso vai a julgamento."


Assentada a poeira inicial, não consigo parar de pensar neste assunto. Nos últimos dias, vimos passar diante de nossos olhos, pelas telas de nossas TVs, um tratado completo sobre as relações de poder entre mulheres e homens. Aquilo que os “iniciados” chamam de “relações de gênero”, e que tanta gente tem dificuldade para entender.

Lindemberg e Eloá eram jovens moradores de um conjunto habitacional de trabalhadores da Grande São Paulo. Até onde sei, com histórias e vidas parecidas. Nada que envolvesse grandes disparidades socioeconômicas.

Envolveram-se num relacionamento amoroso, quando ela era pouco mais que uma criança, e ele um rapaz de dezenove anos. Segundo informações que circulam, era um namoro tumultuado, com vários rompimentos e reconciliações, geralmente motivados pelo comportamento possessivo de Lindemberg.

Até o dia que Eloá decidiu não se reconciliar mais com ele. Uma decisão que ele não podia aceitar, um atrevimento, uma manifestação insuportável de egoísmo, como falou por telefone a um repórter. Como ela não cedia às suas tentativas de diálogo, ele resolveu obrigá-la, da forma que lhe pareceu mais adequada. Ou seja, ela o empurrou a tomar aquela atitude extrema!

Invadiu a casa dela numa tarde de segunda-feira, insinuando que os colegas que estavam ali tinham intenções a respeito de Eloá que só ele mesmo poderia ter. Estava armado, e a situação logo evoluiu para cárcere privado.

Não tinha nada para pedir em troca, pois o que ele queria, que era a atenção exclusiva dela, já havia conseguido. Que fazer, então? Prolongar indefinidamente o inferno, para que não restasse dúvida sobre quem controlava a situação, para reafirmar, hora após hora, que ela era propriedade dele, e faria o que ele quisesse.

Não me venham com essa lorota de que ele foi movido pela paixão. O que moveu Lindemberg foi o medo de ser rejeitado de forma definitiva e de perder a voz de mando numa relação que ele controlava tão bem. Como ficaria sua hombridade? Como lidar com o vazio deixado por tamanha humilhação?

Passaram-se os dias, as noites, mais dias e noites, até que ele mesmo não suportava mais a situação que havia criado. Mas, como sair? Impedindo que Eloá continuasse a viver, e, agora, sem ele, que é um rapaz inteligente e sabe que não teria mais nenhuma chance. Mirou seu revólver na cabeça e no sexo da ex-namorada. Bem dentro da lógica de que “se não for minha, não será de mais ninguém”.

Lindemberg inviabilizou sua vida e seu futuro, mas ele ainda pode dispor de uma e de outro. Eloá foi imolada para que o macho pelo menos preservasse sua macheza, pois viverá o resto de seus dias assombrado pelo que foi capaz de fazer. Isto pode soar como uma simplificação extrema, e talvez seja mesmo, mas como encontrar razões defensáveis para o que aconteceu?

Peço vários minutos de silêncio e reflexão sobre este caso tão emblemático e, ao mesmo tempo, tão corriqueiro, em maior ou menor grau, em tantas relações supostamente afetivas entre mulheres e homens.

Júnia Puglia, cronista, após o carnaval escreverá a coluna De um tudo toda sexta-feira.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Pinheirinho e o direito de brincar




Toda criança gosta de brincar e ganhar brinquedos. O próprio estatuto da criança e do adolescente assegura o direito de os pequeninos aproveitarem plenamente essa fase. Mas como pensar em brinquedos quando sua família acabou de perder a casa onde mora?

Algumas pessoas em São José dos Campos, interior de São Paulo, tentam responder a essa pergunta e garantir esse direito “básico”.

Neste último domingo, esses voluntários organizaram o “Pinheirinho Existe”, um dia de show’s cujo objetivo foi arrecadar brinquedos e material escolar para a população desalojada..

A reintegração de posse do terreno de 1 milhão de m² e cerca de 10 mil pessoas ocorreu há exatas três semanas. Em meio a tanta tragédia, o “Pinheirinho Existe” contou com diversos show’s de Rap e Hardcore, grafittagem, gincanas e jogos para as crianças que viviam na ocupação e para os moradores dos bairros vizinhos. As apresentações foram na escola Edgar de Mello, de onde é possível enxergar o pouco que sobrou do local.

Fernando Santos – o “Fhero” – um dos organizadores do evento, explica que a ideia surgiu da conversa entre amigos e pessoas sensibilizadas com a situação das pessoas - atualmente em abrigos improvisados.

“Vimos o que cada um podia fazer e como dava para ajudar. Foi assim que surgiu a mistura de Rap, Hardcore e grafitagem. O que foi feito hoje saiu do esforço e da disponibilidade de quem se propôs a ajudar”, conta Fhero.

“Tio, vai ter mais rock?”

Logo após a banda “Sistema Sangria” terminar o seu último acorde na guitarra, umas das crianças que acompanhava o show correu até um dos organizadores e perguntou animada: “Tio, vai ter mais rock?”

Entre rappers e bandas de hardcore foram mais de dez apresentações que serviram como atrativo para o público que pagou a entrada com brinquedos e material escolar.

Outra organizadora, a estudante de direito, Ana Sanchez, comemora a participação e a quantidade de doações “que foi maior do que a esperada”, mas deixa transparecer um certo descontentamento com a situação dos ex-moradores.

“A gente queria trazer mais crianças que eram do Pinheirinho, mas os alojamentos ficam longe, boa parte das famílias não tem como vir para cá. O legal é que vamos poder alegrar um pouco essas pessoas”, comenta.

Desde a operação os antigos moradores passaram a morar nos abrigos criados pela prefeitura (em escolas e ginásios) ou nas casas de familiares e amigos.

A Prefeitura, em parceria com o governo do Estado, se comprometeu a pagar um auxílio-aluguel no valor de 500 reais o que, segundo relatos de moradores, não é suficiente.

Ativistas de movimentos sociais têm buscado alternativas como a criação de programas habitacionais voltados a população do Pinheirinho, além das campanhas para arrecadar alimentos e roupas.

Ana e Fhero planejam mais atividades para oferecer algum tipo de ajuda para os moradores. “ Os moradores do Pinheirinho continuam precisando de auxílio, eles perderam tudo”, diz a voluntária Ana. “Deu trabalho, mas vamos fazer um esforço para continuar nessa luta”, finaliza Fhero.

Paulo Cezar Pastor Monteiro, jornalista, de São José dos Campos, especial para o NR. Imagens de Gabriel Do Rio

Somos chupadores

Chupar é bom e da nossa fisiologia. No futebol,
no entanto, não é bem assim. (GettyImages)

Fulano grita diante do gol de seu time “Chupaaaa”. Outro reverbera de outro ponto com mais ardor “Chupaaaaaaaaaaaaaaaaa”.

Sempre, é claro, com o complemento: “Porcada”, “Gambá”, “Bambi” para ficar em poucos exemplos regionais de São Paulo.

O “chupa” ou “ chupar”, utilizado com essa eloquencia entre torcedores rivais diante de um gol, vitória ou título sempre me encafifou. Explico. Chupar, segundo o dicionário, significa “levar (líquido) à boca por meio de uma sucção feita pelos movimentos dos lábios e da língua”.  É da nossa fisiologia como, por exemplo, beber, mastigar e cheirar.

Chupar é também um ato de prazer que pode ser conseguido de várias maneiras – além do sexo oral, no sorvete, na bala, no mel etc; no mundo animal, o exemplo que me vem a cabeça é o beija-flor, que não deixa de ser um chupa-flor.

A sanguessuga (ou sangue-chupa) é um bicho que se alimenta do sangue de outros animais. E não esqueçamos dos recém-nascidos e crianças que chupam o dedo a doidado ou se abastecem de chupetas bem transadas dadas pelos pais.

Chupa é até nome de um distrito do Peru, no departamento de Puno, localizada na província de Azángaro. Tem gente que gosta de chupar o gelo de um drink. E o chimarrão? Ora, pessoas chupam o mate para conseguir o sabor proporcionado pelo alimento da erva-mate; precisam da cuia, bomba e água morna. É um hábito cultural tradicional herdado dos índios.

E o Chup-Chup (também conhecido como geladinho e sacolé) com seu frescor de gelo com algum sabor de sucos artificiais, tudo dentro de um saquinho? Em épocas de vacas magras, cheguei a vender de limão, tangerina e chocolate para levantar um trocado.

Da grupo musical Aviões do Forró se tira outro caso: “Na sua boca eu viro fruta/Chupa que é de uva!/Chupa! Chupa!/Chupa que é de uva!”. Da letra sensual se supõe o óbvio. E além da uva, são chupaveis a manga, laranja, limão, mexerica, lichia, jabuticaba, ameixa e outras delícias.

E se fizermos uma pesquisa mais detalhada descobriremos outras canções que tem no “chupar” o seu mote musical. Gostamos da coisa de várias maneiras e somos todos chupadores.

A expressão “Chupa que a cana é doce” é mais antiga e muitos devem se lembrar. Se a cana for mesmo doce, chupá-la é uma delícia. Talvez daí se origine o chupa do futebol, como interjeição de vitória.

Acho, no entanto, que mandar o rival chupar tem também o sentido de fazer sexo oral a contragosto e sem prazer; fulano manda geralmente “chupar o pau” do outro como uma forma de submissão e inferioridade do adversário.

O torcedor que se propõe a essa tentativa de ofensa cai numa armadilha inevitável. É que, mesmo sem saber e sem querer, reforça toda uma cultura machista e homofóbica que impregna o esporte (e grande parte da sociedade).

O que me conforta é que se me mandarem chupar vai me soar como “tenha prazer”. O que é bonito e solidário, vejam só, já que ao obter seu prazer futebolístico vai me lembrar que posso obter o meu ao chupar um sorvete de doce de leite, dos meus preferidos, para amenizar o meu desgosto.

Thiago Domenici, jornalista. Texto publicado em conjunto no blog TodasNós.

Leitores acidentais

Aquela romântica ideia de que escrever é colocar uma mensagem numa garrafa e lança-la ao mar na esperança de que alguém um dia a recolha ficou desatualizada. Hoje, com a ferramenta de estatística do blog, eu tenho perfeita ciência de quando um texto meu é lido e quantos são os meus leitores.

Somos três, em realidade. Eu, que leio meus textos para procurar erros; minha mãe, que acha todos lindos e sempre me elogia; e uma terceira pessoa que não sei quem é gostaria muito de saber para dar um abraço apertado.

Enfim, não somos muitos mais somos fiéis e todas às segundas-feiras perdemos dois minutos para ler um amontoado de palavras como estas. Óbvio que eu gostaria que fôssemos mais, mas enquanto não houver nenhuma baixa seguirei escrevendo.

Fato é que nos últimos meses algo que em princípio deveria ser uma alegria tem se transformado em um incômodo para mim: tenho sido mais lido. Em especial, um texto tem sido bastante lido. Bacana? Não! Explico. Em abril do ano passado escrevi este texto titulado “Que fazer com um déja vu?”.

Meses depois e já não estando ele mais como link da página, começaram a brotar acessos, coisa que detectei pela ferramenta de estatística e que me intrigou. Primeiro imaginei que alguém “influente” na internet, tipo um ator global ou um comediante desses sem-graça tinha gostado do texto e o divulgara em algum site ou portal.

Depois percebi que na verdade se tratava de um mal-entendido. A busca do Google recomenda como uma das primeiras sugestões esse texto quando o internauta procura pelo remédio Dejavu (“Para que serve”, “como usar” etc).

Após uma busca (bem-sucedida) no Google descobri que o remédio serve para impotência, o que me deixou ainda mais incomodado, porque veja só: quem caiu na minha página estava com um problema que nós, homens, sabemos ser sério, e eu além de não ajudá-lo tomava seu tempo.

Mais intrigante é que o começo dessa minha humilde crônica pode dar a entender que se trata, sim, de um auxílio aos meus leitores acidentais, já que digo:

“Déjà vu, eu os tenho. Com maior ou menor frequência dependendo da época.”

Parece até uma confissão. Talvez nesse breve momento eu consiga o que tanto busco: a empatia com o leitor. Mas aí ele avança para a segunda linha e vê que o texto não lhe serve. Pior ainda, se se dá ao trabalho de pular para a última linha (talvez por curiosidade) encontra com o seguinte dizer:

“Comigo não, violão! Vai pregar peça na tua avó!”

É de se imaginar que se sinta ultrajado. Fico sem-jeito porque já tenho poucos seguidores e agora ganhei centenas de não-leitores que talvez me insultem sem ter lido nada mais do que uma linha do que escrevo.

Pensei em colocar um aviso logo abaixo do título, algo assim: ATENÇÃO, se você sofre de impotência e busca informação sobre o remédio Dejavu, clique aqui (com o devido link para a página da empresa produtora das pílulas).

Passou também pela minha cabeça tentar cativar esse leitor, quiçá transformá-lo no meu quarto fã, com uma mensagem assim: Você provavelmente caiu nesta página sem querer, buscava outra coisa. Mas não vá embora, me dê uma chance. Leia este texto até o final, se não gostar, tenho outros, veja só (seguido de outros links).

A terceira e mais maligna ideia foi começar a colocar título nos meus textos que possam gerar confusão e fazer com que mais pessoas me leiam, ainda que seja só as três primeira palavras.

Isso serviria para que eu, no futuro, negociasse um aumento de salário com a chefia do blog sob alegação de que tenho sido muito mais lido. Este texto mesmo, ao invés de “Leitores acidentais”, poderia ter o título “Sobre a impotência e a solidão de quem escreve”.

No final das contas, acho que não tomarei nenhuma medida. Seguirei escrevendo para meus três leitores, com fé de que nenhum de nós desistirá – e esperança de que esse grupo cresça tanto que um dia podamos até formar um time de futebol (de salão, porque não sou tão ambicioso).

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Documento: intenção era urbanizar o Pinheirinho

Há mais de um ano a prefeitura de São José dos Campos realizou levantamento socioecocômico com o objetivo de urbanização do Pinheirinho. Mas como todos sabem, isso não aconteceu.

[clique para ampliar a imagem do documento]
Aproximadamente 17h do dia 22 de janeiro deste ano. Com a reintegração de posse do Pinheirinho em curso no município de São José dos Campos, o juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez, concedeu entrevista coletiva.

Um dos coordenadores da operação policial ele afirma que a Prefeitura da cidade – fornecedora de apoio estrutural na desocupação, inclusive com uso da Guarda Civil Municipal, muito denunciada por abusos pelos ex-moradores e entidades de direitos humanos – nunca teve interesse em regularizar o terreno.

Contudo, um documento obtido pelo Nota de Rodapé comprova iniciativas envolvendo a Prefeitura para instalação de projeto destinado ao local.

Um ofício (imagem acima) datado de 16 de dezembro de 2010, encaminhado pela secretária de Governo do município, Claude Mary de Moura, à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) endereçado ao assessor da presidência da empresa, Antonio de Jesus Sanches Lajarin, contém um levantamento socioeconômico da comunidade, objetivando a regularização e urbanização da área.

Já na abertura, o relatório evidencia contatos anteriores que solicitaram a pesquisa e descreve que “esses dados poderão ser usados para desenvolver o projeto de urbanização pelo Governo do Estado de São Paulo/CDHU e financiamento pelo Governo Federal/Ministério das Cidades, em parceria com a entidade criada pela ocupação”.

Esse estudo foi realizado em quatro finais de semana do mês de agosto de 2010 e utilizou 74 funcionários públicos da Prefeitura. Na época, o registro oficial visitou 1658 casas, cadastrou 1577 famílias, num total de 5488 pessoas (somente 82 famílias não atenderam ao cadastramento).

Também foram encontrados 81 pontos comerciais, seis templos religiosos e um galpão comunitário. Além disso, a pesquisa detectou faixa etária predominante entre 0 e 18 anos (57,7%), 415 pessoas inscritas em programas sociais, como Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Bolsa Auxílio Qualificação e Renda Mínima, e, de 1536 crianças e adolescentes, verificou 1490 frequentando a escola.

Um dos líderes da comunidade que habitava o Pinheirinho, Sérgio Pires, do Movimento Urbano dos Sem Teto (MUST) questiona a situação. “Se o Capez estiver certo e a Prefeitura nunca teve interesse em buscar a regularização, por qual motivo fez-se um levantamento socioeconômico que utilizou força de trabalho dos servidores da cidade, com óbvio gasto de dinheiro público, e que dava sinais de acordo entres as esferas municipal, estadual e federal? Mudaram de ideia ou foi tudo jogo de cena? ”, indaga.

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem do NR, nesta sexta-feira, 10 de fevereiro, para falar sobre o documento oficial que menciona a urbanização da área do Pinheirinho, a Prefeitura de São José dos Campos confirmou o envio à CDHU, informando sobre um relatório socioeconômico realizado na área que, inicialmente, seria um pedido da Vara da Infância e Juventude da cidade, feito em 2005, com o objetivo de levantar o número de crianças da comunidade.

Questionada se o documento seria um reaproveitamento do solicitado pela Vara da Infância e Juventude, a Prefeitura respondeu afirmativamente, dizendo que a pesquisa teve atualizações em 2008 e 2010.

Porém, algumas dúvidas permanecem sobre o objetivo real do estudo. Matérias publicadas pelo jornal O Vale, de São José dos Campos, em 2 de agosto e 17 de dezembro de 2010, que somente anunciava a pesquisa, mostram declarações da diretora de Desenvolvimento Social, Maria Quitéria de Freitas, e da secretária de Habitação, Irene Marttinen, que destacam a visão macro que viria a ter o levantamento, além da meta de pesquisar quantas pessoas moravam no Pinheirinho, o que contradiz a versão de algo dirigido apenas às crianças.

Também em O Vale, o assessor executivo da presidência da CDHU, Antonio de Jesus Sanches Lajarin, declara que, com o relatório em mãos, poderia haver o início de um planejamento de urbanização e regularização da área. Ele ressaltava o papel da Prefeitura na iniciativa. "Para encontrarmos uma solução para essas pessoas, é preciso o apoio da Prefeitura. São eles quem devem nos passar diretrizes antes de começarmos o projeto", afirmou.

VOCÊ SABIA?

Nahas teve desconto no IPTU após reintegração. Para vereador do PT de São José dos Campos decisão abre precedente

Quando se imagina que terminaram as vantagens obtidas por Naji Nahas e a Selecta junto à Justiça Paulista, surge alguém com novas informações. É o caso de Wagner Balieiro, vereador pelo PT de São José Campos.

Ele conta que apenas seis dias depois da reintegração de posse do Pinheirinho, a Prefeitura de São José dos Campos revisou a dívida de Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU) da massa falida, dos anos de 2004 e 2005, por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, e fala em abertura de precedente para que o total da dívida com o município também caia.

“Essa medida, realizada em 28 de janeiro, diminuiu o valor da dívida de cerca de R$ 15 milhões para R$ 13,4 milhões, redução aproximada de R$ 1,6 milhão”, explica Balieiro.

Inicialmente, a revisão ocorreu por conta de uma decisão judicial de 2009, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos. Na época, a Selecta conseguiu reduzir a alíquota do imposto cobrado de 8% para 1,5%. “O que ocasionou o abatimento foi a diminuição da alíquota que atrela o valor do imposto ao valor venal do terreno”, conta o vereador.

Agora, a sentença do juiz José Henrique Fortes Júnior, da 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, de segunda instância, confirma a redução, proporcionando descontos aproximados de R$ 777 mil do IPTU de 2004 e R$ 835 mil no de 2005. Os valores antes da decisão eram R$ 972,9 mil e R$ 1,04 milhão, diminuídos a respectivos R$ 195,7 mil e R$ 210,3 mil.

“É uma injustiça sob muitos aspectos a concessão de uma benesse dessas a um mau pagador. Quantos cidadãos que pagam o IPTU têm diminuições na mesma porcentagem? Além disso, a decisão abre um precedente para que Nahas consiga redução nos outros tantos anos de dívida. Sei que a Prefeitura vai recorrer, mas cabe aos vereadores de São José fiscalizarem e exigir uma postura jurídica adequada por parte do município”, ressalta Balieiro".

Moriti Neto, jornalista, colunista do Nota de Rodapé

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Divina tragédia

Deus, no verão, trata de esticar os dias; os homens, de os encolher - antiga teima.

Há dez dias sem a Polícia Militar nas ruas da Cidade da Bahia, os expedientes se encerram pelas quatro da tarde, e o povo se apressa no encalço de casa. Aí anoitece mais cedo, os bares ficam sem pé de gente, namorados não passeiam, amigos não se visitam, e na janela faz um silêncio que de tão sombrio faz até o vento ficar frio.

Pois a greve da polícia já dura dez dias. Fossem dez dias que mudassem o mundo, como os daquele livro lá, menos mal. Mas não.

São só dez dias de uma insegurança que emerge mais porque sabe-se da falta de polícia na rua do que pela vinda à tona de uma violência à qual já não estejamos acostumados.

É melancólico que precisemos sentir falta da polícia para nos lembrarmos de sua importância enquanto tampão da verdadeira panela de pressão em que vivemos.

Receita da violência: pelo metal da panela, tome-se o Estado; pelo feijão, a sociedade em ebulição; a polícia fique então sendo a válvula. Pois quando dá defeito na válvula, parceiro, a panela explode: voa feijão pra tudo quanto é lado. Palavras do Capitão Nascimento.

De modo que, desde o início desta greve, 127 já saltaram fora da panela. 127 mortos em dez dias, até agora, enquanto escrevo. Mas, ao que parece, pouco importa: dali, o governo diz que não pode pagar o que os polícias merecem; de lá, os meganhas bradam que não aceitam o que o governo pode pagar - e, de quebra, não se acanham em tocar o terror na cidade, só para marcar presença.

Cabeças-duras, povo de dura cerviz!, diria aquele Deus lá de cima. Povo aliás que esse Deus, o da Bíblia, quis exterminar quando flagrou adorando um bezerro de ouro, justo enquanto Moisés anotava as leis nas tábuas. E só não o fez porque o profeta não deixou: pediu a Deus que lhes poupasse, que lhes desse mais uma chance.

Aí Deus deu. E deu no que deu.

Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta, com um texto mensal toda primeira quarta-feira do mês corrente. Escreve de Salvador.

bora aí

Meu pai jura e minha mãe sacramenta que eu quase nasci dentro do elevador da maternidade. Papai diz que viu minha cabecinha saindo. Mamãe conta ter ouvido da ascensorista que a culpa era da Lua cheia, apressadora de partos. Sempre achei o detalhe do elevador pitoresco demais para ser real. Mas na minha família é assim: perca a verdade, mas não a história.

Minha irmã Cláudia, a mais velha e chefe da matilha, já teve uma chegada mais dramática. Saiu a fórceps, com a carinha amarrotada. Mamãe, parturiente de primeira viagem, fazia força para dentro. Toda grávida deveria intuir que parir é esforço para fora. É dar o rebento à luz. Empurrar o Raimundo para o vasto mundo.

Depois de mim, veio o Júlio que engoliu a placenta. O pobrezinho por pouco não morre sufocado. Com as duas últimas irmãs, Lucíola e Cristina, os partos foram na maciota. Mamãe conhecia o procedimento de cor. Também, soletrado o que a esperava: varais de fraldas de pano, sopinhas feitas na hora, e um iTunes de choros interrompendo as madrugadas.

Tem a história da minha amiga Cida. Capixaba da serra, ela nasceu em casa. Depois que saiu uma menina gordinha, a parteira gritou: Alto lá! Tem mais um! Esse mais um era a Cida. Época sem ultrassonografia, ninguém sabia que a mãe esperava gêmeas. O pai resolveu chamar a inesperada de Maria Aparecida. Não por conta da padroeira do Brasil, mas por conta do aparecimento.

muitos jeitos de parir. De cócoras, dentro d'água, em pé, deitada na rede, no chão batido, no deserto, no Mar Morto, no Marrocos, em Pirituba. Quantos somos mesmo? Sete bilhões!
De rigorosamente iguais: todos paridos. Tinha que ganhar um feriado. O Dia Internacional do Parto. Seria muito mais tangível do que o Dia Internacional da Paz.

Uma vez assisti ao parto de uma cadela dachshund - a popular salsichinha. Foram cinco filhotes em onze horas de trabalho. Canseira. Outro dia, no Animal Planet HD, assisti ao parto de um elefante. Monumental! De uma certa maneira, nascer é bem mais previsível do que morrer, pois é sempre do mesmo jeitão. Enquanto a morte, mais caprichosa, inventa formas.

O pessoal com cultura espiritual costuma dizer que a gente tem consciência do próprio nascimento. Só que depois esquece. As psicólogas, ao menos uma parte, afirmam que o primeiro olhar da mãe para o bebê influenciará a personalidade emocional do pimpolho. Leia-se: se será neurótico, paranóico, normalzinho.
Cá para mim, é pôr muito peso em cima da mãe.

Sou uma mulher que não pariu. O que sei sobre partos é o que outras contam. O tal instinto maternal - que até hoje ninguém provou ser natural ou cultural - eu dedico ao meu cachorro, o Chico. Ele nasceu de cesariana. É claro que não deve ter relação com a forma de nascimento, mas ele é o maior neura de quatro patas da Vila Madalena. Já sai de casa em posição de ataque.

Tenho a impressão que as histórias de parto vão se tornar cada vez mais iguais. Serão da modalidade parto excel. Planejadíssimos. Antes da criança nascer os pais já sabem o sexo, o peso, o comprimento, as prováveis alergias e o futuro perfil no Facebook. Fora os exames para checar se há defeito de fabricação ou desvio de septo nasal.

As velhas parteiras foram deixadas de lado. Os partos normais tornam-se excepcionais. Os jovens médicos agendam as cesarianas nos seus tablets. Escolhem não só o dia, mas principalmente a hora do vir à luz. Determinam: fulaninho nascerá 55 minutos antes ou depois do futebol na tv.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ressaca, Michel Teló e Times New Roman

Pretendia escrever sobre um filme. Comecei até. Ia ser um texto legal, descolado, com tiradas de humor.

No final ia ter uma co-relação com o título da coluna que, como a Helena me disse com a sinceridade anabolizada por meia garrafa de vinho, não é dos melhores.

Mas eu ia escrever porque é o que gosto de fazer, porque a ideia parecia boa, porque me comprometi com um amigo. Comecei a escrever, até. Mas estava ficando uma merda.

Não uma completa merda, mas uma merda razoável. Talvez vocês lessem e achassem bacana, se divertissem, curtissem ou até, honraria maior das redes sociais, compartilhassem no mural do Facebook. Mas o fato é que estariam lendo apenas uma merda razoável.

E é provável que ficassem satisfeitos porque é isso que quase sempre lemos: merdas razoáveis. Primeiro porque a maioria dos que escrevem nessa grande caixa de areia do gato que é a internet não sabe direito o que está fazendo.

E até os que sabem, os que têm talento, até os que ganham dinheiro com isso, quase sempre escrevem apenas merdas razoáveis. Porque, como a vida, assim são os textos.

Imperfeitos, confusos, defeituosos e mal arrematados por inabilidade ou preguiça do costureiro. Assim é o mundo que nos cerca e onde a gente vive um dia depois do outro, sempre esperando a chegada de um tempo de perfeição, plenitude e felicidade.

Eu gostaria que os vidros da minha janela estivessem limpos. Que o filho da puta do músico, que toda a noite imita o Djavan na Casa do Espeto do outro lado da rua e me impede de ouvir Miles, tivesse uma laringite hemorrágica, que o barulho do elevador não me acordasse de madrugada.

Gostaria, na verdade, que minha varanda fosse maior e que o dono do apartamento não tivesse substituído o piso original por um porcelanato cafona. Gostaria de muitas coisas pro meu apartamento. Mudei faz menos de meio ano, mas já tenho até outro apartamento platônico, pairando em algum lugar do futuro, entre esta noite quente em que me sento pra escrever e os próximos dois ou três anos.

E junto desse lar ideal, sempre silencioso e sem caminhões de lixo que passam bem na hora em que aquela ideia emperrada estava virando uma frase, há toda uma vida ideal. Aventuras, amores e prazeres que nunca vão se concretizar.

Assim também são os textos. Agora, por exemplo, queria ter escrito algo que está pairando no meu mundo das ideias. Mas a vida tem de ser vivida do jeito que nos é possível, e ontem meu grande amigo Arpad passou em casa e gastamos a noite fumando e bebendo feito dois marinheiros russos, e no fim, como sempre, acabamos felizes e embriagados, fazendo planos como quando éramos adolescentes.

Claro que a manhã não foi tão feliz. Acordei com a cabeça cheia de Ambev e Philip Morris. Café forte com um resto de suco de laranja pra revigorar, seguido por umas flexões, com dor de cabeça e tudo, só pra mostrar pro corpo quem está no comando.

Depois, banho e um dia inteiro de trabalho, duro e honesto, carteira assinada, ponto batido, burocracias desimportantes, zapeadas no Facebook e um sujeito de macacão azul com uma furadeira que por pouco não liquefez meu cérebro ressaquento.

Enfim, tudo isso pra dizer que o texto ideal continua lá, flutuando feito a peninha do Forrest Gump, em algum lugar inalcançável. Este foi o que consegui oferecer, e se ele está aqui, não há realmente outro. Uma merda razoável, talvez. Imagino, contudo, que tenha ficado melhor, ao menos mais honesto, do que a resenha engraçadinha de outro enlatado americano.

Longe do ideal, mas foda-se. A vida é assim, passa rápido e nunca vem do jeito que a gente planejou. Agora, por exemplo, eu tinha uma bela ideia pra encerrar com um fecho malandro que traria sentido pra essa confusão. Mas o filho da puta da Casa do Espeto começou a cantar Michel Teló com pegada Djavan e, não contente com o estrago, emendou um “Parabéns a Você” na sequência.

Caralho, não tem ideia que resista.

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Estreia hoje a coluna mensal Abelha na Orelha no NR.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Quais mentiras e quais verdades?

ALESP: caso Pinheirinho em SP
Os discursos dos defensores da operação de reintegração de posse do Pinheirinho ecoaram nos últimos dias. Um exemplo é do senador paulista Aloysio Nunes (PSDB) que, em artigo na Folha de S. Paulo e também da tribuna do Senado, opôs “mentiras” e “verdades” sobre o caso.

Entre suas declarações, estão as afirmações de que não houve “guerra” nem “massacre” e que a operação foi cercada de “cautela” para garantir a “integridade das pessoas e minimizar os danos”.

Não foi o que ouviu este repórter do Nota de Rodapé na quarta-feira, 1 de fevereiro, quando acompanhou a audiência pública sobre a reintegração no dia da abertura do ano de atividades da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

O evento lotou o auditório Franco Montoro com a presença de 230 ex-moradores do Pinheirinho. O objetivo: apurar a ampla quantidade de denúncias de violações de direitos humanos ocorridos na reintegração de posse de um terreno de mais de 1 milhão de quilômetros, naquilo que já ficou conhecido internacionalmente como “Massacre do Pinheirinho”.

A audiência já estava marcada para buscar soluções ao problema habitacional, mas ganhou novos contornos após as denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar e Guarda Civil Municipal, que continuam alvos de reclamações dos ex-moradores e defensores da ocupação que abrigava 9 mil pessoas, hoje desalojadas e que foram jogadas em ginásios tornados depósitos de seres humanos – como vou relatar num próximo texto.

Convocada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP), a audiência recebeu, além dos ex-moradores e parlamentares, movimentos sociais, representantes do Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), partidos políticos e entidades de defesa dos direitos humanos.

Passava das 15h quando a ex-moradora Leila da Silva (na foto à esquerda) subiu à tribuna da Alesp. Mãos trêmulas, voz embargada, ela fez um depoimento rápido.

“Tiraram a gente de casa, demoliram tudo, e nos deixaram em ginásios sem a menor condição. As mulheres tomam banho todas juntas, sem intimidade, sem divisórias. Não há comida pra todos e, quando as doações vão pela Prefeitura, muitas vezes não chegam”, disse, fazendo o pedido de que os donativos sejam entregues diretamente aos ex-moradores.

Após a fala de Leila, palavras de ordem tomaram conta do auditório. “Quem luta não está sozinho, somos todos Pinheirinho” era o protesto na forma de verso.

Um dos líderes da ocupação, Sérgio Pires, deu seu testemunho. “O que eu vi lá não foi só tortura física, foi tortura mental. Derrubaram as casas com tudo dentro, nem comida deixaram tirar. A ordem era acabar com o movimento de ocupação, deixar todos em estado de necessidade extrema”, destacou.

Em seguida, a Polícia Militar, tão envolvida nas denúncias de violação a direitos humanos na reintegração de posse, protagonizou momento constrangedor.

Submeteram à revista um grupo de ex-moradores do Pinheirinho. “Já basta o massacre que vocês fizeram no Pinheirinho, não continuem insistindo no erro", ponderou o deputado estadual petista Adriano Diogo.

Carlos Giannazi afirmou que o responsável pela ordem de revistar o grupo partiu do presidente da Casa, deputado estadual Barros Munhoz, do PSDB, mesmo partido do governador Geraldo Alckmin e do prefeito de São José, Eduardo Cury.

"É uma questão que levaremos para discutir, com toda a certeza, ao Colégio de Líderes. Por acaso a polícia revista empresários quando visitam aqui? Não. Então não podem fazer esse tipo de coisa”, declarou.

A revista estimulou os ex-moradores a circular outra denúncia para apuração. Na reintegração, não havia policiais nem guardas municipais femininas. As revistas nas mulheres eram feitas por homens, o que caracterizaria outra falha da operação.

Na audiência, a repórter da Rádio Brasil Atual, Lúcia Rodrigues (na foto à esquerda), que cobriu o caso do Pinheirinho, sendo ameaçada com dois tiros de bala de borracha, confirmou a uso de armas letais.

"Eu vi e sei, eles não estavam só com armas de bala de borracha, estavam com armas letais, sim” garantiu.

A fala da jornalista reforça a tese do uso de armas letais, já com fortes evidências no depoimento gravado por uma comissão de deputados e integrantes de entidades de direitos humanos.

Embora sem presença física, a voz de David Washington Furtado, em áudio gravado, é afirmativa a esse respeito, ao contrário do que dizem os órgãos oficiais.

O pedreiro pernambucano, que morava há sete anos no Pinheirinho, foi ouvido no Hospital Municipal de São José dos Campos, em que está internado após ser atingido por um tiro de arma de fogo, segundo ele, disparado por um guarda municipal.

“Às 5h30 (após escutar tiros e explosões) peguei meu neném e minha esposa. Levei meu filho na casa do meu irmão, na rua 40 do Campo dos Alemães. Voltei para o cadastro da Prefeitura, minha casa estava destruída. Estávamos eu, minha esposa, um amigo e a esposa dele. Vi quando um guarda municipal tirou a arma. Mandei minha esposa correr e não senti mais a perna”, contou.

Moradores despejados do Pinheirinho na ALESP.
Com a perna esquerda paralisada, podendo ter sequelas, David foi alvejado na região lombar e afirma que reconhece o agressor. De acordo com ele, o homem “era um senhor de óculos” e estava com a farda azul da Guarda Civil Municipal, sem capacete, usando um boné.

“É a história mais escondida de São José dos Campos", frisou o deputado Adriano Diogo. "Depois de balear David pelas Costas, a GCM atirou nele, de novo, quando já estava caído no chão. Uma barbaridade", completa, baseado na versão da vítima e de outras testemunhas, como a esposa do pedreiro, Laura.

Estado grave

O aposentado Ivo Teles dos Santos, de 69 anos, natural de Ilhéus, na Bahia, morava sozinho no Pinheirinho e estava desaparecido desde o dia da reintegração. Na última sexta, dia 3, ele foi encontrado pela ex-companheira, Osorina Ferreira de Souza, no Hospital Municipal de São José dos Campos. Ele está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em coma desde o dia da desocupação.

No sábado, 4 de fevereiro, Renato Simões, conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), vereadores da cidade e Antonio Donizete Ferreira, um dos advogados dos ex-moradores, estiveram no hospital, onde comprovaram a internação.

“O senhor Ivo foi espancado por policiais militares no dia da reintegração de posse. Por volta das 16h de sábado, nós pedimos ao hospital o Boletim de Atendimento de Urgência (BAU), que é onde está relatado como Ivo chegou lá. A direção nos negou, disse que só sob ordem judicial”, diz Simões.

Ainda no sábado, após quase três horas de espera, o hospital entregou somente um relatório assinado pelo médico de plantão, Luis Carlos Nacácio e Silva, informando a entrada de Ivo no dia 22 de janeiro, às 18h30, com “quadro confusional e crise hipertensiva”; a “tomografia de crânio mostrou AVCH (acidente vascular cerebral hemorrágico)”.

O vereador Wagner Balieiro foi um dos que esteve no hospital e constatou a situação de Ivo, bem como a negativa da administração em fornecer o Boletim de Atendimento de Urgência que pormenoriza o estado clínico dos pacientes.

“Na verdade, o que chama a atenção neste caso é que a omissão de informações ocorre mesmo com a presença de parlamentares, Defensoria Pública e órgãos de direitos humanos. Isso ocorre, pois a situação de saúde do Ivo tem relação com a reintegração do Pinheirinho, há uma reportagem do jornal O Vale, no dia da desocupação, que descreve as agressões sofridas por ele”, argumenta.

Pelos obstáculos para conseguir o boletim – justificados como interferência direta de Danilo Stanzanni, secretário da Saúde de São José – o grupo que esteve no hospital deve entrar com um mandato de segurança que garanta o acesso às informações.

Moriti Neto, jornalista, colunista do NR. Imagens de Maria Eugênia Sá e Vinicius Souza.

A cabeça de Juarez

Juarez se ajoelhou diante da imagem da Virgem, agarrou o crucifixo da correntinha de ouro com as duas mãos e rezou com tanto fervor e tão alto que chamou a atenção dos outros jogadores, que já haviam começado o aquecimento. Terminada a oração e ainda com os olhos fechados, o goleiro sentiu um arrepio no corpo todo e pressentiu que aquela partida não seria uma mais.

Era a final do campeonato e o Fagulha Esporte Clube precisava vencer para levantar a troféu. Um empate daria o título de campeão amador ao Bandeira Football Club pela melhor campanha durante a competição.

Metade da cidade estava no estádio municipal naquele domingo, numa festa democrática: gente rica e gente pobre, crianças e velhos, autoridades e malandros, putas e travestis.

A banda municipal executou o hino, a rainha da cidade entregou uma placa de homenagem ao empresário local (que bancava o torneio) e a bola por fim começou a rolar.

Como era de se esperar, o Bandeira – muito superior tecnicamente – dominou a partida desde o início. Merreca, o lateral-direito do Fagulha, sofria com os dribles do Esquerdinha, que chegava à linha de fundo como e quando queria, e com tempo para levantar a cabeça e centrar na medida para Bobô, o perigoso camisa 9 colorado.

O centroavante teve quatro chances claras só no primeiro tempo, mas Juarez salvou duas cabeçadas no melhor estilo Gordon Banks, defendeu um chute à queima roupa e, quando foi vencido, viu a trave impedir que o voleio do atacante estufasse a rede.

No intervalo, Juarez rezou de novo, agradeceu à Virgem pela virgindade de sua meta e pediu um golzinho para que o inédito título viesse.

No começo do segundo tempo, Breguete recebeu o segundo cartão amarelo depois de acertar Esquerdinha com um pontapé nas partes baixas.

Trambique, o treinador do time celeste, teve que tirar um atacante para reforçar a defesa. O resultado foi que a bola era sempre do adversário e estava sempre na área de Juarez, que defendeu com o pé, com a mão, com a cabeça (sem querer, é verdade!) e, principalmente, com as orações.

Aos 42 do segundo tempo, o beque Negresco, que passara o jogo inteiro distribuindo cotoveladas e tesouradas, também recebeu o segundo amarelo, deixando o Fagulha com nove em campo.

O empate sem gols permanecia por milagre e a comissão do Bandeira já se mexia no banco de reserva preparando a comemoração. O prefeito da cidade já havia deixado a tribuna rumo ao campo para entregar a taça, pela quinta vez seguida, à equipe colorada, mas ainda havia jogo.

Foi aos 47 do segundo tempo, último lance da partida, que Juarez enxergou seu momento de glória. A bola era do Bandeira, mas o volante atrasou mal para o lateral, que por sua vez procurava pela noiva na arquibancada e não alcançou a pelota.

Escanteio para o Fagulha, o primeiro do jogo. Juarez olhou para o banco de reservas e gritou para o técnico: Posso ir? “Vai, vai. Corre!”, respondeu o treinador.

O camisa 1 saiu em disparada, cruzou o campo todo e chegou na área adversária no exato momento em que Cabral cobrou o corner. A bola veio alta, girando e sua trajetória era uma parábola perfeita que cruzaria a marca do pênalti na altura exata para o arremate de cabeça de Juarez.

O goleiro deu três passos, ganhou impulso e saltou como jamais havia feito na vida, como se asas tivesse e anjo fosse. Viu a bola chegar à sua testa, sentiu um impacto e as luzes do mundo se apagaram.

O goleiro rival saíra determinado a cortar a jogada e acertou com os punhos fechados um pouco da bola e um muito da cabeça de Juarez, que foi levado inconsciente ao hospital e não viu a confusão que se armou em campo.

Cercado, o juiz recebeu chutes e tapas por não ter marcado o pênalti claríssimo. Os jogadores do Bandeira saíram em sua defesa e – com o perdão da palavra – o pau comeu, em campo e nas arquibancadas.

O troféu desapareceu, o prefeito apanhou sem saber de quem e por quê e diferenças familiares e ideológicas foram resolvidas na base da bofetada naquela tarde.

Já era madrugada quando Juarez despertou no hospital e o primeiro que viu foi a silhueta da rechonchuda enfermeira, o que lhe fez pensar que ela era a Virgem e ele estava morto.

Tentou se levantar, mas a mulher vestida de branco, preocupada com o soro que alimentava o paciente, colocou carinhosamente a mão no seu peito e disse para que ficasse tranquilo. Foi quando Juarez lhe agarrou a mão e com um fio de voz perguntou: “Foi gol, não foi, minha Santa”.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A sucursal do inferno

NR apresenta aos seus leitores com exclusividade a abertura do novo romance de Izaías Almada,  A SUCURSAL DO INFERNO, a ser lançado na segunda quinzena de março, em data a definir, pela editora Prumo. 

SÃO PAULO, BRASIL,
ANO DO SENHOR DE 2005

-É ela...

O delegado Montezuma, com sua voz grave, apenas confirmou as suspeitas. Pelo celular informava ao delegado Queiroz, seu superior e diretor da Polícia Federal em São Paulo, a identidade da mulher assaltada junto a uma das margens do lago do Ibirapuera, encontrada bastante ferida.
Ouviu do chefe o que tinha a fazer:

-Quero que dois dos nossos homens acompanhem a vítima até ao Hospital das Clínicas, ajudem no que for preciso e depois me enviem o relatório completo de tudo que for constatado.

A cena, deslocada para aquele recanto bucólico do parque, obrigava aos seus participantes a respirar um ar estranho, de odor pestilento.

Havia qualquer coisa que não se conseguia distinguir muito bem, é verdade, mas que sugeria ou pressupunha, pelo repentino silêncio do vento e dos pássaros madrugadores, terminar em murmúrios cheios de medo, ansiedade e... terror.

O ar, tornado úmido e pesado, alheio a quietude à sua volta, entrecortado aqui e ali de ligeiras sonoridades difusas, distantes, e até pelos primeiros roncos dos ônibus municipais, misturava sem nenhum pudor os cheiros excludentes de pinheiros e eucaliptos com o de peixes mortos a boiarem nas margens do lago.

Não muito distante dali, a maldade insinuava-se por ruas e avenidas da cidade tal qual serpente silenciosa a procura de alimento.

Era apenas outra das primeiras madrugadas de outono na cidade de São Paulo. Tempo em que tímidos recortes de verão, distraídos talvez, mas por vezes persistentes, vão ficando para trás nas irregulares mudanças de estação, assim como alguns dos imprevisíveis aguaceiros que costumam banhar a cidade entre o natal, o carnaval e até mesmo os calmos feriados da semana santa.

Conseguiria a vítima sobreviver?

Indiferentes ao fato, pequenas pontas de vento gelado, finas e cortantes, investiam como aríetes e batiam contra a copa das árvores e das vidraças dos nobres e elegantes edifícios das cercanias do parque, fazendo escorrer pela parte interna e semi aquecida das janelas dos apartamentos pequenas gotas de vapor criadas pelo contraste da temperatura.

Alguém madrugador que naquele instante se arriscasse a abrir as janelas ou persianas dos andares mais altos, em particular as que davam para o parque, teria sua atenção chamada para o piscar das luzes giroscópicas vermelhas e azuis de dois carros, um da Polícia Federal e outro da Polícial Civil, estacionados em frente a uma de suas muitas entradas e que, àquela hora matinal, já recebia os primeiros, corajosos e bem agasalhados andarilhos e ginastas.

O que não se podia descortinar dali, contudo, era o que se passava junto a uma das margens do lago interno, a que se voltava para o lado do monumento aos imigrantes, onde uma ambulância e outras duas viaturas policiais, também com suas luzes coloridas intermitentes, haviam conduzido a equipe da Polícia Federal.

Montezuma chefiava o mais competente e respeitável grupo da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros. Sob sua observação atenta, homens trabalhavam, sisudos, alguns até de mau humor...

As primeiras luzes da manhã invadiam o verdejante cenário, amalgamadas em tons alaranjados e lilases, e deixavam entrever por entre os grossos troncos de eucaliptos espalhados pelo parque, dependendo do ponto de vista do observador, os contornos retilíneos do prédio em formato retangular da Assembleia Legislativa estadual ou o arredondado das cabeças de cavalos e de homens em pedra, de Brecheret, que costumavam ilustrar muitos dos vários cartões postais da cidade.

O local onde estava caída a mulher, sua roupa rasgada, os hematomas por várias partes do corpo, a expressão de sofrimento, pareciam confirmar apenas uma hipótese para a polícia: um assalto premeditado, talvez uma vingança...

O delegado Montezuma e sua equipe foram para ali chamados após receberem o comunicado urgente do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil.

Homens que com seus semblantes sérios e mal protegidos para o frio que começava, mas acostumados a esse tipo de situação, faziam o seu trabalho de maneira mecânica, concentrada e pouco falavam entre si.

Sob o movimento nervoso do facho de luz das poderosas lanternas policiais, o delegado Montezuma abaixou-se enquanto colocava luvas de latex. Tinha o rosto contraído e preocupado, como se tentasse adivinhar o que iria acontecer dali para a frente, pois do caminho de casa para o parque já imaginava o que o esperava e deixou de lado qualquer dúvida sobre o ‘osso duro’ que seriam as investigações. Sua equipe e o doutor Queiroz não seriam importunados àquela hora da manhã por um assaltozinho qualquer...

A quem interessaria aquela violência?

Ano de eleições. O Ministério da Justiça iria jogar pesado, pois tinha interesse em que fatos daquela natureza não interferissem na campanha eleitoral que se iniciava. A opinião pública e determinados jornais, rádios e emissoras de televisão iriam se eriçar. Prato cheio, pensou.

Com delicadeza, o delegado Montezuma retirou a mecha de cabelos molhados que escondia parte do rosto de uma bela mulher, já próxima aos quarenta anos de idade. Em seguida, com os dedos indicador e polegar em forma de pinça, pegou o queixo da moça e virou-lhe delicadamente o rosto de um lado para o outro. Ainda respirava com imensa dificuldade.

A água se encarregara de limpar os vestígios de sangue, mas era nítido e expressivo o rictus de horror estampado naquela face. Os olhos, semiabertos, indicavam pelas pupilas dilatadas o pânico de quem enfrentara alguém ou alguma coisa aterrorizante, de força sobrenatural.

-Removam a moça o mais rápido possível para as Clínicas, ordenou Montezuma.

-Nenhum ferimento mais profundo?

-Delegado...

O policial que ajudava a segurar o corpo chamou a atenção de Montezuma. Indicava o que parecia ser um corte nas costas bem na altura do rim esquerdo. Corte superficial e que parecia ter sido feito propositalmente em forma de cruz. Ao redor do pescoço e nas costas, outros pequenos cortes e a presença de vergões arroxeados.

-Como descobriram a mulher?, perguntou o delegado da Federal para o da Civil.

-Um desses madrugadores que correm por aqui avistou as pernas por trás desses arbustos e ligou para o 190.

-Ele viu algum suspeito?

-Não, mas se identificou se precisarmos dele.

Com algum esforço, o delegado Montezuma conseguia disfarçar o desconforto e a preocupação que sentia, enquanto observava os paramédicos que colocavam a mulher na ambulância.

O silêncio entre os policiais se fez tão ou mais gelado quanto o da manhã que nascia.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

glamour da morte

Como você prefere morrer? Enforcado ou guilhotinado? Eletrocutado ou atirado do décimo quinto andar? Queimado ou afogado? Fuzilado ou apunhalado? Esmigalhado ou envenenado? Assassinado ou suicidado? Num terremoto ou num maremoto? Devagarinho ou ligeirinho? Escolher a maneira de morrer era um jogo que fazíamos, primos e irmãos, na infância.

Evidente que o prazer da brincadeira estava no fato de, para nós crianças, a morte ser apenas uma ideia maluca. Algo tão longínquo quanto uma montanha na Cochinchina. Tão imaterial quanto vestir-se de ar, ou alimentar-se de fogo. Intangível. Talvez por isso fosse tão excitante e lúdico escolher o modus operandi de fenecer.

Hoje, é límpido, eu gostaria de morrer de nada. Ou de morrer de vida. De seguir olhando continuadamente essa represa de Ibiúna - que no imenso silêncio berra sua beleza absoluta. É de frente para a magnificência dessa paisagem que escrevo esta crônica de tamanho mau gosto. Mas o tema se impôs e vamos a ele.

Quando as pessoas de bom coração dizem que a morte nos iguala, estão falando uma meia verdade. Tentando uma forma de consolo para a tremenda desigualdade intervivos. Pois se alguns nascem fadados a oportunidades em série. Outros, a grande maioria, terão que cavar uma única chance como mineiros arranhando rochas de uma mina de lata.

Sim, a morte absoluta nos iguala. Mas as maneiras de morrer carregam imaginários diferentes. Basta reparar: mortos numa queda de avião recebem uma aura de celebridade que é negada aos mortos de um acidente de ônibus. Os primeiros ganham fotos com música de fundo no Yotube, os segundos viram números de estatísticas. "Neste feriado morreram 69 pessoas nas estradas..."

Morrer na explosão de uma lancha perto de uma ilha grega é mais notável do que morrer numa canoa furada no rio Paraná. Morrer afogado na praia de Ipanema é mais elegante do que afogar-se no piscinão do Lago Norte em Brasília. Morrer escalando o Himalaia é dez vezes mais nobre do que enfartar subindo os degraus da Igreja da Penha.

Nas memórias da minha família, a circunstância da morte da tia-avó Zara sempre foi citada, ao contrário do fim das outra tias, porque Zarinha faleceu num hotel em Istambul. Morrer em uma suíte de hotel na exótica Istambul dá muito mais gasolina à imaginação do que receber a extrema-unção na enfermaria de um hospital.

Seja sincero. O que você prefere? Morrer no meio da Piazza San Marco em Veneza, ou numa curva da Estrada M'boi Mirim? É claro que o inverso é também verdadeiro. Para um veneziano será bem charmoso morrer em algum igarapé na Amazônia, isso garantirá mais referências póstumas de seus amigos e parentes.

Epa! Papinho besta! Melhor não preferir. Melhor deixar que o destino decida a forma e o local do nosso the end. Melhor sair da vida debaixo de cobertas quentinhas. Morrer no meio de um sonho, no qual uma fadinha, inteligente e delicada, nos oferece a poção agridoce da imortalidade. Evoé!

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Cooperifa

Vai no clichê mesmo. O coração de São Paulo pulsando, com uma alegria pra mim inesperada. Foi isso que vi no sarau da Cooperifa.

Os poetas, todos intitulados “grande guerreiro”, vão se sucedendo ao microfone plantado no bar do Zé Batidão, com o salão apinhado desses personagens que parecem replicados aos milhões na megalópole. Ninguém mencionou o detalhe da “ocupação principal”, mas o jeitão é de trabalhadores de zero a três salários mínimos.

O tema é o de sempre da poesia: a dor de viver, ali temperada com os sacrifícios da pobreza e da dureza da periferia. A denúncia verborrágica dos rappers, os versos puritanos do marido apaixonado, a musa negra atacando de “canto das três raças”, a mãe adolescente rasgando sua vida invadida e alertando as amigas a usar preservativo, o agitador cultural popular lembrando paixões malditas, jovens gritando sua impotência diante da engrenagem urbana que os tritura, uma lista enorme.

Duas horas e meia de literatura declamada sem pose e sem afetação. Mas com uma alegria, um brilho nos olhos, uma altivez que são como proteína na veia.

Acabou às onze em ponto, hora de trabalhador ir dormir, pra começar tudo de novo na manhã seguinte, bem cedo. De novo, mas com esse frescor de ter se visto e se gostado nos versos escritos em folhas de caderno.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna quinzenal De um tudo no NR.
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