O documentário audiovisual média-metragem “Vila Maria Zélia: histórias de uma São Paulo de ontem, hoje e sempre” que tem a participação do amigo Daniel Reis pretende resgatar a história de uma das vilas operárias mais bem sucedidas no Brasil no início do século 20 em termos de relação empregador-empregado. Criado pelo empresário Jorge Street, um dos fundadores da Fiesp, o local é um símbolo do processo de industrialização e da urbanização da cidade de São Paulo do período. No entanto, trabalhos independentes sofrem com a falta de grana e precisam se virar para angariar recursos.
Em fase de captação, após ter sido pré-qualificado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, nos termos do Edital 2009, referente à Lei 10.923 de 30 de dezembro de 1990, conhecida popularmente como “Lei Mendonça” tanto pessoas jurídicas como físicas podem apoiar o projeto, basta direcionar 20% do Imposto Sobre Serviço (ISS) ou do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU – SP). “O objetivo central deste documentário é resgatar um momento importante da expansão urbana e industrial paulistana, por meio de um patrimônio histórico raro. Afinal, trata-se de uma das últimas vilas operárias que ainda hoje conserva alguns de seus prédios e fachadas originais. A partir das entrevistas dos filhos e netos dos primeiros moradores, a produção construirá um mosaico de lembranças sentimentais e históricas, além de trazer as impressões atuais de habitantes que chegaram posteriormente.”, explicou Daniel ao Nota de Rodapé. O projeto possui um blog que publica as novidades e cada passo da execução desse documentário. Também tem twitter e o flickr com fotos sobre a Vila Maria Zélia.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Aliança PT-PMDB é "jogo da carniça" me disse André Singer em entrevista
Compartilho com vocês a entrevista que fiz com André Singer, Cientista político e ex-porta-voz do presidente Lula. No papo ele compara a aliança PT-PMDB à firmada entre PSDB e PFL em 1994, qualificando a opção como “jogo da carniça”. Um resumão, a partir do que foi publicado originalmente no site da Rede Brasil Atual.
Uma aliança eleitoral com o PMDB pode descaracterizar o PT como partido programático, na visão de André Singer, cientista político e ex-porta-voz da Presidência da República. Ele defende uma separação entre a campanha, quando se definem bandeiras e propostas, da negociação com o Congresso Nacional para garantir governabilidade. A falta de unidade pemedebista em torno de propostas e sua “flexibilidade” para participar da base de qualquer governo são os motivos que colocam a legenda em xeque, na visão do analista.
Os dirigentes dos dois maiores partidos no Congresso vem discutindo, desde 2009, um pré-acordo eleitoral com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como cabeça de chapa. A vice caberia justamente ao PMDB, que detém atualmente a presidência da Câmara e do Senado. O Diretório Nacional petista deu sinais claros, durante seu IV Congresso, realizado em Brasília no último fim de semana, que irá mesmo priorizar o partido. Leia a íntegra.
Uma aliança eleitoral com o PMDB pode descaracterizar o PT como partido programático, na visão de André Singer, cientista político e ex-porta-voz da Presidência da República. Ele defende uma separação entre a campanha, quando se definem bandeiras e propostas, da negociação com o Congresso Nacional para garantir governabilidade. A falta de unidade pemedebista em torno de propostas e sua “flexibilidade” para participar da base de qualquer governo são os motivos que colocam a legenda em xeque, na visão do analista.
Os dirigentes dos dois maiores partidos no Congresso vem discutindo, desde 2009, um pré-acordo eleitoral com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como cabeça de chapa. A vice caberia justamente ao PMDB, que detém atualmente a presidência da Câmara e do Senado. O Diretório Nacional petista deu sinais claros, durante seu IV Congresso, realizado em Brasília no último fim de semana, que irá mesmo priorizar o partido. Leia a íntegra.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Do twitter ao holograma: o que veremos nas próximas eleições?
Muitos políticos têm feito uso da Internet para campanhas eleitorais há quase dez anos e em 2010, certamente, será algo bem mais intenso. Algumas campanhas, mesmo ainda proibidas, já começaram pelas redes sociais. Ciro Gomes (PSB-CE), segundo a Época, disparou no Twitter (@cirofgomes): “candidatíssimo a presidente”.
Nas eleições presidenciais de 2006, eu escrevia na revista Caros Amigos sobre o uso do Youtube pelos principais candidatos brasileiros, Lula e Alckmin. Um ano depois, acompanhei a campanha na Internet dos quatro principais aspirantes à presidência da França e o que vi foi um salto no uso da Internet para esse fim. Teve até candidato no Second Life, a vedete da época.
Neste ano, além das redes sociais que darão o tom das campanhas digitais (Políticos no Twitter), o uso de ferramentas e recursos tecnológicos poderão ser percebidos na Internet e na televisão. No Twitter, vedete nesta altura, dos 513 deputados federais, 253 têm perfil ativo no site, embora os erros de português chamem mais a atenção do que os números:
“Até agora, o que mais tem chamado a atenção dos internautas, porém, é a avalanche de gafes, grosserias e erros de português. Apesar do entusiasmo, a maior parte dos políticos que aderiram ao Twitter parece completamente despreparada para lidar com a nova tecnologia”, diz a publicação semanal.
Em relação aos novos recursos para as campanhas, muitos são os exemplos. Nos Estados Unidos, em 2008, tivemos um holograma da comentarista Jessica Yellin, que estava em Chicago, no estúdio da CNN. Alguma equipe de marketing político mais ousada poderia pensar em algo parecido, por que não? A Realidade Aumentada presente em programas para Iphones e infográficos digitais pode surgir também, por que não aproveitá-la? Apenas ideias.
Ah, e não se pode esquecer dos games. Deixo como exemplo um jogo do Portal UAI sobre as últimas eleições estaduais em Minas Gerais. Nos moldes de um infográfico, o “leitor-eleitor” poderia conhecer melhor o perfil de cada um dos candidatos e compará-los com o seu próprio perfil. A estrutura é simples: um quiz de perguntas e respostas e um gráfico dinâmico com as fotos dos candidatos.
Falamos da relação dos candidatos com a Internet e dos possíveis recursos a serem explorados por eles durante a campanha eleitoral, mas há também o cidadão. Para nós, as redes sociais têm a mesma importância (ou mais) que terá para os candidatos. Sem falar nos blogs, os “cães-de-guarda”, que poderão ser mais úteis aos eleitores.
Em meio a este período eleitoral digital que se inicia, os cidadãos mais atentos podem e devem fazer bom uso dos inúmeros recursos para acompanhar, de perto, a movimentação das campanhas e tudo o que é publicado sobre e por um candidato. Para os políticos amigos da Internet, o cardápio de opções tecnológicas existe e as assessorias já buscam ideias, resta esperar para saber o que realmente veremos nos próximos meses.
Paulo Rodrigo Ranieri é mestre em jornalismo, professor e pesquisador da comunicação no contexto digital, membro do grupo Atopos - ligado a USP - e colunista do Nota de Rodapé; mantém também o espaço Do Analógico ao Digital.
Nas eleições presidenciais de 2006, eu escrevia na revista Caros Amigos sobre o uso do Youtube pelos principais candidatos brasileiros, Lula e Alckmin. Um ano depois, acompanhei a campanha na Internet dos quatro principais aspirantes à presidência da França e o que vi foi um salto no uso da Internet para esse fim. Teve até candidato no Second Life, a vedete da época.
Neste ano, além das redes sociais que darão o tom das campanhas digitais (Políticos no Twitter), o uso de ferramentas e recursos tecnológicos poderão ser percebidos na Internet e na televisão. No Twitter, vedete nesta altura, dos 513 deputados federais, 253 têm perfil ativo no site, embora os erros de português chamem mais a atenção do que os números:
“Até agora, o que mais tem chamado a atenção dos internautas, porém, é a avalanche de gafes, grosserias e erros de português. Apesar do entusiasmo, a maior parte dos políticos que aderiram ao Twitter parece completamente despreparada para lidar com a nova tecnologia”, diz a publicação semanal.
Em relação aos novos recursos para as campanhas, muitos são os exemplos. Nos Estados Unidos, em 2008, tivemos um holograma da comentarista Jessica Yellin, que estava em Chicago, no estúdio da CNN. Alguma equipe de marketing político mais ousada poderia pensar em algo parecido, por que não? A Realidade Aumentada presente em programas para Iphones e infográficos digitais pode surgir também, por que não aproveitá-la? Apenas ideias.
Ah, e não se pode esquecer dos games. Deixo como exemplo um jogo do Portal UAI sobre as últimas eleições estaduais em Minas Gerais. Nos moldes de um infográfico, o “leitor-eleitor” poderia conhecer melhor o perfil de cada um dos candidatos e compará-los com o seu próprio perfil. A estrutura é simples: um quiz de perguntas e respostas e um gráfico dinâmico com as fotos dos candidatos.
Falamos da relação dos candidatos com a Internet e dos possíveis recursos a serem explorados por eles durante a campanha eleitoral, mas há também o cidadão. Para nós, as redes sociais têm a mesma importância (ou mais) que terá para os candidatos. Sem falar nos blogs, os “cães-de-guarda”, que poderão ser mais úteis aos eleitores.
Em meio a este período eleitoral digital que se inicia, os cidadãos mais atentos podem e devem fazer bom uso dos inúmeros recursos para acompanhar, de perto, a movimentação das campanhas e tudo o que é publicado sobre e por um candidato. Para os políticos amigos da Internet, o cardápio de opções tecnológicas existe e as assessorias já buscam ideias, resta esperar para saber o que realmente veremos nos próximos meses.
Paulo Rodrigo Ranieri é mestre em jornalismo, professor e pesquisador da comunicação no contexto digital, membro do grupo Atopos - ligado a USP - e colunista do Nota de Rodapé; mantém também o espaço Do Analógico ao Digital.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Mãe em Surto X Rata de academia
Cheguei à academia atrasada para a aula de boxe. Aí resolvi correr um pouco na esteira, para não perder a viagem. Porque para as mães em surto, principalmente as solteiras, é um sacrifício conseguir ir à academia. Você precisa negociar prazos e riscos, implorar para o pai da criança ficar “só uma horinha, duas vezes por semana” e “agradecer mil vezes” quando ele diz que vai tentar. Foi então que do alto da esteira eu vi uma garota de uns 20 anos passar a catraca e adentrar o recinto. E a imagem foi quase como uma epifania em minha mente suada. Como não sou a Maitena, vou enumerar algumas diferenças básicas entre as espécies.
Mãe em Surto X Rata de academia:
M.S: chega à academia sempre correndo, um pouco descabelada. A catraca trava porque ela se esqueceu de pagar o último boleto. As roupas são basicamente uma leggin que usou durante a gravidez ou comprou para malhar no começo dos anos 90 e um camisetão remanescente do ex-marido. Dá um “oizinho” geral e começa as atividades porque cada minuto vale ouro.
R.A: Não anda, desfila. Passa a catraca dando um oi escandaloso à recepcionista, sua amiga no Orkut. Usa um top minúsculo combinando com os shorts de tecido tecnológico. Os cabelos são perfeitamente penteados em um rabo de cavalo geralmente com luzes. Dá beijinho em todos os musculosos, dos monitores aos que tomam proteína e fazem parte do cenário.
M.S: Se você tem tatuagens maiores do que estrelinhas atrás da orelha ou borboletinhas na canela, esqueça a ajuda. O monitor só virá te socorrer se o supino cair na sua cabeça. Acho que supino nem é nome de aparelho.
R.A: Pede ajuda a cada movimento. Como se com aquela barriga tanquinho ela já não soubesse os exercícios de cor! Sua garrafinha é da Náique.
M.S: Se tiver a sorte de lembrar da bendita garrafinha, a Mãe em Surto pode escolher entre a do Ben 10 ou aquela que ganhou na festa de 3 anos da Maria Clara. Quando termina os exercícios, exatamente dez minutos antes da hora combinada para pegar a criança, sai correndo com aquela leggin 90 mesmo.
R.A: Não faço idéia. Porque elas sempre ficam mais tempo do que eu.
M.S: Pega o filho feliz da vida, vai para casa tomar um banho e se sente uma heroína por ter conseguido cumprir a missão. Curte o filho e uma linda noite de sono.
R.A: Não tem história para publicar quando chega o fim do dia. Há!
Andrea Dip é jornalista e mantém a coluna Mãe em Surto neste Nota de Rodapé
Mãe em Surto X Rata de academia:
M.S: chega à academia sempre correndo, um pouco descabelada. A catraca trava porque ela se esqueceu de pagar o último boleto. As roupas são basicamente uma leggin que usou durante a gravidez ou comprou para malhar no começo dos anos 90 e um camisetão remanescente do ex-marido. Dá um “oizinho” geral e começa as atividades porque cada minuto vale ouro.
R.A: Não anda, desfila. Passa a catraca dando um oi escandaloso à recepcionista, sua amiga no Orkut. Usa um top minúsculo combinando com os shorts de tecido tecnológico. Os cabelos são perfeitamente penteados em um rabo de cavalo geralmente com luzes. Dá beijinho em todos os musculosos, dos monitores aos que tomam proteína e fazem parte do cenário.
M.S: Se você tem tatuagens maiores do que estrelinhas atrás da orelha ou borboletinhas na canela, esqueça a ajuda. O monitor só virá te socorrer se o supino cair na sua cabeça. Acho que supino nem é nome de aparelho.
R.A: Pede ajuda a cada movimento. Como se com aquela barriga tanquinho ela já não soubesse os exercícios de cor! Sua garrafinha é da Náique.
M.S: Se tiver a sorte de lembrar da bendita garrafinha, a Mãe em Surto pode escolher entre a do Ben 10 ou aquela que ganhou na festa de 3 anos da Maria Clara. Quando termina os exercícios, exatamente dez minutos antes da hora combinada para pegar a criança, sai correndo com aquela leggin 90 mesmo.
R.A: Não faço idéia. Porque elas sempre ficam mais tempo do que eu.
M.S: Pega o filho feliz da vida, vai para casa tomar um banho e se sente uma heroína por ter conseguido cumprir a missão. Curte o filho e uma linda noite de sono.
R.A: Não tem história para publicar quando chega o fim do dia. Há!
Andrea Dip é jornalista e mantém a coluna Mãe em Surto neste Nota de Rodapé
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
A morte do papel... pelo menos na declaração do Imposto de Renda
A Receita Federal anunciou que 2010 será o último ano em que a declaração de Imposto de Renda poderá ser feita pelo formulário de papel. A partir do ano que vem a entrega só poderá ser feita pela internet e por disquetes (alguém ainda usa isso?).
Em 2009, foram apenas 127 mil declarações entregues em formato físico, de um total de 25 milhões. O meio-ambiente e o bolso do contribuinte agradecem. Agora, é exagero usar esse anúncio como mais um argumento na discussão sobre a substituição do papel por meios eletrônicos? Eu acredito que não. Em no máximo 10 anos, pelo menos 70% do papel em nossas vidas vai deixar de existir cotidianamente. E na conta eu incluo jornais, livros e revistas, sim! Se você olhar, é uma previsão até bem conservadora.
Pense como era a sua vida há 10 anos. Pensou? Eu, particularmente, não tinha
celular e vociferava que nunca teria um. Notebook era um produto de luxo e a internet banda larga também. Hoje, quem consegue viver sem essas três coisas? E na época em que elas estavam chegando, todo mundo se perguntava se aquilo ia dar certo, se as pessoas iam querer essas coisas no seu dia a dia, se elas teriam futuro.
Empresas e governos de todo o mundo estão investindo mais em sistemas eletrônicos para envio e recebimento de documentos. Então por aí as coisas estão encaminhadas. No lado do consumidor estava tudo meio morno até o mês passado. O único baluarte da era sem-papel era o Kindle, da Amazon. Mas aí veio a Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, onde todas as grandes empresas do setor anunciaram computadores portáteis com tela sensível ao toque e sem teclado – os tablets - que permitem que você leia livros e jornais de uma forma mais confortável do que na tela do computador. Além disso, havia um
pavilhão com nada menos do que 25 fabricantes de leitores de livros eletrônicos. Tinha até um pessoal lançando uma rede social direcionada apenas aos leitores mais aficcionados. Algumas semanas depois, a Apple anunciou o lançamento do seu iPad.
E é aí que o negócio esquenta. A Apple não falou simplesmente que colocaria um produto novo no mercado. Assim como fez com a indústria da música, ela se dedicou aos acordos com as editoras para montar uma loja de livros e está falando também com grandes jornais para que suas notícias estejam no aparelho de uma forma atraente, que faça com que as pessoas tenham vontade de pagar por elas e deixem o papel de lado.
Quando a Amazon lançou a nova geração do Kindle no começo do ano passado, alguém sugeriu o seguinte: seria mais barato para o The New York Times dar um Kindle para seus assinantes com mais de dois anos de casa do que manter sua edição impressa circulando todos os dias. A conta era simples: os custos com impressão e entrega do jornal anualmente ficam em US$ 644 milhões com 830 mil assinantes na categoria de mais de 2 anos. Para dar um Kindle a cada um, o custo seria de US$ 298 milhões, eliminando despesas com impressão e entrega.
Vamos ser sinceros, é um absurdo a quantidade de papel gasto todos os dias para imprimir notícias, sendo que todo esse material vai terminar debaixo de um animal de estimação, ou no lixo em 24 horas, ou menos.
Não tem manejo ambiental, produção controlada nem ecossistema que aguente. Quanto aos livros acho que a discussão é mais complicada, mas não vou falar sobre isso agora - preciso guardar munição para postagens futuras.
Antes que os adoradores do papel me crucifiquem, não estou defendendo que ele deixe de existir. O rádio não morreu por causa da TV. O cinema não morreu por causa do VHS, etcetera, etcetera, etcetera. Vai sempre existir público para tudo - afinal, são mais de 6 bilhões de pessoas no planeta. Mas que o papel vai entrar em uma espécie de coma induzido, isso ele vai.
Gustavo Brigatto é jornalista e escreve sobre tecnologia, mantém a coluna Binária neste Nota de Rodapé
Em 2009, foram apenas 127 mil declarações entregues em formato físico, de um total de 25 milhões. O meio-ambiente e o bolso do contribuinte agradecem. Agora, é exagero usar esse anúncio como mais um argumento na discussão sobre a substituição do papel por meios eletrônicos? Eu acredito que não. Em no máximo 10 anos, pelo menos 70% do papel em nossas vidas vai deixar de existir cotidianamente. E na conta eu incluo jornais, livros e revistas, sim! Se você olhar, é uma previsão até bem conservadora.
Pense como era a sua vida há 10 anos. Pensou? Eu, particularmente, não tinha
celular e vociferava que nunca teria um. Notebook era um produto de luxo e a internet banda larga também. Hoje, quem consegue viver sem essas três coisas? E na época em que elas estavam chegando, todo mundo se perguntava se aquilo ia dar certo, se as pessoas iam querer essas coisas no seu dia a dia, se elas teriam futuro.
Empresas e governos de todo o mundo estão investindo mais em sistemas eletrônicos para envio e recebimento de documentos. Então por aí as coisas estão encaminhadas. No lado do consumidor estava tudo meio morno até o mês passado. O único baluarte da era sem-papel era o Kindle, da Amazon. Mas aí veio a Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, onde todas as grandes empresas do setor anunciaram computadores portáteis com tela sensível ao toque e sem teclado – os tablets - que permitem que você leia livros e jornais de uma forma mais confortável do que na tela do computador. Além disso, havia um
pavilhão com nada menos do que 25 fabricantes de leitores de livros eletrônicos. Tinha até um pessoal lançando uma rede social direcionada apenas aos leitores mais aficcionados. Algumas semanas depois, a Apple anunciou o lançamento do seu iPad.
E é aí que o negócio esquenta. A Apple não falou simplesmente que colocaria um produto novo no mercado. Assim como fez com a indústria da música, ela se dedicou aos acordos com as editoras para montar uma loja de livros e está falando também com grandes jornais para que suas notícias estejam no aparelho de uma forma atraente, que faça com que as pessoas tenham vontade de pagar por elas e deixem o papel de lado.
Quando a Amazon lançou a nova geração do Kindle no começo do ano passado, alguém sugeriu o seguinte: seria mais barato para o The New York Times dar um Kindle para seus assinantes com mais de dois anos de casa do que manter sua edição impressa circulando todos os dias. A conta era simples: os custos com impressão e entrega do jornal anualmente ficam em US$ 644 milhões com 830 mil assinantes na categoria de mais de 2 anos. Para dar um Kindle a cada um, o custo seria de US$ 298 milhões, eliminando despesas com impressão e entrega.
Vamos ser sinceros, é um absurdo a quantidade de papel gasto todos os dias para imprimir notícias, sendo que todo esse material vai terminar debaixo de um animal de estimação, ou no lixo em 24 horas, ou menos.
Não tem manejo ambiental, produção controlada nem ecossistema que aguente. Quanto aos livros acho que a discussão é mais complicada, mas não vou falar sobre isso agora - preciso guardar munição para postagens futuras.
Antes que os adoradores do papel me crucifiquem, não estou defendendo que ele deixe de existir. O rádio não morreu por causa da TV. O cinema não morreu por causa do VHS, etcetera, etcetera, etcetera. Vai sempre existir público para tudo - afinal, são mais de 6 bilhões de pessoas no planeta. Mas que o papel vai entrar em uma espécie de coma induzido, isso ele vai.
Gustavo Brigatto é jornalista e escreve sobre tecnologia, mantém a coluna Binária neste Nota de Rodapé
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Ilha das Flores em versão Direito à Comunicação
"Vídeo produzido pelo Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung remonta o curta ILHA DAS FLORES de Jorge Furtado com a temática do direito à comunicação. A obra faz um retrato da concentração dos meios de comunicação existente no Brasil." Minha opinião: vídeo necessário, instigante, informativo, didático e feito sobre uma ótica bem-humorada, sem apelar para raivas desnecessárias. Tívessemos mais gente fazendo este tipo de serviço do bem a população teria mais consciência e entenderia melhor o mundo que a rodeia. Indicação do amigo e colunista Izaías Almada.
Intervozes - Levante sua voz from Pedro Ekman on Vimeo.
Intervozes - Levante sua voz from Pedro Ekman on Vimeo.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Cuarteto de Nos, e o clipe mais ‘loco’ da história
Esta coluna começa com um convite: assista a este clipe.
Conheci o Cuarteto de Nos dessa forma, com uma amiga me chamando, durante um intervalo de aula, para assistir o clipe mais louco da história da música latinoamericana (acho que foi mais ou menos isso que ela me disse).
A amiga é Sol Aliverti, argentina de Córdoba, companheira de profissão, de visão de mundo e de amor à música.
Achei que para falar dos donos desse clipe maluco ela seria mais indicada do que eu. Pedi e ela topou.
Já com a tecla SAP devidamente ligada, com vocês Sol Aliverti e o Cuarteto de Nos.
Escutar o Cuarteto de Nos. Levar um cd no carro, aprender as canções de memória e cantá-las seguindo o ritmo com as mãos no volante. É preciso fazê-lo. Esse grupo de músicos nascidos e criados no Uruguai criou uma fórmula de rock única e transcendeu gerações. Desde 1984 os irmãos Roberto e Ricardo Musso, juntos a Santiago Tabella e Álvaro Pintos riem de tudo, mesmo quando falam sério.
Com 12 discos nas costas, chegaram tarde (mais de forma impactante) aos ouvidos de uma geração acostumada aos hits de verão. Acertaram o alvo com “Ya no sé qué hacer conmigo” [essa música maluca que você, se não foi rebelde, escutou acima] e “Yendo a la casa de Damián” do disco Raro, que aqui na Argentina começou a tocar como um mantra em 2006.
(Indo à casa de Damián)
Não foi difícil se apaixonar pelas canções cujas rimas contam um pouco do estado de ânimos vital de uma geração que procura um caminho:
Seguiram adiante. Com uma cara de pau natural, o Cuarteto compôs “Me agarré el pipito con el cierre” [prendi o pipi na bargilha] e “Me amo”
(vídeo clip não-oficial feito por uns xaropes colombianos, engraçadinho)
Em 2009 lançaram o último disco, Bipolar, em meio a separação da banda: Riky Musso anunciou que sairia. O futuro do Cuarteto é uma incógnita, mas já produziram muito, fizeram muita gente dançar com as mãozinhas enquanto dirigem.
Se você escutar, será amor à primeira vista.
Tecla SAP desligada
Pra fechar, deixo você com uma música do Cuarteto sobre o sentimento latinoamericano. Tiram onda com isso do Uruguai ser a “Suíça” daqui de baixo (como um dia foi chamada). A letra é fantástica. Até a próxima.
Conheci o Cuarteto de Nos dessa forma, com uma amiga me chamando, durante um intervalo de aula, para assistir o clipe mais louco da história da música latinoamericana (acho que foi mais ou menos isso que ela me disse).
A amiga é Sol Aliverti, argentina de Córdoba, companheira de profissão, de visão de mundo e de amor à música.
Achei que para falar dos donos desse clipe maluco ela seria mais indicada do que eu. Pedi e ela topou.
Já com a tecla SAP devidamente ligada, com vocês Sol Aliverti e o Cuarteto de Nos.
Escutar o Cuarteto de Nos. Levar um cd no carro, aprender as canções de memória e cantá-las seguindo o ritmo com as mãos no volante. É preciso fazê-lo. Esse grupo de músicos nascidos e criados no Uruguai criou uma fórmula de rock única e transcendeu gerações. Desde 1984 os irmãos Roberto e Ricardo Musso, juntos a Santiago Tabella e Álvaro Pintos riem de tudo, mesmo quando falam sério.
Com 12 discos nas costas, chegaram tarde (mais de forma impactante) aos ouvidos de uma geração acostumada aos hits de verão. Acertaram o alvo com “Ya no sé qué hacer conmigo” [essa música maluca que você, se não foi rebelde, escutou acima] e “Yendo a la casa de Damián” do disco Raro, que aqui na Argentina começou a tocar como um mantra em 2006.
(Indo à casa de Damián)
Não foi difícil se apaixonar pelas canções cujas rimas contam um pouco do estado de ânimos vital de uma geração que procura um caminho:
Já mudei o cabelo de cor, já estive contra e estive a favor;Com suas letras, esses uruguaios conseguem fazer da solenidade um lenço e limpam o nariz com ele. Nos contam como é fácil rir de coisas sérias. Mas rir de tudo custou caro ao Cuarteto em 1996, quando escreveram “El dia en que Artigas se emborracho” [O dia que Artigas ficou bêbado]. Foram censurados já que Gervasio Artigas foi o mártir da libertação uruguaia e a justiça do país considerou a música uma ofensa à figura do líder. O disco só pôde ser vendido a maiores de 18 anos e a música só podia ser executada nas rádios altas horas da noite.
o que me dava prazer agora me dá dor, já estive ao outro lado da vitrine
Tenho uma voz que diz sem razão você sempre mudando, já, não mude mais
E eu estou cada vez mais igual já não sei o que fazer comigo
Seguiram adiante. Com uma cara de pau natural, o Cuarteto compôs “Me agarré el pipito con el cierre” [prendi o pipi na bargilha] e “Me amo”
(vídeo clip não-oficial feito por uns xaropes colombianos, engraçadinho)
Me encanta meu aspecto de homem perfeito,Eles dizem que não há outra forma de cantar a transcendência do cotidiano se não dizendo as palavras exatas. Não há mistério nem duplo sentido: dizem o que querem dizer.
eu sou o maior que há; meu único rival é o espelho
À lua eu gostaria de ir, para ver como é o mundo sem mim
Me amo, me amo... desenhei um coração que diz Eu e Eu
Em 2009 lançaram o último disco, Bipolar, em meio a separação da banda: Riky Musso anunciou que sairia. O futuro do Cuarteto é uma incógnita, mas já produziram muito, fizeram muita gente dançar com as mãozinhas enquanto dirigem.
Se você escutar, será amor à primeira vista.
Tecla SAP desligada
Pra fechar, deixo você com uma música do Cuarteto sobre o sentimento latinoamericano. Tiram onda com isso do Uruguai ser a “Suíça” daqui de baixo (como um dia foi chamada). A letra é fantástica. Até a próxima.
Na Colômbia me chamam de gringo ou de alemão em Santo DomingoSol Aliverti é jornalista em Córdoba, na Argentina, e uma apaixonada pelo Brasil. Escreveu especialmente para este Nota de Rodapé na coluna Conexsom Latina do jornalista Ricardo Viel.
Nem em Honduras, Panamá ou Venezuela sabem onde fica o Uruguai
Prefiro falar com um filósofo sueco de quem com um índio guatemalteco
E tenho mais em comum com um romeno do que com um cholo boliviano
Frases memoráveis que nos encantam, decepcionam, emocionam, enraivecem, divertem...
Algumas semanas atrás escrevi aqui sobre frases infantis desconcertantes, frases que – ditas na simplicidade e na inocência das crianças – revelam, por vezes, grande sabedoria e inteligência.
Hoje quero escrever sobre frases que são ou se tornam inesquecíveis para muitos de nós, pois com certeza, em algum momento das nossas vidas lemos ou ouvimos frases que nos encantam, decepcionam, emocionam, enraivecem, divertem ou nos levam a reflexões menos ou mais profundas. Cada um terá as suas para contar. Eu selecionei algumas que me marcaram e gostaria de compartilhá-las com os amigos leitores.
A primeira delas vem de um grande comediante do cinema norte americano dos anos 30 e 40, Grouxo Marx, um dos famosos Irmãos Marx. Convidado para entrar num clube granfino de Nova Iorque (ou de Los Angeles, já não me lembro), deu a seguinte e genial resposta por carta:
Henry Louis Mencken ou simplesmente H.L.Mencken, como assinava muitos de seus artigos no jornal Baltimore Sun, foi um jornalista e crítico de teatro nas primeiras décadas do século 20 nos Estados Unidos. Um livro sobre ele foi publicado no Brasil com tradução de Ruy Castro, um livro de leitura obrigatória, na minha modesta opinião: “O livro dos insultos de H.L.Mencken”. Mencken tem opinião sobre tudo e muitas delas transformaram-se em frases lapidares, irreverentes, demolidoras. Cito uma das mais inocentes:
Izaías Almada é escritor e dramaturgo e colunista do Nota de Rodapé.
Hoje quero escrever sobre frases que são ou se tornam inesquecíveis para muitos de nós, pois com certeza, em algum momento das nossas vidas lemos ou ouvimos frases que nos encantam, decepcionam, emocionam, enraivecem, divertem ou nos levam a reflexões menos ou mais profundas. Cada um terá as suas para contar. Eu selecionei algumas que me marcaram e gostaria de compartilhá-las com os amigos leitores.
A primeira delas vem de um grande comediante do cinema norte americano dos anos 30 e 40, Grouxo Marx, um dos famosos Irmãos Marx. Convidado para entrar num clube granfino de Nova Iorque (ou de Los Angeles, já não me lembro), deu a seguinte e genial resposta por carta:
“Agradeço o convite, mas jamais eu entraria para um clube que me aceitasse como sócio”.A segunda pertence a um famoso político brasileiro dos anos 50, o então deputado Carlos Lacerda, conhecido como ‘O Corvo’, por sua postura agourenta, reacionária e conspirativa, entre outras, contra o governo nacionalista de Getúlio Vargas. Discursava Lacerda no Congresso, quando foi aparteado por um colega com a seguinte frase: “Deputado Lacerda, o que o senhor acaba de dizer entra-me por um ouvido e sai pelo outro”. Esperto como era e rápido nas respostas, Lacerda não teve dúvida:
“Impossível, excelência, porque o som não se propaga no vácuo”.Brilhante resposta.
Henry Louis Mencken ou simplesmente H.L.Mencken, como assinava muitos de seus artigos no jornal Baltimore Sun, foi um jornalista e crítico de teatro nas primeiras décadas do século 20 nos Estados Unidos. Um livro sobre ele foi publicado no Brasil com tradução de Ruy Castro, um livro de leitura obrigatória, na minha modesta opinião: “O livro dos insultos de H.L.Mencken”. Mencken tem opinião sobre tudo e muitas delas transformaram-se em frases lapidares, irreverentes, demolidoras. Cito uma das mais inocentes:
“Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”.Ulisses Guimarães, deputado formado na antiga têmpera do PSD, um dos ícones do atual PMDB e morto em desastre de helicóptero há alguns anos, era tido como grande orador. Realizava mais uma de suas campanhas eleitorais, quando no inflamado discurso que fazia, falando sobre os menos favorecidos na escala social, acrescentou esta pérola:
“Pobre neste país só sente o gosto de carne quando morde a própria língua”.Finalizo com a frase recente que ouvi de um escritor e jornalista norte americano, de nome Chris Hedges. Na entrevista que dava para um programa de televisão Hedges expressava sua decepção com a administração de Obama no seu primeiro ano de governo. O entrevistador, então, perguntou como ele entendia a entrega do Prêmio Nobel da Paz ao presidente dos EUA. Chris Hedges foi curto e grosso:
“Isso mostra que os EUA não têm o monopólio da estupidez!”. Brilhante.A todos um bom início de ano, agora que passou o carnaval...
Izaías Almada é escritor e dramaturgo e colunista do Nota de Rodapé.
Novidade: promoção Izaías Almada e Nota de Rodapé dá 5 exemplares no total!
Gentilmente a Boitempo Editorial e o escritor e colunista Izaías Almada cederam mais dois exemplares do livro Teatro de Arena – Uma estética da resistência. Portanto, em vez de 3 (três) serão 5 (cinco) os exemplares sorteados e autografados pelo autor. O sorteio acorre no dia 21 de março. Para participar é preciso se cadastrar no “Boletim Rodapé” e confirmar sua inscrição no e-mail que receberá na sua caixa postal. Saiba mais. Boa sorte.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Ferve a madrugada
A madrugada esquenta meu sangue,
Minha cabeça roda parada e a despeito do que pensem, a birita não se faz presente.
Daqui, perto, vejo o cheiro entrar pela varanda;
Dizem que é o fenômeno climato-emocional da tranquilidade acachapante que acomete os forasteiros do norte.
A leitura corre as horas e massageia a vista cansada de ver injustiças.
Sem querer, num repentino impulso incolor encho meu travesseiro de sonhos meus.
Durmo, então, a madrugada abençoada.
Fredo Sidarta é poeta em construção diária e concorda com Vinicius de Moraes que diz que "a poesia é fruto da vida de cada um". (Nota de Rodapé)
Minha cabeça roda parada e a despeito do que pensem, a birita não se faz presente.
Daqui, perto, vejo o cheiro entrar pela varanda;
Dizem que é o fenômeno climato-emocional da tranquilidade acachapante que acomete os forasteiros do norte.
A leitura corre as horas e massageia a vista cansada de ver injustiças.
Sem querer, num repentino impulso incolor encho meu travesseiro de sonhos meus.
Durmo, então, a madrugada abençoada.
Fredo Sidarta é poeta em construção diária e concorda com Vinicius de Moraes que diz que "a poesia é fruto da vida de cada um". (Nota de Rodapé)
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Em documentário Espírito de Porco volta do além para narrar sua dura trajetória
“Minha primeira motivação pra fazer Espírito de Porco foi o impulso de sair da zona de conforto”, explica Dauro Veras, jornalista, blogueiro e tuiteiro, um dos autores do documentário Espírito de Porco, entrevistado da vez neste Nota de Rodapé. “A ideia que o Chico Faganello me apresentou em 2005 era instigante: narrar a jornada de um porco na suinocultura industrial pelo ponto de vista do animal. Eu já tinha feito outros bons trabalhos com ele. Assim, o convite pra roteirizar e dirigir o filme em parceria me pareceu uma sequência natural e um bom aprendizado. Topei. Montamos o projeto, ganhamos o prêmio e passei os três anos seguintes lidando com merda”, relata Dauro. Explique-se, pois, a história. Para defender sua espécie das difamações lançadas contra ela ao longo de séculos, um porco recém abatido volta à terra, na condição de espírito. O Espírito de Porco defende os suínos narrando a sua trajetória, desde o nascimento num estado do Sul do Brasil que tem uma das maiores concentrações de porcos do mundo, até quando a sua carne vai para a mesa. O documentário discute a alimentação e a poluição; apresenta os humanos com quem convive e os problemas do seu cotidiano; defende o seu valor e busca semelhanças com as pessoas. E, na sua curta vida, revela algo que quase nunca é levado em conta: o ponto de vista do porco sobre a sua realidade. Esse ponto de vista nega, com veemência, que a sua espécie seja responsável pela poluição e pelas crises da suinocultura industrial, e deixa claro que os humanos têm uma responsabilidade maior pelas desgraças atribuídas ao porco. A seguir, o pernambucano, filho de cearenses, catarinense por adoção, pai de dois meninos, viciado em leitura, curioso e inquieto, Dauro Veras, fala mais sobre o documentário de 2009 vencedor de alguns prêmios e selecionado para participar da 11a. edição do Festival Internacional de Documentários "Santiago Álvarez in Memoriam", de 8 a 13 de março em Santiago de Cuba.
NR - Conte um pouco do que se trata o documentário Espírito de Porco para o leitor do Nota de Rodapé.
Espírito de Porco é um média-metragem sobre os impactos da suinocultura industrial no Oeste de Santa Catarina, uma das regiões que mais produzem porcos no mundo. O narrador é o espírito de um velho porco que volta ao mundo dos vivos para contar a saga de seus irmãos. O cineasta Chico Faganello e eu co-dirigimos esse documentário com R$ 60 mil do prêmio Cinemateca Catarinense / Fundação Catarinense de Cultura. Do início das pesquisas à edição final, dedicamos três anos ao projeto, que envolveu uma equipe de vinte pessoas.
NR - Em uma passagem um sujeito diz: "Eu não gostaria de viver como um porco, mas como um suíno seria interessantíssimo." O que ele quis dizer com isso?
Aquele suinocultor quis dizer, imagino, que a vida dos porcos na indústria da alimentação é melhor que a de muitos humanos. A gente não precisa concordar com ele, mas achei a declaração interessantíssima.
NR - Que mais te marcou no trabalho; sofrimento do bicho, ignorância dos homens ou ganância da indústria?
Lidar com a vida e a morte é marcante, seja de gente ou de animal comestível. Mas evitamos uma abordagem reducionista ou demonizadora. A questão da suinocultura industrial é complexa: envolve tradições culturais, relações econômicas e sociais, hábitos alimentares, demandas do mercado consumidor... A tentação de buscar respostas fáceis é grande, mas levaria ao engano. Muitas vezes me peguei pensando sobre a cadeia de responsabilidades que cria condições para a existência dessa indústria. Quando você risca um fósforo, por exemplo, está queimando, sem saber, uma fração do porco no aglutinante da cabeça do palito.
NR - Como foram as entrevistas, o plano de trabalho do documentário e qual o objetivo de colocar um "porco" narrando sua saga?
Começamos com uma ampla pesquisa sobre a convivência de milhares de anos entre humanos e porcos, passando por aspectos econômicos, ambientais, filosóficos, científicos... Então fizemos um roteiro aberto, em paralelo com as pesquisas de campo e com as filmagens. Por que uma abordagem "suinocêntrica"? A coisificação do porco é fio condutor do documentário. A ideia então foi favorecer o "diálogo com o outro", contribuir para que o espectador reflita sobre o que a humanidade tem em comum com a porcandade. Inevitável pensar sobre o preço que se paga para ter carne à mesa.
NR - Sofreu algum tipo de resistência ou boicote para fazer esse trabalho de reportagem?
O apoio dos moradores do Oeste catarinense durante as filmagens foi fundamental. As pessoas se identificam com a história, em geral têm suinocultores na família e sabem do grave problema da poluição. Houve algumas opiniões contrárias. Um espectador se mostrou preocupado com o possível efeito sobre os adolescentes, que poderiam deixar de comer carne. Acho que isso é superestimar a capacidade do filme de influenciar os hábitos das pessoas. Espírito de Porco não é um panfleto vegetariano, tampouco carnívoro. Apontamos alternativas, mas também deixamos muitas questões para cada um responder por si mesmo. Quanto à grande indústria da carne, não pedimos nem recebemos patrocínio deles. [Na foto: Renato Turnes (esq), ator que fez a voz do porco e os dois diretores, Dauro (centro) e o Chico Faganello]
NR - Depois desse documentário, o que dizer da suinocultura e da indústria que a mantêm?
Não sou especialista, mas pelo que pude observar, o modelo de suinocultura industrial de produção em escala, adotado a partir da década de 1970 no Oeste catarinense, me parece insustentável. É porco demais concentrado num território muito restrito. O dano às águas, ao solo e ao ar nunca foi contabilizado pelas empresas no preço final do produto. É urgente a necessidade de repensar a atividade - de pôr fim ao desastre ambiental e de melhorar as condições de vida dos animais. O filme retrata um momento de uma atividade que está em rápida transformação. Vai ser interessante revê-lo daqui a dez anos e, espero, constatar como as coisas evoluíram.
NR - Lançado em 2009, qual tem sido a percepção das pessoas que têm assistido?
Muito boa. Alguns acharam que devíamos ter sido mais contundentes. Mas esse seria o filmes deles, não o nosso. Optamos por uma narrativa que pudesse interessar diferentes perfis de público. Não é, evidentemente, um filme de entretenimento, mas se você se preocupa com o que põe na boca e com sua relação com outros seres vivos, Espírito de Porco tem algo a lhe dizer.
NR - O documentário foi selecionado para uma premiação em Cuba? Ganhou outros prêmios? A critica elogiou ou fingiu que não viu?
O Porco foi selecionado para participar da 11a. edição do Festival Internacional de Documentários "Santiago Álvarez in Memoriam", de 8 a 13 de março em Santiago de Cuba. Este ano o Brasil é o país convidado. Em agosto de 2009, nosso doc. foi eleito Melhor Filme pelo júri popular da 1ª Mostra Internacional de Cinema pelos Direitos dos Animais, em Curitiba. E em outubro, ganhou um prêmio especial do Júri Internacional no Cine'Eco - Festival Internacional de Cinema Ambiental de Seia, Portugal - uma mostra competitiva com participantes de 30 países. Também exibimos em festivais em Goiás, Fernando de Noronha, Chapecó, Porto Velho e Buenos Aires. Quanto às críticas, até agora foram poucas e boas. Aguardamos a sua.
NR - O que mais dá pra dizer que não está no documentário?
Quem quiser contar mais histórias sobre a indústria dos porcos tem um campo vasto para fuçar. O bem-estar animal e o confinamento em pequenos espaços, por exemplo. Há informações científicas muito interessantes sobre o comportamento do porco em diferentes ambientes. A questão da saúde pública é outro assunto importantíssimo e pouco estudado. Eu adoraria que esse documentário inspirasse outros.
NR - Como a gente assiste? Onde a gente encontra?
Estamos distribuindo o DVD pelo site http://www.faganello.com/loja.php (R$ 15). E, na medida do possível, fazendo exibições em escolas e universidades.
NR - Conte um pouco do que se trata o documentário Espírito de Porco para o leitor do Nota de Rodapé.
Espírito de Porco é um média-metragem sobre os impactos da suinocultura industrial no Oeste de Santa Catarina, uma das regiões que mais produzem porcos no mundo. O narrador é o espírito de um velho porco que volta ao mundo dos vivos para contar a saga de seus irmãos. O cineasta Chico Faganello e eu co-dirigimos esse documentário com R$ 60 mil do prêmio Cinemateca Catarinense / Fundação Catarinense de Cultura. Do início das pesquisas à edição final, dedicamos três anos ao projeto, que envolveu uma equipe de vinte pessoas.
NR - Em uma passagem um sujeito diz: "Eu não gostaria de viver como um porco, mas como um suíno seria interessantíssimo." O que ele quis dizer com isso?
Aquele suinocultor quis dizer, imagino, que a vida dos porcos na indústria da alimentação é melhor que a de muitos humanos. A gente não precisa concordar com ele, mas achei a declaração interessantíssima.
NR - Que mais te marcou no trabalho; sofrimento do bicho, ignorância dos homens ou ganância da indústria?
Lidar com a vida e a morte é marcante, seja de gente ou de animal comestível. Mas evitamos uma abordagem reducionista ou demonizadora. A questão da suinocultura industrial é complexa: envolve tradições culturais, relações econômicas e sociais, hábitos alimentares, demandas do mercado consumidor... A tentação de buscar respostas fáceis é grande, mas levaria ao engano. Muitas vezes me peguei pensando sobre a cadeia de responsabilidades que cria condições para a existência dessa indústria. Quando você risca um fósforo, por exemplo, está queimando, sem saber, uma fração do porco no aglutinante da cabeça do palito.
NR - Como foram as entrevistas, o plano de trabalho do documentário e qual o objetivo de colocar um "porco" narrando sua saga?
Começamos com uma ampla pesquisa sobre a convivência de milhares de anos entre humanos e porcos, passando por aspectos econômicos, ambientais, filosóficos, científicos... Então fizemos um roteiro aberto, em paralelo com as pesquisas de campo e com as filmagens. Por que uma abordagem "suinocêntrica"? A coisificação do porco é fio condutor do documentário. A ideia então foi favorecer o "diálogo com o outro", contribuir para que o espectador reflita sobre o que a humanidade tem em comum com a porcandade. Inevitável pensar sobre o preço que se paga para ter carne à mesa.
NR - Sofreu algum tipo de resistência ou boicote para fazer esse trabalho de reportagem?
O apoio dos moradores do Oeste catarinense durante as filmagens foi fundamental. As pessoas se identificam com a história, em geral têm suinocultores na família e sabem do grave problema da poluição. Houve algumas opiniões contrárias. Um espectador se mostrou preocupado com o possível efeito sobre os adolescentes, que poderiam deixar de comer carne. Acho que isso é superestimar a capacidade do filme de influenciar os hábitos das pessoas. Espírito de Porco não é um panfleto vegetariano, tampouco carnívoro. Apontamos alternativas, mas também deixamos muitas questões para cada um responder por si mesmo. Quanto à grande indústria da carne, não pedimos nem recebemos patrocínio deles. [Na foto: Renato Turnes (esq), ator que fez a voz do porco e os dois diretores, Dauro (centro) e o Chico Faganello]
NR - Depois desse documentário, o que dizer da suinocultura e da indústria que a mantêm?
Não sou especialista, mas pelo que pude observar, o modelo de suinocultura industrial de produção em escala, adotado a partir da década de 1970 no Oeste catarinense, me parece insustentável. É porco demais concentrado num território muito restrito. O dano às águas, ao solo e ao ar nunca foi contabilizado pelas empresas no preço final do produto. É urgente a necessidade de repensar a atividade - de pôr fim ao desastre ambiental e de melhorar as condições de vida dos animais. O filme retrata um momento de uma atividade que está em rápida transformação. Vai ser interessante revê-lo daqui a dez anos e, espero, constatar como as coisas evoluíram.
NR - Lançado em 2009, qual tem sido a percepção das pessoas que têm assistido?
Muito boa. Alguns acharam que devíamos ter sido mais contundentes. Mas esse seria o filmes deles, não o nosso. Optamos por uma narrativa que pudesse interessar diferentes perfis de público. Não é, evidentemente, um filme de entretenimento, mas se você se preocupa com o que põe na boca e com sua relação com outros seres vivos, Espírito de Porco tem algo a lhe dizer.
NR - O documentário foi selecionado para uma premiação em Cuba? Ganhou outros prêmios? A critica elogiou ou fingiu que não viu?
O Porco foi selecionado para participar da 11a. edição do Festival Internacional de Documentários "Santiago Álvarez in Memoriam", de 8 a 13 de março em Santiago de Cuba. Este ano o Brasil é o país convidado. Em agosto de 2009, nosso doc. foi eleito Melhor Filme pelo júri popular da 1ª Mostra Internacional de Cinema pelos Direitos dos Animais, em Curitiba. E em outubro, ganhou um prêmio especial do Júri Internacional no Cine'Eco - Festival Internacional de Cinema Ambiental de Seia, Portugal - uma mostra competitiva com participantes de 30 países. Também exibimos em festivais em Goiás, Fernando de Noronha, Chapecó, Porto Velho e Buenos Aires. Quanto às críticas, até agora foram poucas e boas. Aguardamos a sua.
NR - O que mais dá pra dizer que não está no documentário?
Quem quiser contar mais histórias sobre a indústria dos porcos tem um campo vasto para fuçar. O bem-estar animal e o confinamento em pequenos espaços, por exemplo. Há informações científicas muito interessantes sobre o comportamento do porco em diferentes ambientes. A questão da saúde pública é outro assunto importantíssimo e pouco estudado. Eu adoraria que esse documentário inspirasse outros.
NR - Como a gente assiste? Onde a gente encontra?
Estamos distribuindo o DVD pelo site http://www.faganello.com/loja.php (R$ 15). E, na medida do possível, fazendo exibições em escolas e universidades.
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Kevin Johansen, apresentação única no Brasil
Assunto da primeira (histórica) coluna ConexSom Latina, Kevin Johansen toca nesta quinta-feira (18) em São Paulo. Apresentação única, no Sesc Pompéia, rua Clelia, 93, Pompéia. Inteira sai por R$ 24. Pra quem tem carteirinha do Sesc são seis contos. O show tá marcado pras 21h, na choperia do Sesc. Fica a dica. Aproveite pra ler ou reler a coluna sobre esse cara. Vale a pena. (Ricardo Viel)
As águas confusas de Atibaia
Não sabia bem como entrar nesta história. Na verdade, planejava a estreia no Nota de Rodapé de outra maneira. Foi quando o amigo Thiago Domenici lembrou: “Robert Fisk, meu caro, Robert Fisk”.
Fisk, uma grande referência do jornalismo mundial, realmente tem momentos marcantes na carreira e uma frase sua, emblemática, sintetiza a forma de trabalhar a informação com honestidade intelectual: “como jornalista, você tem de estar do lado da justiça, do equilíbrio, da decência, tem de se posicionar”. Além disso, o correspondente internacional, de larga experiência em coberturas de conflitos, como no Oriente Médio, diz que é “impossível não se envolver no desenrolar dos acontecimentos”. Assim, recuso-me a ser um jornalista robô, preso aos manuais de redação que defendem o distanciamento. Passo, a partir deste texto, a produzir uma série sobre a terra que me acolheu sem medo de vivenciar cada instante apurado ou reportado.
Pois bem. Sou paulistano de nascença, trabalho na megalópole, mas apesar das idas e vindas, minha família fixou residência em Atibaia, quando tinha oito anos de idade, em 1981. Fundada em 1665, a cidade fica a 65 km de distância de São Paulo e tem, aproximadamente, 120 mil habitantes. Fora a capital, está próxima de outros municípios e regiões importantes, como Campinas e Vale do Paraíba. Teoricamente, uma posição estratégica. Teoricamente.
Pouco comentada pela mídia, Atibaia é noticiada, parcas vezes, como a cidade do vôo livre – com a Pedra Grande e seus 1.450 metros de altitude – pelas plantações de flores e morangos ou por receber times de futebol para pré-temporadas e concentrações, principalmente Corinthians e Palmeiras.
Contudo, nos últimos dias, foi mostrada insistentemente por diversos veículos da grande mídia. Era mais um território invadido pelas enchentes. As reportagens, exibidas repetidamente, captavam tragédias familiares, os desabrigados, choros convulsivos, com pontas e mais pontas de sensacionalismo e, na maioria das vezes, vinham cheias de informações superficiais, que não buscavam as causas e menos ainda as consequências dos alagamentos.
Nas matérias aqui no Rodapé, a ideia é apresentar a cidade de maneira realista e abordar questões pouco ou nada exploradas pelo noticiário, como a expansão imobiliária desenfreada, o loteamento indiscriminado, as invasões de áreas de várzea, de preservação ambiental, o déficit habitacional, a história de uma das maiores favelas do interior de São Paulo e desmistificar algumas “lendas” que cercam o município, casos dos slogans/chamarizes de "paraíso quase possível na terra" e "segundo melhor clima do mundo", apenas factóides criados por interesses políticos/econômicos que geraram a falsa imagem de cidade turística, inflacionaram os preços para os moradores e trouxeram, sim, o turismo, mas meramente imobiliário.
Terra retaliada
É só circular pela cidade para notar que ela pode ser considerada uma verdadeira colcha de retalhos. Por dois motivos. Primeiro, duas grandes rodovias a entrecortam, a Dom Pedro e a Fernão Dias, sendo que a última se encarrega (a impressão é de que calculadamente) de dividir o município em dois. Para quem sai de São Paulo em direção a Minas Gerais, do lado direito, o olhar encontra os bairros “mais nobres” com construções opulentas e as chamadas áreas turísticas. Já do lado esquerdo, para onde os visitantes não vão, a visão é encoberta. A pobreza, as grandes deficiências estruturais e a consequente desigualdade ficam oportunamente camufladas.
Outro aspecto é que as terras atibaienses vêm sendo loteadas, fatiadas como um bolo de aniversário, em que cada “convidado”, ao final da “festa”, leva sua parte. Isso ocorre desde a década de 60 e poucas foram as medidas adotadas pelas administrações locais para conter o avanço indiscriminado dos “empreendedores” do ramo imobiliário que promoveram, com a concordância do poder público, a expansão desordenada da construção civil.
Nesse contexto, dois resultados são destacáveis: a dificuldade de levar infraestrutura adequada aos bairros e a edificação de moradias em pontos inapropriados, exemplo das áreas de várzea, margeando os rios.
Natureza culpada?
Não há dúvida de que as tais causas naturais, as chuvas que caíram sobre a região desde dezembro do ano passado, constantemente, contribuíram para que 900 famílias, quase quatro mil pessoas, fossem desalojadas pelas enchentes. Porém há bastante a ser contado e refletido sobre Atibaia, uma cidade maquiada e que, curiosamente, entre as possíveis origens do seu nome, traduzidas do tupi para o português, tem como opção “águas confusas”, que agora parecem querer retomar o que antes lhes pertencia.
Moriti Neto é jornalista, paulistano de nascença, atibaiense de coração e estreia a coluna Escarafunchar neste Nota de Rodapé.
Fisk, uma grande referência do jornalismo mundial, realmente tem momentos marcantes na carreira e uma frase sua, emblemática, sintetiza a forma de trabalhar a informação com honestidade intelectual: “como jornalista, você tem de estar do lado da justiça, do equilíbrio, da decência, tem de se posicionar”. Além disso, o correspondente internacional, de larga experiência em coberturas de conflitos, como no Oriente Médio, diz que é “impossível não se envolver no desenrolar dos acontecimentos”. Assim, recuso-me a ser um jornalista robô, preso aos manuais de redação que defendem o distanciamento. Passo, a partir deste texto, a produzir uma série sobre a terra que me acolheu sem medo de vivenciar cada instante apurado ou reportado.
Pois bem. Sou paulistano de nascença, trabalho na megalópole, mas apesar das idas e vindas, minha família fixou residência em Atibaia, quando tinha oito anos de idade, em 1981. Fundada em 1665, a cidade fica a 65 km de distância de São Paulo e tem, aproximadamente, 120 mil habitantes. Fora a capital, está próxima de outros municípios e regiões importantes, como Campinas e Vale do Paraíba. Teoricamente, uma posição estratégica. Teoricamente.
Pouco comentada pela mídia, Atibaia é noticiada, parcas vezes, como a cidade do vôo livre – com a Pedra Grande e seus 1.450 metros de altitude – pelas plantações de flores e morangos ou por receber times de futebol para pré-temporadas e concentrações, principalmente Corinthians e Palmeiras.
Contudo, nos últimos dias, foi mostrada insistentemente por diversos veículos da grande mídia. Era mais um território invadido pelas enchentes. As reportagens, exibidas repetidamente, captavam tragédias familiares, os desabrigados, choros convulsivos, com pontas e mais pontas de sensacionalismo e, na maioria das vezes, vinham cheias de informações superficiais, que não buscavam as causas e menos ainda as consequências dos alagamentos.
Nas matérias aqui no Rodapé, a ideia é apresentar a cidade de maneira realista e abordar questões pouco ou nada exploradas pelo noticiário, como a expansão imobiliária desenfreada, o loteamento indiscriminado, as invasões de áreas de várzea, de preservação ambiental, o déficit habitacional, a história de uma das maiores favelas do interior de São Paulo e desmistificar algumas “lendas” que cercam o município, casos dos slogans/chamarizes de "paraíso quase possível na terra" e "segundo melhor clima do mundo", apenas factóides criados por interesses políticos/econômicos que geraram a falsa imagem de cidade turística, inflacionaram os preços para os moradores e trouxeram, sim, o turismo, mas meramente imobiliário.
Terra retaliada
É só circular pela cidade para notar que ela pode ser considerada uma verdadeira colcha de retalhos. Por dois motivos. Primeiro, duas grandes rodovias a entrecortam, a Dom Pedro e a Fernão Dias, sendo que a última se encarrega (a impressão é de que calculadamente) de dividir o município em dois. Para quem sai de São Paulo em direção a Minas Gerais, do lado direito, o olhar encontra os bairros “mais nobres” com construções opulentas e as chamadas áreas turísticas. Já do lado esquerdo, para onde os visitantes não vão, a visão é encoberta. A pobreza, as grandes deficiências estruturais e a consequente desigualdade ficam oportunamente camufladas.
Outro aspecto é que as terras atibaienses vêm sendo loteadas, fatiadas como um bolo de aniversário, em que cada “convidado”, ao final da “festa”, leva sua parte. Isso ocorre desde a década de 60 e poucas foram as medidas adotadas pelas administrações locais para conter o avanço indiscriminado dos “empreendedores” do ramo imobiliário que promoveram, com a concordância do poder público, a expansão desordenada da construção civil.
Nesse contexto, dois resultados são destacáveis: a dificuldade de levar infraestrutura adequada aos bairros e a edificação de moradias em pontos inapropriados, exemplo das áreas de várzea, margeando os rios.
Natureza culpada?
Não há dúvida de que as tais causas naturais, as chuvas que caíram sobre a região desde dezembro do ano passado, constantemente, contribuíram para que 900 famílias, quase quatro mil pessoas, fossem desalojadas pelas enchentes. Porém há bastante a ser contado e refletido sobre Atibaia, uma cidade maquiada e que, curiosamente, entre as possíveis origens do seu nome, traduzidas do tupi para o português, tem como opção “águas confusas”, que agora parecem querer retomar o que antes lhes pertencia.
Moriti Neto é jornalista, paulistano de nascença, atibaiense de coração e estreia a coluna Escarafunchar neste Nota de Rodapé.
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Vicentico, você não vai esquecer esta voz
Vicentico diz que durante muito tempo sua voz foi uma preocupação. Rouca, grave, às vezes um pouco desafinada. “Sei que não sou um virtuoso, mas deixei de me torturar por isso”, disse há um par de anos em uma entrevista.
Esse argentino de 45 anos fez história nos anos 80 e 90 com Los Fabulosos Cadillacs (ótima banda de rock argentina) e em 2002 decidiu seguir carreira solo – ainda que oficialmente os Cadillacs nunca acabaram (vira e mexe se reúnem para participações especiais e, em 2009, voltaram a fazer turnê).
Hoje, no terceiro trabalho solo, Vicentico já garantiu espaço na música latino-americana e deixou de lado o “sobrenome” Ex-Cadillacs. A voz, que um dia foi um problema, virou marca. É inconfundível, única. “É como todos os defeitos. Um dia, o cara que sofreu por causa do nariz, percebe que isso é exatamente seu diferencial. Tudo bem, não é uma grande virtude, mas é com isso que vim”.
Talvez tão chocante como a voz é a figura de Vicentico. Tatuagens pelo braço, cabelo espetado, ar de desleixo, bengala em mãos (já contou que a usa não por problema físico, mas por “necessidade pessoal” – “me ajuda a estar dentro de mim”).
Como um tipo assim pode cantar coisas tão doces? Talvez a imagem ajude-o a dizer coisas tão românticas sem soar brega.
Algo contigo
Felicidad
Si me dejan
E esse, ao vivo, com os caras do Calle 13 (de quem já falamos por aqui). Se liga na reação do público quando Vicentico aparece no palco.
Ricardo Viel é jornalista e mantém a coluna Conexsom Latina neste Nota de Rodapé
Esse argentino de 45 anos fez história nos anos 80 e 90 com Los Fabulosos Cadillacs (ótima banda de rock argentina) e em 2002 decidiu seguir carreira solo – ainda que oficialmente os Cadillacs nunca acabaram (vira e mexe se reúnem para participações especiais e, em 2009, voltaram a fazer turnê).
Hoje, no terceiro trabalho solo, Vicentico já garantiu espaço na música latino-americana e deixou de lado o “sobrenome” Ex-Cadillacs. A voz, que um dia foi um problema, virou marca. É inconfundível, única. “É como todos os defeitos. Um dia, o cara que sofreu por causa do nariz, percebe que isso é exatamente seu diferencial. Tudo bem, não é uma grande virtude, mas é com isso que vim”.
Talvez tão chocante como a voz é a figura de Vicentico. Tatuagens pelo braço, cabelo espetado, ar de desleixo, bengala em mãos (já contou que a usa não por problema físico, mas por “necessidade pessoal” – “me ajuda a estar dentro de mim”).
Como um tipo assim pode cantar coisas tão doces? Talvez a imagem ajude-o a dizer coisas tão românticas sem soar brega.
Algo contigo
Preciso te dizer que morro por ter algo contigoBaladas rock-românticas, mas com a presença sempre marcante de tambores, algo de ska, salsa, talvez. Em fotos de divulgação de CD e na maioria dos videoclips, Vicentico tira onda, coloca um terno, faz cara de galã e esconde as tatoos. Nos show, vai de óculos escuro, quase sempre vestido de preto, desarruma o cabelo e volta aos tempos dos Fabulosos Cadillacs.
É que você não percebeu o quanto me custa ser teu amigo
Já não posso me aproximar da tua boca
Sem deseja-la de uma maneira louca
Necesito controlar tua vida, ver quem te beija, quem te abriga
Já me restam poucos caminhos e ainda que possa parecer um desatino.
Não queria morrer sem ter algo contigo
Felicidad
Felicidade, me convidou a sua festa e não fuiVicentico é uma boa trilha sonora para os apaixonados (ontem foi dia dos namorados em vários lugares do mundo, inclusive nos que falam espanhol). Bom pra quem sofre de amor não correspondido. Pra quem está em busca de um, ou já jogou a toalha e acha que nunca o encontrará. Ou seja, além de controlar a comida, fazer exercício físico, não fumar, há outra receita para cuidar do coração: ouvir essa voz inconfundível de Vicentico, cujo nome de batismo é Gabriel Julio Fernández Capello (muito mais “romántico” do que Vicentico, não é não?).
Não me animei, cheguei até o saguão e voltei
Você foi o presente que eu não pude abrir, queimou minhas mãos e fui embora
Pensando que o tempo farias as coisas por mim
Felicidade, felicidade, parado os dois frente à frente
Quis te beijar e se foi de repente
Si me dejan
Se me deixam na rua, eu me ajeitoGostou? Aí vai mais:
Se me soltam no mar, eu volto
Se me botam na prisão, eu me solto
Se a noite fica escuro, eu me acendo
Contra toda a maldade, eu me acerto
O que não posso é me acertar, sem seu amor
O que não posso é arrumar meu coração
Qualquer luta que eu tenha nesta vida
Sem você não sobra nada, sem você eu não poderia
E esse, ao vivo, com os caras do Calle 13 (de quem já falamos por aqui). Se liga na reação do público quando Vicentico aparece no palco.
Ricardo Viel é jornalista e mantém a coluna Conexsom Latina neste Nota de Rodapé
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Dias iguais
Na música relaxante,
Um anestésico cotidiano.
Sobe o som do aparelho,
O veículo roda os cavalos,
Entra um, dois, três; em pé (não tem onde sentar).
Cavalheiro-obrigatório cede o lugar ao idoso,
A jovem gargalha da amiga,
A janela embaçada de suor antigo revela o mendigo que canta a tristeza –
A sede de cachaça aumenta a todo instante.
Muda de faixa, o motoqueiro a mil (pilhado e adrenalizado) quase encontra Deus.
Na música relaxante,
Um anestésico cotidiano.
A injustiça é nua,
Palpável e palatável.
Os gestos são iguais,
Um com a bíblia em punho,
O outro com o revólver.
Cobrador imóvel e o fone esquerdo cai.
O sangue escorreu até a cintura.
Na estatística vale o número,
A vida, em si, não vale – a alma é prisioneira do medo (todos os dias).
A trajetória chega ao fim.
O aparelho é desligado – de volta a realidade.
O sinal é dado,
A porta se abre,
O cotidiano segue.
Fredo Sidarta é poeta em construção diária (Nota de Rodapé)
Um anestésico cotidiano.
Sobe o som do aparelho,
O veículo roda os cavalos,
Entra um, dois, três; em pé (não tem onde sentar).
Cavalheiro-obrigatório cede o lugar ao idoso,
A jovem gargalha da amiga,
A janela embaçada de suor antigo revela o mendigo que canta a tristeza –
A sede de cachaça aumenta a todo instante.
Muda de faixa, o motoqueiro a mil (pilhado e adrenalizado) quase encontra Deus.
Na música relaxante,
Um anestésico cotidiano.
A injustiça é nua,
Palpável e palatável.
Os gestos são iguais,
Um com a bíblia em punho,
O outro com o revólver.
Cobrador imóvel e o fone esquerdo cai.
O sangue escorreu até a cintura.
Na estatística vale o número,
A vida, em si, não vale – a alma é prisioneira do medo (todos os dias).
A trajetória chega ao fim.
O aparelho é desligado – de volta a realidade.
O sinal é dado,
A porta se abre,
O cotidiano segue.
Fredo Sidarta é poeta em construção diária (Nota de Rodapé)
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Invictus emociona, ensina e não é melodrama, aconteceu de verdade na África de Mandela
Invictus, de Clint Eastwood, é ótima pedida para os que desejam uma pausa nas marchinhas e folias deste carnaval. O filme relembra o papel histórico do Mundial de Rúgbi de 1995, África do Sul, no qual Nelson Mandela capitaliza politicamente o esporte em favor das emoções e reações de um país pós-apartheid e que tentava recuperar sua identidade. Não fosse uma história real os críticos e chatos de plantão - ou a junção disso - diriam que é mais um melodrama ou coisa e tal. No entanto, é justamente na veracidade do que aconteceu na história deste país - esporte e política pelo bem comum - que fortalece o filme como exemplo de perdão e busca da igualdade, palavrinha tão importante no nosso cotidiano e tão difícil de praticar ou se alcançar. Em certa cena o capitão da equipe sul-africana protagonizado por Matt Damon (François Pienaar), é questionado pela noiva se está tão pensativo por causa do jogo no dia seguinte. Ele responde que não, que está se perguntando como alguém que fica 27 anos preso (no caso, Mandela, protagonizado brilhantemente por Morgan Freeman) em um espaço tão pequeno pode sair de lá disposto a perdoar aqueles que o prenderam. Baseado no livro Conquistando o Inimigo, do jornalista inglês John Carlin, Invictus é a utopia que virou realidade.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Estreia: Território Europa de Sergio Denicoli
Os bebês que vêm de Paris
Na Europa a lenda diz que os bebês são feitos em Paris e distribuídos pela cegonha. Entre os brasileiros a ave é bem conhecida, mas a história de que seríamos fabricados na cidade-luz não nos soaria bem. São muitos quilômetros de distância e o pobre animal não suportaria tão pesada viagem. No entanto, no Brasil dos novos tempos, da grande potência econômica, do lulismo desmedido, não poderíamos ficar aquém dos nossos companheiros e companheiras do outro lado do Atlântico. Se as cegonhas não suportam a viagem de Paris aos trópicos, vamos ajudá-las a transportar as encomendas comprando os caças do presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Apenas o mundo da fantasia pode explicar os gastos de mais de 12 bilhões de reais, anunciados pelo Brasil, para adquirir aviões de guerra fabricados na França. No seu delírio, o governo tenta justificar a negociação dizendo que não vai comprar apenas caças, mas sim transferência de tecnologia. Só que os próprios jornais parisienses deixam claro que estamos caindo no conto do vigário. Destacam que o ciclo de vida de um avião de combate é de 40 anos. Dizem que, com os 36 caças que devem ser comprados, o Brasil estará equipado até 2050 e, até lá, a tecnologia das aeronaves estará mais do que superada.
A Dassault Aviation, companhia que fabrica os aviões, foi profundamente atingida pela crise e os franceses ficaram impressionados com os frutos do potente lobby de Sarkozy. Ele conseguiu do presidente Lula uma garantia diplomática de preferência, em detrimento aos dois outros concorrentes, os Estados Unidos e a Suécia, que apresentaram propostas mais baratas e tecnicamente melhores, conforme relatório da própria Força Aérea Brasileira. Com a transação em vias de ser concluída, não apenas a empresa será salva de um grande colapso, mas também será garantida a geração de 5 mil empregos na França, com o dinheiro suado dos brasileiros.
Com o valor a ser gasto, o Brasil poderia contratar a mais competente equipe de técnicos e pesquisadores do mundo, para desenvolver uma tecnologia própria. Poderia ainda investir na formação de cientistas brasileiros, projetando o futuro do país com base em educação e não em ilusões militares, que parecem vindas dos filmes de guerra de Hollywood. Algo completamente distante da vocação brasileira.
A guerra que o Brasil tem que vencer é contra os seus traumas, a sua polícia corrupta, as fronteiras mal vigiadas - por onde passam drogas e contrabando, a violência e a corrupção política. Mas, no super Brasil, propagado por um marketing com base em números e não em dados sociais, os nossos grandes problemas são meros detalhes. Nas tabelas dos economistas estamos à frente de muitos países desenvolvidos e precisamos deixar isso claro, posando para a foto com a Torre Eiffel ao fundo. Portanto, é melhor esquecermos os relatórios técnicos, pois o que importa mesmo é que os bebês brasileiros também venham de Paris.
Sergio Denicoli é jornalista e pesquisador de mídias digitais na Universidade do Minho, em Portugal. Estreia hoje sua coluna Território Europa no Nota de Rodapé
Na Europa a lenda diz que os bebês são feitos em Paris e distribuídos pela cegonha. Entre os brasileiros a ave é bem conhecida, mas a história de que seríamos fabricados na cidade-luz não nos soaria bem. São muitos quilômetros de distância e o pobre animal não suportaria tão pesada viagem. No entanto, no Brasil dos novos tempos, da grande potência econômica, do lulismo desmedido, não poderíamos ficar aquém dos nossos companheiros e companheiras do outro lado do Atlântico. Se as cegonhas não suportam a viagem de Paris aos trópicos, vamos ajudá-las a transportar as encomendas comprando os caças do presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Apenas o mundo da fantasia pode explicar os gastos de mais de 12 bilhões de reais, anunciados pelo Brasil, para adquirir aviões de guerra fabricados na França. No seu delírio, o governo tenta justificar a negociação dizendo que não vai comprar apenas caças, mas sim transferência de tecnologia. Só que os próprios jornais parisienses deixam claro que estamos caindo no conto do vigário. Destacam que o ciclo de vida de um avião de combate é de 40 anos. Dizem que, com os 36 caças que devem ser comprados, o Brasil estará equipado até 2050 e, até lá, a tecnologia das aeronaves estará mais do que superada.
A Dassault Aviation, companhia que fabrica os aviões, foi profundamente atingida pela crise e os franceses ficaram impressionados com os frutos do potente lobby de Sarkozy. Ele conseguiu do presidente Lula uma garantia diplomática de preferência, em detrimento aos dois outros concorrentes, os Estados Unidos e a Suécia, que apresentaram propostas mais baratas e tecnicamente melhores, conforme relatório da própria Força Aérea Brasileira. Com a transação em vias de ser concluída, não apenas a empresa será salva de um grande colapso, mas também será garantida a geração de 5 mil empregos na França, com o dinheiro suado dos brasileiros.
Com o valor a ser gasto, o Brasil poderia contratar a mais competente equipe de técnicos e pesquisadores do mundo, para desenvolver uma tecnologia própria. Poderia ainda investir na formação de cientistas brasileiros, projetando o futuro do país com base em educação e não em ilusões militares, que parecem vindas dos filmes de guerra de Hollywood. Algo completamente distante da vocação brasileira.
A guerra que o Brasil tem que vencer é contra os seus traumas, a sua polícia corrupta, as fronteiras mal vigiadas - por onde passam drogas e contrabando, a violência e a corrupção política. Mas, no super Brasil, propagado por um marketing com base em números e não em dados sociais, os nossos grandes problemas são meros detalhes. Nas tabelas dos economistas estamos à frente de muitos países desenvolvidos e precisamos deixar isso claro, posando para a foto com a Torre Eiffel ao fundo. Portanto, é melhor esquecermos os relatórios técnicos, pois o que importa mesmo é que os bebês brasileiros também venham de Paris.
Sergio Denicoli é jornalista e pesquisador de mídias digitais na Universidade do Minho, em Portugal. Estreia hoje sua coluna Território Europa no Nota de Rodapé
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Cena II, o dia D(e) gravação de uma megaprodução
Acordar cedo foi um terror e as pernas já estavam no esquema “escadas não”. No entanto, a gente pode chegar um pouco mais tarde no teatro, porque toda a estrutura já estava montada.
Estava marcado para às 11h a chegada de toda equipe mais a montagem do Back Drop (aqueles painéis que as pessoas param para posar para fotos e entrevistas), a montagem do catering e a chegada dos carregadores. Como tudo estava no horário – inclusive os carregadores – conseguimos até tomar um café no shopping.
A partir das 13h seria feita a mudança de posição de câmeras e grua. Como teríamos público, essa nova disposição de captação seria importante para fazer cenas não apenas do palco, como também da plateia.
E desculpem, mas em noite de Beyoncé em São Paulo, nós estávamos com o teatro super lotado!
De tarde faríamos a gravação da participação da dupla “Victor & Léo” - que passaria apenas algumas horas em São Paulo, vindos de um show e correriam para o sul do Brasil onde tinham outro compromisso na mesma noite. Realmente uma dedicação muito especial e que mostrou que realmente existe uma grande admiração deles por Sergio e Renato.
A equipe da dupla chegou pela manhã e já deixou tudo pronto. Nem quiseram ficar parados esperando a dupla com medo de cair no sono. Estavam acordados desde o dia anterior e teriam que aguentar mais umas doze horas para só então dormir.
Como um capítulo de novela
Os músicos chegaram para um check line (digamos que seja uma rápida passagem de som) às 13h e uma hora depois estava marcada uma reunião geral para que pudéssemos alinhar a dinâmica do show da equipe e definir como seria o processo de gravação.
Em uma gravação o show não ocorre de uma forma normal. Ele sofre algumas paradas, porque tudo precisa funcionar perfeitamente e tem que valer tanto para a captação de áudio como de imagem.
O figurino, por exemplo, não pode sofrer mudanças. Se houver dois ou mais dias de gravação, até mesmo detalhes como um relógio, uma pulseira, precisa ficar igual ao primeiro dia. Tudo isso para que possam fazer edições com continuidade de imagem. É como um capítulo de novela, certos detalhes não podem mudar de um dia para outro. Um erro de letra, mínimo que seja, também é motivo para ter que refazer a música ou uma falha no violão ou num cabo qualquer.
Foi decidido que as “refações” seriam feitas após o show, assim tentamos parar o menos possível. De 22 canções foram refeitas apenas cinco, o que é ótimo! Sergio e Renato encerram a reunião agradecendo o empenho e dedicação de todos, e pedindo que fossemos um grande time para que o show fosse incrível.
Hora de passagem de som para acertar algumas canções que ainda precisam ser alinhadas e meia hora de pausa para colocar o figurino do show, antes da chegada do Victor & Leo que estava marcada para 16h. No horário esperado nada da chegada da dupla. Tentativas de telefonema e caixa postal. O vôo tinha atrasado e uma chuva daquelas caía em São Paulo. E agora?
Mais tensão
Após mais de uma hora de atraso eis que chegam. Nossa preocupação, no entanto, não era com o nosso cronograma, mas porque sabíamos que eles teriam que terminar a gravação até 18h, tempo para que pudessem pegar o vôo para o sul do país. Eles chegaram ao teatro já passada das 17h... Pensam que eles estavam com pressa?
Trocaram de roupa, aqueceram a voz, receberam os empresários no camarim e desceram para gravar. Eles fizeram tudo na maior boa vontade e até tempo para entrevista eles arranjaram. Louvável o comportamento. Problemas nos cabos novamente atrasaram a gravação e mesmo assim eles não perderam o bom humor.
Com participação em duas músicas, entre pausas e ajustes, até que tudo ficasse perfeito foi quase uma hora de gravação. Concluída essa etapa, sem tempo para jantar, faltava o show!
Vejam o making of do Victor & Leo
Com a chuva em São Paulo houve muito atraso na chegada do público e o show que estava marcado para 21h 30 começou depois. Cada minuto que passa e a tensão aumenta e o caos se forma novamente. É a imprensa querendo cinco minutos do artista, convidados que são barrados no credenciamento, o rádio HT que não para de falar no nosso ouvido. De um lado da minha orelha um rádio HT conectado com a segurança da casa para liberar os credenciados e resolver situações de última hora e na outra orelha, outro radio HT para comunicar com o staff de produção (em média 20 pessoas conectadas) e a gente ainda precisa prestar atenção no que acontece em volta.
Surpresa e emoção sertaneja
O Sergio nem poderia imaginar e mantemos em segredo o máximo possível para que a ideia não vazasse. No meio do show o Marco Bavini faria uma participação na música “Filho Adotivo”, já que ele não estava tocando ao lado do pai e do irmão Paulo presentes no palco. A ideia era colocar Bavini no lugar de alguém da platéia numa música antes da homenagem e, no momento certo, ele entraria cantando levantando-se da plateia.
Durante a manhã, marcamos o assento que deveria ser trocado, também combinamos com os iluminadores que um foco de luz seria acesso nesse momento. Era só aguardar. Confesso, eu estava nervosa. Tinha como missão pedir para a pessoa que estava sentada no banco escolhido que, gentilmente, cedesse o lugar alguns minutos para a surpresa.
Quando o público começou a entrar na platéia meu foco era esperar que o lugar fosse ocupado. O tempo passava e nada. Apenas poucos minutos antes das luzes serem apagadas é que finalmente avistei a pessoa que nos ajudaria na missão. E ajudou na maior boa vontade.
O Marcos? Era uma pilha de ansiedade e andava de um lado para o outro tomando doses e doses de Cinzano e eu do outro lado contando os minutos para que o momento chegasse logo. Minha maior preocupação era que o Sergio Reis não notasse a troca de pessoas, pois a iluminação da plateia era super clara.
Lá estávamos tentando não aparecer. Era o dono do assento agachadinho de um lado, o Marcos agachado do outro. Que belo momento quando as luzes se acenderam e lá estava o Sergio procurando de onde vinha a voz. Quando viu o filho, é claro que as lágrimas caíram e Marco caminhou até o palco e terminou a música junto com todos.
Momento pessoal
A segunda parte emocionante do show marcou de maneira pessoal a mim. Quando o Renato Teixeira gravou seu DVD em 2006, uma das maiores emoções que já tive, foi ter visto o compositor Pena Branca cantando aquelas modas de viola que minha avó e bisavó ouviam quando eu era criança. Pude abraçá-lo e agradecer por fazer parte de uma fase tão linda da minha vida.
Menos de quatro anos depois, pude passar alguns instantes ao lado do Tinoco que seria homenageado durante o show. E claro, não perdi a chance de abraçá-lo e agradecer também por ter sido minha trilha sonora durante a infância. A crítica de André Piunti para UOL também destacou esse momento:
Trabalhar com música traz essas recompensas. Sempre sobre um tempinho para fazer novas amizades ou reencontrar pessoas muito bacanas. A gente sofre, aprende, cresce e amadurece. São dias e dias de tensão, sem dormir ou comer direito.
O corpo pede descanso, mas quando acaba o coração fica vazio. Basta acordar no dia seguinte para sentir saudade de tudo e relembrar certos momentos, como:
Espero que esse relato tenha transportado vocês para o meu local de trabalho. O trabalho está previsto para chegar às lojas em maio, porque agora começa o trabalho de pós-produção:
Pagamento de fornecedores + edição de imagens + mixagem de áudio + fechamento de ficha técnica + autoração + arte de capa e um monte de outros processos burocráticos! Ai, ai, ai... não tem fim!
Estava marcado para às 11h a chegada de toda equipe mais a montagem do Back Drop (aqueles painéis que as pessoas param para posar para fotos e entrevistas), a montagem do catering e a chegada dos carregadores. Como tudo estava no horário – inclusive os carregadores – conseguimos até tomar um café no shopping.
A partir das 13h seria feita a mudança de posição de câmeras e grua. Como teríamos público, essa nova disposição de captação seria importante para fazer cenas não apenas do palco, como também da plateia.
E desculpem, mas em noite de Beyoncé em São Paulo, nós estávamos com o teatro super lotado!
De tarde faríamos a gravação da participação da dupla “Victor & Léo” - que passaria apenas algumas horas em São Paulo, vindos de um show e correriam para o sul do Brasil onde tinham outro compromisso na mesma noite. Realmente uma dedicação muito especial e que mostrou que realmente existe uma grande admiração deles por Sergio e Renato.
A equipe da dupla chegou pela manhã e já deixou tudo pronto. Nem quiseram ficar parados esperando a dupla com medo de cair no sono. Estavam acordados desde o dia anterior e teriam que aguentar mais umas doze horas para só então dormir.
Como um capítulo de novela
Os músicos chegaram para um check line (digamos que seja uma rápida passagem de som) às 13h e uma hora depois estava marcada uma reunião geral para que pudéssemos alinhar a dinâmica do show da equipe e definir como seria o processo de gravação.
Em uma gravação o show não ocorre de uma forma normal. Ele sofre algumas paradas, porque tudo precisa funcionar perfeitamente e tem que valer tanto para a captação de áudio como de imagem.
O figurino, por exemplo, não pode sofrer mudanças. Se houver dois ou mais dias de gravação, até mesmo detalhes como um relógio, uma pulseira, precisa ficar igual ao primeiro dia. Tudo isso para que possam fazer edições com continuidade de imagem. É como um capítulo de novela, certos detalhes não podem mudar de um dia para outro. Um erro de letra, mínimo que seja, também é motivo para ter que refazer a música ou uma falha no violão ou num cabo qualquer.
Foi decidido que as “refações” seriam feitas após o show, assim tentamos parar o menos possível. De 22 canções foram refeitas apenas cinco, o que é ótimo! Sergio e Renato encerram a reunião agradecendo o empenho e dedicação de todos, e pedindo que fossemos um grande time para que o show fosse incrível.
Hora de passagem de som para acertar algumas canções que ainda precisam ser alinhadas e meia hora de pausa para colocar o figurino do show, antes da chegada do Victor & Leo que estava marcada para 16h. No horário esperado nada da chegada da dupla. Tentativas de telefonema e caixa postal. O vôo tinha atrasado e uma chuva daquelas caía em São Paulo. E agora?
Mais tensão
Após mais de uma hora de atraso eis que chegam. Nossa preocupação, no entanto, não era com o nosso cronograma, mas porque sabíamos que eles teriam que terminar a gravação até 18h, tempo para que pudessem pegar o vôo para o sul do país. Eles chegaram ao teatro já passada das 17h... Pensam que eles estavam com pressa?
Trocaram de roupa, aqueceram a voz, receberam os empresários no camarim e desceram para gravar. Eles fizeram tudo na maior boa vontade e até tempo para entrevista eles arranjaram. Louvável o comportamento. Problemas nos cabos novamente atrasaram a gravação e mesmo assim eles não perderam o bom humor.
Com participação em duas músicas, entre pausas e ajustes, até que tudo ficasse perfeito foi quase uma hora de gravação. Concluída essa etapa, sem tempo para jantar, faltava o show!
Vejam o making of do Victor & Leo
Com a chuva em São Paulo houve muito atraso na chegada do público e o show que estava marcado para 21h 30 começou depois. Cada minuto que passa e a tensão aumenta e o caos se forma novamente. É a imprensa querendo cinco minutos do artista, convidados que são barrados no credenciamento, o rádio HT que não para de falar no nosso ouvido. De um lado da minha orelha um rádio HT conectado com a segurança da casa para liberar os credenciados e resolver situações de última hora e na outra orelha, outro radio HT para comunicar com o staff de produção (em média 20 pessoas conectadas) e a gente ainda precisa prestar atenção no que acontece em volta.
A dor de barriga vem mesmo quando você ouve no rádio:E assim começou o show com os grandes clássicos. Tocaram Comitiva Esperança, Amanheceu, peguei a viola, Menino da Porteira, Amora, entre outras... O show teve vários momentos engraçados, afinal de contas estamos falando de dois contadores de histórias. Aliás, o clima era o mesmo durante a passagem de som.
• 10 minutos para começar
• Blackout no palco (apagar completamente as luzes para que a banda possa se posicionar)
• 05 minutos para começar
• Artistas na coxia
• 01 minuto para começar
• Sergio e Renato entram no palco.
• Era agora ou nunca.
Surpresa e emoção sertaneja
O Sergio nem poderia imaginar e mantemos em segredo o máximo possível para que a ideia não vazasse. No meio do show o Marco Bavini faria uma participação na música “Filho Adotivo”, já que ele não estava tocando ao lado do pai e do irmão Paulo presentes no palco. A ideia era colocar Bavini no lugar de alguém da platéia numa música antes da homenagem e, no momento certo, ele entraria cantando levantando-se da plateia.
Durante a manhã, marcamos o assento que deveria ser trocado, também combinamos com os iluminadores que um foco de luz seria acesso nesse momento. Era só aguardar. Confesso, eu estava nervosa. Tinha como missão pedir para a pessoa que estava sentada no banco escolhido que, gentilmente, cedesse o lugar alguns minutos para a surpresa.
Quando o público começou a entrar na platéia meu foco era esperar que o lugar fosse ocupado. O tempo passava e nada. Apenas poucos minutos antes das luzes serem apagadas é que finalmente avistei a pessoa que nos ajudaria na missão. E ajudou na maior boa vontade.
O Marcos? Era uma pilha de ansiedade e andava de um lado para o outro tomando doses e doses de Cinzano e eu do outro lado contando os minutos para que o momento chegasse logo. Minha maior preocupação era que o Sergio Reis não notasse a troca de pessoas, pois a iluminação da plateia era super clara.
Lá estávamos tentando não aparecer. Era o dono do assento agachadinho de um lado, o Marcos agachado do outro. Que belo momento quando as luzes se acenderam e lá estava o Sergio procurando de onde vinha a voz. Quando viu o filho, é claro que as lágrimas caíram e Marco caminhou até o palco e terminou a música junto com todos.
Momento pessoal
A segunda parte emocionante do show marcou de maneira pessoal a mim. Quando o Renato Teixeira gravou seu DVD em 2006, uma das maiores emoções que já tive, foi ter visto o compositor Pena Branca cantando aquelas modas de viola que minha avó e bisavó ouviam quando eu era criança. Pude abraçá-lo e agradecer por fazer parte de uma fase tão linda da minha vida.
Menos de quatro anos depois, pude passar alguns instantes ao lado do Tinoco que seria homenageado durante o show. E claro, não perdi a chance de abraçá-lo e agradecer também por ter sido minha trilha sonora durante a infância. A crítica de André Piunti para UOL também destacou esse momento:
“(...) um dos acontecimentos mais emocionantes da noite aconteceu longe da dupla. Em um dos intervalos entre uma música e outra, Sérgio Reis anunciou que o cantor Tinoco, 89, estava na platéia e o agradeceu por sua importância na música sertaneja. O público se levantou e ovacionou o cantor, que acenava sorridente.”E as últimas músicas do show foram daquelas para arrancar lágrimas da gente: Violeiro toca, Tocando em frente, Romaria, Preciso ir embora... O que mais impressionou é que o público não arredou o pé do teatro nem na hora das “refações”. Foi sensacional!
Trabalhar com música traz essas recompensas. Sempre sobre um tempinho para fazer novas amizades ou reencontrar pessoas muito bacanas. A gente sofre, aprende, cresce e amadurece. São dias e dias de tensão, sem dormir ou comer direito.
O corpo pede descanso, mas quando acaba o coração fica vazio. Basta acordar no dia seguinte para sentir saudade de tudo e relembrar certos momentos, como:
- O músico João Lavraz que não havia percebido a confusão com o violão da Paula Fernandes;Existem equipes as quais me sinto privilegiada por trabalhar pela primeira vez ou reencontrar. Queridos roadies, técnicos, produtores, músicos, o prazer em trabalhar pela primeira vez com o Sergio Reis (que não deixou de fazer uma gozação com o meu tamanho – ou a falta dele) e o Renato Teixeira que é simplesmente de carne e osso e que eu admiro demais.
- Chico Teixeira que teve que beber cerveja quente;
- Dudu Portes que mostrou as fotos dos seus lindos cachorros;
- As piadinhas via rádio HT que sempre acontecem, mesmo com a bronca dos chefes;
- Sem contar o Marcus Ardanuy, nosso super roadie que foi fumar escondido na saída de emergência e ficou trancado do lado de fora. Teve que pedir ajuda pelo rádio HT, foi gargalhada geral.
Espero que esse relato tenha transportado vocês para o meu local de trabalho. O trabalho está previsto para chegar às lojas em maio, porque agora começa o trabalho de pós-produção:
Pagamento de fornecedores + edição de imagens + mixagem de áudio + fechamento de ficha técnica + autoração + arte de capa e um monte de outros processos burocráticos! Ai, ai, ai... não tem fim!
“Fabi, li o seu trepidante relato! Do nosso lado o bicho também pegou. Um projeto desses é uma lição de vida, pois precisamos lidar com todas as reações humanas possíveis. Particularmente acho que tudo pode ser mais preciso se o dia fosse ampliado de 24 para 48 horas. A velha medida do tempo é que nos atrapalha. O conceito dia-noite, já era, faz tempo e a gente continua vivendo sob a ditadura desse fuso horário milenar e que já não comporta o pique da vida moderna. Todas as cidades com mais de um milhão de habitantes deveriam compor seu cotidiano com um sol e uma lua. Ficaria bem mais cômodo. Principalmente para nós, que lidamos com esse tipo de evento.Fabiana Cardoso é jornalista, produtora e mantém a coluna Penetra Oficial neste Nota de Rodapé. Leia o texto Cena I, relatos de uma megaprodução.
Todos os produtores do mundo poderiam se juntar numa campanha a favor da "revisão operacional das horas", pois, sem dúvida nenhuma, vocês são os mais prejudicados.
No mais muitos beijos e deixo aqui louvada a garra que você demonstrou subindo e descendo aquelas escadas o tempo todo para que tudo desse certo. As pessoas podem até não perceber, mas os aplausos finais são divididos igualmente entre todos nós que, de uma forma ou de outra, realizamos o espetáculo. Não só nesse que realizamos como, também, em todos os outros espetáculos da terra!
bjuz e gracias.
seu amigo, renato t.”
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Elis Regina, arrebatadora
"Como Nossos Pais", poesia composta por Belchior em 1976, interpretada por Elis, a "pimentinha", maior interprete de voz feminina da música brasileira é arrebatadora. A sua interpretação gestual, a expressão encarnada de uma diaba que gritava com afinação a liberdade de um país sabotado no período militar. Ouvir essa música é qualquer coisa. Energia pura. Assista em tela cheia!
Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não se enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que tou por fora ou então que tou inventando
Mas é você que ama o passado é que não vê
É você que ama o passado é que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem deu me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Está em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não se enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que tou por fora ou então que tou inventando
Mas é você que ama o passado é que não vê
É você que ama o passado é que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem deu me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Está em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
CTNBio terá mais um presidente pró-transgênicos
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) definiu há pouco a lista tríplice da qual sairá seu próximo presidente. A substituição do polêmico Walter Colli deve ser definida agora à tarde pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.
De toda maneira, será algum pesquisador pró-transgênicos. Como a comissão é dominada pela turma da biotecnologia, foi fácil que o mais votado fosse Edilson Paiva, que hoje compõe a chamada Área Vegetal da CTNBio. Pesquisador da Embrapa em Minas Gerais, ele defende os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) como forma de suprir a demanda mundial por alimentos.
Na mesma linha, e da mesma área, é Aluizio Borem, professor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Viçosa. Recente reportagem da jornalista Verena Glass ("A Ciência segundo a CTNbio") mostrou que Borem é membro de uma associação que, em 2005, recebeu US$ 161.790 mil da Fundação Monsanto, da empresa de mesmo nome que concentra o mercado mundial de OGMs. Para escrever o livro “Biotecnologia e Meio Ambiente”, aponta Verena Glass, recebeu apoio financeiro de uma fundação que tem entre seus associados Basf, Cargill, DowAgroSciences, Monsanto, Novartis e Syngenta, corporações que mensalmente frequentam a pauta da CTNBio com pedidos de liberações de novos transgênicos – quase sempre atendidas.
Por fim, o terceiro que compõe a lista tríplice é Antônio Euzébio Goulart Santana, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas. É especialista da Área de Meio Ambiente da CNTBio e corre por fora.
De qualquer maneira, não haverá um desfecho feliz para as entidades que defendem a paralisação dos plantios de transgênicos. A CTNBio seguirá seu ritmo de rápida aprovação de novas variedades. E há o risco de que Walter Colli deixe, como última parte de seu legado, uma nova proposta de resolução eliminando o monitoramento pós-liberação de OGMs.
João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé
De toda maneira, será algum pesquisador pró-transgênicos. Como a comissão é dominada pela turma da biotecnologia, foi fácil que o mais votado fosse Edilson Paiva, que hoje compõe a chamada Área Vegetal da CTNBio. Pesquisador da Embrapa em Minas Gerais, ele defende os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) como forma de suprir a demanda mundial por alimentos.
Na mesma linha, e da mesma área, é Aluizio Borem, professor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Viçosa. Recente reportagem da jornalista Verena Glass ("A Ciência segundo a CTNbio") mostrou que Borem é membro de uma associação que, em 2005, recebeu US$ 161.790 mil da Fundação Monsanto, da empresa de mesmo nome que concentra o mercado mundial de OGMs. Para escrever o livro “Biotecnologia e Meio Ambiente”, aponta Verena Glass, recebeu apoio financeiro de uma fundação que tem entre seus associados Basf, Cargill, DowAgroSciences, Monsanto, Novartis e Syngenta, corporações que mensalmente frequentam a pauta da CTNBio com pedidos de liberações de novos transgênicos – quase sempre atendidas.
Por fim, o terceiro que compõe a lista tríplice é Antônio Euzébio Goulart Santana, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas. É especialista da Área de Meio Ambiente da CNTBio e corre por fora.
De qualquer maneira, não haverá um desfecho feliz para as entidades que defendem a paralisação dos plantios de transgênicos. A CTNBio seguirá seu ritmo de rápida aprovação de novas variedades. E há o risco de que Walter Colli deixe, como última parte de seu legado, uma nova proposta de resolução eliminando o monitoramento pós-liberação de OGMs.
João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Cena I, relatos de uma megaprodução
Estou sempre contando as histórias do show business e dessa vez será um relato quase em tempo real... quase, porque enquanto tudo acontece não há tempo de escrever. Hoje, mais de 24 horas após o termino do show, eu começo a contar passo a passo o que esta penetra oficial viveu nos dias de produção do DVD Sergio Reis e Renato Teixeira, gravado no Teatro Bradesco, em 6 de fevereiro.
A primeira visita técnica
No final de outubro recebo o convite para participar da produção do DVD e sem saber muito bem o que seria, confirmo minha presença na visita técnica. Até então eu só sabia que seria um projeto que uniria dois grandes nomes da música regional brasileira: Renato Teixeira e Sergio Reis.
Uma super estrutura, um pé direito dos sonhos de qualquer produção, nove camarins lindos e novos em folha... Fantástico, estava tudo perfeito. Estava?
O DVD seria gravado em dezembro. Mas, tudo veio por água abaixo quando começamos a pensar na logística da situação. Para que conseguíssemos gravar o show no horário estabelecido teríamos que começar a montar todo o equipamento pelo menos uma noite antes, o que se tornou impossível, pois um musical estava em cartaz e não teríamos como montar nada um dia antes. Datas agendadas, convidados especiais agendados, tudo pronto... Não teve jeito, uma nova negociação de data se iniciou.
Antes do carnaval
Dezembro chegou e na semana anterior ao natal uma nova reunião foi feita. Dessa vez para confirmar a nova data e definir o que iria acontecer. Ufa! O DVD seria gravado em fevereiro, então, teríamos tempo suficiente para fazer toda a pré-produção com calma.
Mas veio natal, ano novo, viagens de férias, shows, e quando vimos já era metade de janeiro e o processo de produção ainda estava numa fase pré-natal. Os convidados não tinham data e um problema contratual começava a atrapalhar o processo de produção, os dias passavam e essas questões não se resolviam, pelo contrário, cada dia uma nova epopéia nascia. Para nós produtores, só restava aguardar pela resolução dos fatos.
Somente na última semana de janeiro é que realmente tivemos como colocar a mão na massa. Novamente reunimos toda a equipe para definir mil situações e colocar tudo pra funcionar.
O que parecia impossível teria que ser possível em uma semana.
Reunir dois escritórios, duas equipes de produção, dois artistas. Era trabalho em dobro e uma lição de vida para todos nós. Em tempo recorde teríamos que nos adaptar e montar um time novo para jogar um clássico, após uma semana.
Definir verbas, contratar fornecedores, fechar equipe, negociar valores, montar logística, confirmar convidados, fechar repertório e tudo mais.
A empresa que faria a captação de vídeo do DVD caiu fora da jogada. Desespero pouco é bobagem, parecia que estávamos na estaca zero novamente.
Acreditem ou não, mas, mesmo nessa correria houve um empenho incrível de todos e conseguimos fechar a produção a 72 horas do show e pudemos contar com grandes profissionais. Zé Carratu na cenografia, Danny Nolan no projeto de Luz, Polar Filmes na captação, entre outros mil colaboradores.
Terça, 2, credenciamento do mundo
Depois de fechar todos os fornecedores, tínhamos que cuidar do credenciamento de todos. Exatamente todas as pessoas que iriam entrar no teatro para trabalhar.
Em 48 horas tivemos que montar uma lista com mais de 160 nomes completos + funções + RG, mas isso não é nada quando você precisa alinhar todos os horários para que nenhuma montagem saia errada e comprometa o momento da gravação.
Para isso, conseguimos negociar com o teatro a nossa entrada para o dia 04 no final da tarde. Assim, seria montado o cenário do Zé Carratu, a afinação de luz fixa da casa e isso já ajudaria muito para que na sexta feira tudo estivesse ok para o restante do equipamento pesado.
Quinta, 4, o roadie sumiu
O dia não poderia começar melhor, tínhamos recebido a notícia que seria um show SOLD OUT, ou seja, casa cheia, ingressos esgotados! Mesmo com tantas dificuldades e pouco tempo de divulgação, os fãs deram seu recado e iriam comparecer em massa ao show. Tínhamos o dever de fazer o melhor por eles.
Na tarde do dia 04, estava agendado um ensaio final para que toda a parte técnica pudesse entender a concepção do show, e principalmente para que os roadies pudessem se alinhar com a montagem de palco, que não era fácil. A quantidade de instrumentos era tanta e a bateria do Dudu Portes é tão grande, que se eu fosse roadie teria pensado: fazer ou não fazer, eis a questão.
Ao ler e-mail por e-mail da minha caixa de entrada vejo a seguinte mensagem:
Deve ter por aí um santo padroeiro dos produtores. Não tenho dúvida.
Com roadies acertados, luz básica afinada e o cenário montado, tudo parecia estar perfeito. O que restava para sexta feira? Montar o piso em carpete preto, o mapa de palco da banda, iluminação extra, e claro que tudo isso depende do trabalho de uma equipe muito importante: os carregadores.
Sexta, 6, onde estão os carregadores?
O dia começou às 5h da manhã. Tempo para tomar banho, colocar a mochila nas costas, vestir a roupa preta básica, e seguir para o teatro.
Tudo estava dentro do combinado, mas minutos antes de chegar recebo uma ligação do Bruno avisando que os carregadores (que deveriam chegar às 7h 30) não estavam no teatro.
Quando finalmente consigo um retorno telefônico descubro que eles ainda estavam em Santo Amaro. Já era mais de 8h 30 e o caminhão com o equipamento de luz aguardava nas Docas do Teatro. Foi um Deus nos acuda, pois atrás do caminhão da luz extra, chegou o caminhão com os praticáveis, o carro do catering, a van com o maquinário de captação (trilhos, gruas, etc). Congestionamento geral e chilique geral da pessoa que vos escreve. Tivemos que apelar para contratação extra de carregadores para que o cronograma não atrasasse mais, além das duas horas em que já estava atrasado. Nossos carregadores chegaram às 10h. Que tal para começar o dia?
Piso montado, luz afinada, cenário lindo e iluminado, instrumentos prontos, aquele corre-corre que eu sinceramente adoro! A coisa parecia ter entrado nos eixos. A não ser pelo elevador que resolveu quebrar no meio do dia e assim fazer com que a gente tivesse que subir dois, três, quatro lances de escada toda vez que precisássemos sair do teatro ou ir até algum camarim. Mas, vida de produtor é assim: sempre pode piorar!
Teríamos uma gravação na sexta, às 21h, pois uma das convidadas do DVD não poderia estar no dia 06/02 e seria a única chance dela estar no DVD. Trata-se da jovem cantora e compositora da música sertaneja Paula Fernandes.
Seu horário de chegada estava combinado para 20h, mas ela e sua produtora chegaram até antes do horário.
Perfeito, o dia estava quase acabando, embora nosso cronograma estivesse com um pouco de atraso, mas até 23h 30 teríamos tempo suficiente. O violão da Paula já estava afinado, todos no palco estavam preparados, bastava apenas chamá-la.
Hora de chamar a Paula e...
Não é que o violão dela caiu da estante e ficou danificado? Como eu disse: sempre pode piorar!
Arranjar outro violão seria tarefa fácil se não fosse por um detalhe: Paula é canhota e naquele horário não haveria tempo hábil para arranjar outro violão que tivesse as cordas invertidas. Liga daqui, liga dali e quando uma solução apareceu já era mais de 22h.
A gravação começou a ser feita com ela após as 23h e teríamos apenas 30 minutos para encerrar a gravação. Claro que não deu certo e saímos de lá mais de meia noite. O que importa é que a Paula foi extremamente calma e teve muita paciência para aguardar a resolução do caos. Era o santo padroeiro em ação novamente
Terminávamos o dia com uma parte do processo pronto. Hora de dormir e acordar bem disposta para o dia da gravação.
Fabiana Cardoso é jornalista, produtora e colunista do Nota de Rodapé. Amanhã a cena final, o dia D(e) gravação.
A primeira visita técnica
No final de outubro recebo o convite para participar da produção do DVD e sem saber muito bem o que seria, confirmo minha presença na visita técnica. Até então eu só sabia que seria um projeto que uniria dois grandes nomes da música regional brasileira: Renato Teixeira e Sergio Reis.
Uma super estrutura, um pé direito dos sonhos de qualquer produção, nove camarins lindos e novos em folha... Fantástico, estava tudo perfeito. Estava?
O DVD seria gravado em dezembro. Mas, tudo veio por água abaixo quando começamos a pensar na logística da situação. Para que conseguíssemos gravar o show no horário estabelecido teríamos que começar a montar todo o equipamento pelo menos uma noite antes, o que se tornou impossível, pois um musical estava em cartaz e não teríamos como montar nada um dia antes. Datas agendadas, convidados especiais agendados, tudo pronto... Não teve jeito, uma nova negociação de data se iniciou.
Antes do carnaval
Dezembro chegou e na semana anterior ao natal uma nova reunião foi feita. Dessa vez para confirmar a nova data e definir o que iria acontecer. Ufa! O DVD seria gravado em fevereiro, então, teríamos tempo suficiente para fazer toda a pré-produção com calma.
Mas veio natal, ano novo, viagens de férias, shows, e quando vimos já era metade de janeiro e o processo de produção ainda estava numa fase pré-natal. Os convidados não tinham data e um problema contratual começava a atrapalhar o processo de produção, os dias passavam e essas questões não se resolviam, pelo contrário, cada dia uma nova epopéia nascia. Para nós produtores, só restava aguardar pela resolução dos fatos.
Somente na última semana de janeiro é que realmente tivemos como colocar a mão na massa. Novamente reunimos toda a equipe para definir mil situações e colocar tudo pra funcionar.
O que parecia impossível teria que ser possível em uma semana.
Reunir dois escritórios, duas equipes de produção, dois artistas. Era trabalho em dobro e uma lição de vida para todos nós. Em tempo recorde teríamos que nos adaptar e montar um time novo para jogar um clássico, após uma semana.
Definir verbas, contratar fornecedores, fechar equipe, negociar valores, montar logística, confirmar convidados, fechar repertório e tudo mais.
Fotógrafo + Cenógrafo + Light Designer (responsável pelo projeto de luz) + Técnicos de som + Roadies (é o braço direito do músico. Aquele que afina instrumento, sabe todas as mudanças de instrumentos, monta o palco da maneira que precisa ser feito, enfim, sem ele o show não acontece) + Empresa de captação de áudio + Empresa de captação de imagem + Transporte para artistas e equipe + Hospedagem e passagens aéreas para convidados especiais + Figurino + Maquiagem + Camareira + Carregadores + Abastecimento de camarim + Catering (É como um buffet self service para todos da produção. Assim evita que diante de tantas horas de trabalho a gente coma mal) + Confecção de credenciais + Planejamento de mídia + Credenciamento de imprensa + Lista de Convidados + Lista de credenciamento de todos os envolvidos + Teleprompt + Rider de som + Rider de Luz + Definição de cachês + E por ai vai...E quando a gente pensa que nada mais pode dar errado, alguns dias antes do evento recebo a ligação do Bruno Solino, produtor da Sunshine que solta: “Faby, tenho uma bomba para falar”.
A empresa que faria a captação de vídeo do DVD caiu fora da jogada. Desespero pouco é bobagem, parecia que estávamos na estaca zero novamente.
Acreditem ou não, mas, mesmo nessa correria houve um empenho incrível de todos e conseguimos fechar a produção a 72 horas do show e pudemos contar com grandes profissionais. Zé Carratu na cenografia, Danny Nolan no projeto de Luz, Polar Filmes na captação, entre outros mil colaboradores.
Terça, 2, credenciamento do mundo
Depois de fechar todos os fornecedores, tínhamos que cuidar do credenciamento de todos. Exatamente todas as pessoas que iriam entrar no teatro para trabalhar.
Em 48 horas tivemos que montar uma lista com mais de 160 nomes completos + funções + RG, mas isso não é nada quando você precisa alinhar todos os horários para que nenhuma montagem saia errada e comprometa o momento da gravação.
Para isso, conseguimos negociar com o teatro a nossa entrada para o dia 04 no final da tarde. Assim, seria montado o cenário do Zé Carratu, a afinação de luz fixa da casa e isso já ajudaria muito para que na sexta feira tudo estivesse ok para o restante do equipamento pesado.
Quinta, 4, o roadie sumiu
O dia não poderia começar melhor, tínhamos recebido a notícia que seria um show SOLD OUT, ou seja, casa cheia, ingressos esgotados! Mesmo com tantas dificuldades e pouco tempo de divulgação, os fãs deram seu recado e iriam comparecer em massa ao show. Tínhamos o dever de fazer o melhor por eles.
Na tarde do dia 04, estava agendado um ensaio final para que toda a parte técnica pudesse entender a concepção do show, e principalmente para que os roadies pudessem se alinhar com a montagem de palco, que não era fácil. A quantidade de instrumentos era tanta e a bateria do Dudu Portes é tão grande, que se eu fosse roadie teria pensado: fazer ou não fazer, eis a questão.
Ao ler e-mail por e-mail da minha caixa de entrada vejo a seguinte mensagem:
“(...) Gostaria de uma reavaliação quanto ao valor do cachê devido responsabilidade dos profissionais para realização deste tipo de trabalho (...)”Um dos roadies saiu do projeto por não concordar com os termos de contratação e o outro roadie simplesmente sumiu. Tudo isso no próprio dia 04. Bacana, não? Nós tínhamos apenas 3 horas para arranjar dois roadies que tivessem as datas disponíveis e pudessem correr para o estúdio. E conseguimos!
Deve ter por aí um santo padroeiro dos produtores. Não tenho dúvida.
Com roadies acertados, luz básica afinada e o cenário montado, tudo parecia estar perfeito. O que restava para sexta feira? Montar o piso em carpete preto, o mapa de palco da banda, iluminação extra, e claro que tudo isso depende do trabalho de uma equipe muito importante: os carregadores.
Sexta, 6, onde estão os carregadores?
O dia começou às 5h da manhã. Tempo para tomar banho, colocar a mochila nas costas, vestir a roupa preta básica, e seguir para o teatro.
Tudo estava dentro do combinado, mas minutos antes de chegar recebo uma ligação do Bruno avisando que os carregadores (que deveriam chegar às 7h 30) não estavam no teatro.
Quando finalmente consigo um retorno telefônico descubro que eles ainda estavam em Santo Amaro. Já era mais de 8h 30 e o caminhão com o equipamento de luz aguardava nas Docas do Teatro. Foi um Deus nos acuda, pois atrás do caminhão da luz extra, chegou o caminhão com os praticáveis, o carro do catering, a van com o maquinário de captação (trilhos, gruas, etc). Congestionamento geral e chilique geral da pessoa que vos escreve. Tivemos que apelar para contratação extra de carregadores para que o cronograma não atrasasse mais, além das duas horas em que já estava atrasado. Nossos carregadores chegaram às 10h. Que tal para começar o dia?
Piso montado, luz afinada, cenário lindo e iluminado, instrumentos prontos, aquele corre-corre que eu sinceramente adoro! A coisa parecia ter entrado nos eixos. A não ser pelo elevador que resolveu quebrar no meio do dia e assim fazer com que a gente tivesse que subir dois, três, quatro lances de escada toda vez que precisássemos sair do teatro ou ir até algum camarim. Mas, vida de produtor é assim: sempre pode piorar!
Teríamos uma gravação na sexta, às 21h, pois uma das convidadas do DVD não poderia estar no dia 06/02 e seria a única chance dela estar no DVD. Trata-se da jovem cantora e compositora da música sertaneja Paula Fernandes.
Seu horário de chegada estava combinado para 20h, mas ela e sua produtora chegaram até antes do horário.
Perfeito, o dia estava quase acabando, embora nosso cronograma estivesse com um pouco de atraso, mas até 23h 30 teríamos tempo suficiente. O violão da Paula já estava afinado, todos no palco estavam preparados, bastava apenas chamá-la.
Hora de chamar a Paula e...
Não é que o violão dela caiu da estante e ficou danificado? Como eu disse: sempre pode piorar!
Arranjar outro violão seria tarefa fácil se não fosse por um detalhe: Paula é canhota e naquele horário não haveria tempo hábil para arranjar outro violão que tivesse as cordas invertidas. Liga daqui, liga dali e quando uma solução apareceu já era mais de 22h.
A gravação começou a ser feita com ela após as 23h e teríamos apenas 30 minutos para encerrar a gravação. Claro que não deu certo e saímos de lá mais de meia noite. O que importa é que a Paula foi extremamente calma e teve muita paciência para aguardar a resolução do caos. Era o santo padroeiro em ação novamente
Terminávamos o dia com uma parte do processo pronto. Hora de dormir e acordar bem disposta para o dia da gravação.
Fabiana Cardoso é jornalista, produtora e colunista do Nota de Rodapé. Amanhã a cena final, o dia D(e) gravação.
Os idiotas e as baratas são imbatíveis: Sobreviverão ao próprio planeta
Peço licença aos leitores para reproduzir um artigo que li no blog do Azenha, por sua vez reproduzido também do Diário Gauche e escrito por Cristóvão Feil. É assim que se vai fazendo o novo jornalismo brasileiro, através da verdadeira liberdade de opinião e de informação livre: a internet. Uma contrafação ao jornalismo venal e mentiroso que se pratica no dia a dia dos nossos jornalões, telejornais e revistas semanais, com raríssimas exceções, como se sabe.
“Há um visível recrudescimento na idiotização das pessoas. A mídia é a principal usina de produção em série de idiotas e tolos de todos os calibres. O nivelamento por baixo e o achatamento geral do imaginário médio é a principal contribuição dos modernos meios de comunicação de massas. Hoje, é muito fácil encontrar o que eu chamo de idiota triunfante, aqueles sujeitos que se orgulham da própria ignorância e pobreza de espírito. O tolinho jactancioso tira prazer onanista da sua condição, e se basta. O espírito de nossa época - o Zeitgeist, como diz apropriadamente o alemão - flutua numa emulsão formada por dois elementos: a ciência (as tecnologias) e a idiotice. Os idiotas de nosso tempo se projetam nos gadgets que encontram pelo caminho. Observem: todo o tolo que se preza porta pelo menos um artefato mecânico ou eletrônico. Não vive sem essas muletas. É a sua forma de se referenciar com o mundo, de comunicar a sua estupidez relativa ("afinal, estou conectado ao futuro!"). Mas o fenômeno não é original. Gustave Flaubert, o corrosivo crítico da burguesia, ainda no século 19 já havia detectado o fenômeno da tolice social. Para tanto, começou a colecionar os ditos correntes do senso comum e reuniu-os no famoso Dictionnaire des idées reçues ("Dicionário das ideias feitas", numa tradução livre). O escritor francês comentou - e publicou nesta pequena obra de pouco mais de cem páginas - todas as bobagens ditas pelas pessoas que queriam parecer inteligentes e atualizadas. Aliás, Flaubert seria o descobridor da tolice. Quem garante é Milan Kundera, para quem a tolice é a maior descoberta de um século - o 19 - tão orgulhoso de sua razão científica. Antes de Flaubert não se duvidava da existência da tolice, embora esta fosse compreendida de um modo diferente. A tolice era considerada como uma simples falha do conhecimento, um vazio provisório, passível de ser preenchido pela instrução. Mas Flaubert insiste, e praticamente sustenta a sua obra baseada no tema da tolice e da idiotia. Ema Bovary é uma tola que aspirava ser amada por todos os homens. Bouvard e Pécuchet são dois pequenos idiotas que aspiram conhecimentos enciclopédicos acerca de tudo. Leio agora na Wikipédia que Barthes considerou "Bouvard e Pécuchet" como "uma obra de vanguarda". A considerar a idiotia galopante de nossos dias, pode ser. Kundera brinca afirmando que "a descoberta flaubertiana é mais importante para o futuro da humanidade que as ideias mais perturbadoras de Marx ou de Freud". Pois podemos imaginar o futuro do mundo - prossegue Kundera - sem a luta de classes ou sem a psicanálise, mas não a invasão irresistível das ideias feitas, estandardizadas, pasteurizadas, que, "inscritas nos computadores, propagadas pela mídia, ameaçam tornar-se em breve uma força que esmagará todo o pensamento original e individual e sufocará assim a própria essência da cultura européia dos Tempos Modernos". O mais chocante - constatado pelos geniais romances de Flaubert - é que a tolice não se apaga diante da ciência, das altas tecnologias, da pósmodernidade (seja lá o que isso signifique). Milan Kundera ousa afirmar que "ao contrário, com o progresso, ela também progride!" Arrisco a dizer que os bobalhões e as baratas sobreviverão ao próprio planeta. ‘Coisas da vida’ - como diria Kurt Vonnegut, outro escritor especialista em tolos e idiotas”.
E aqui vai o meu arremate como colunista do Nota de Rodapé: se algum ou vários dos leitores discordam das assertivas acima, particularmente os paulistanos, dêem uma caminhada num sábado de bom tempo pela Rua Oscar Freire, entre as ruas Melo Alves e Padre João Manuel. É a mais pura materialização das ideias de Flaubert.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo e colunista do Nota de Rodapé. Escreveu, entre outros, o livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência”, Ed. Boitempo
“Há um visível recrudescimento na idiotização das pessoas. A mídia é a principal usina de produção em série de idiotas e tolos de todos os calibres. O nivelamento por baixo e o achatamento geral do imaginário médio é a principal contribuição dos modernos meios de comunicação de massas. Hoje, é muito fácil encontrar o que eu chamo de idiota triunfante, aqueles sujeitos que se orgulham da própria ignorância e pobreza de espírito. O tolinho jactancioso tira prazer onanista da sua condição, e se basta. O espírito de nossa época - o Zeitgeist, como diz apropriadamente o alemão - flutua numa emulsão formada por dois elementos: a ciência (as tecnologias) e a idiotice. Os idiotas de nosso tempo se projetam nos gadgets que encontram pelo caminho. Observem: todo o tolo que se preza porta pelo menos um artefato mecânico ou eletrônico. Não vive sem essas muletas. É a sua forma de se referenciar com o mundo, de comunicar a sua estupidez relativa ("afinal, estou conectado ao futuro!"). Mas o fenômeno não é original. Gustave Flaubert, o corrosivo crítico da burguesia, ainda no século 19 já havia detectado o fenômeno da tolice social. Para tanto, começou a colecionar os ditos correntes do senso comum e reuniu-os no famoso Dictionnaire des idées reçues ("Dicionário das ideias feitas", numa tradução livre). O escritor francês comentou - e publicou nesta pequena obra de pouco mais de cem páginas - todas as bobagens ditas pelas pessoas que queriam parecer inteligentes e atualizadas. Aliás, Flaubert seria o descobridor da tolice. Quem garante é Milan Kundera, para quem a tolice é a maior descoberta de um século - o 19 - tão orgulhoso de sua razão científica. Antes de Flaubert não se duvidava da existência da tolice, embora esta fosse compreendida de um modo diferente. A tolice era considerada como uma simples falha do conhecimento, um vazio provisório, passível de ser preenchido pela instrução. Mas Flaubert insiste, e praticamente sustenta a sua obra baseada no tema da tolice e da idiotia. Ema Bovary é uma tola que aspirava ser amada por todos os homens. Bouvard e Pécuchet são dois pequenos idiotas que aspiram conhecimentos enciclopédicos acerca de tudo. Leio agora na Wikipédia que Barthes considerou "Bouvard e Pécuchet" como "uma obra de vanguarda". A considerar a idiotia galopante de nossos dias, pode ser. Kundera brinca afirmando que "a descoberta flaubertiana é mais importante para o futuro da humanidade que as ideias mais perturbadoras de Marx ou de Freud". Pois podemos imaginar o futuro do mundo - prossegue Kundera - sem a luta de classes ou sem a psicanálise, mas não a invasão irresistível das ideias feitas, estandardizadas, pasteurizadas, que, "inscritas nos computadores, propagadas pela mídia, ameaçam tornar-se em breve uma força que esmagará todo o pensamento original e individual e sufocará assim a própria essência da cultura européia dos Tempos Modernos". O mais chocante - constatado pelos geniais romances de Flaubert - é que a tolice não se apaga diante da ciência, das altas tecnologias, da pósmodernidade (seja lá o que isso signifique). Milan Kundera ousa afirmar que "ao contrário, com o progresso, ela também progride!" Arrisco a dizer que os bobalhões e as baratas sobreviverão ao próprio planeta. ‘Coisas da vida’ - como diria Kurt Vonnegut, outro escritor especialista em tolos e idiotas”.
E aqui vai o meu arremate como colunista do Nota de Rodapé: se algum ou vários dos leitores discordam das assertivas acima, particularmente os paulistanos, dêem uma caminhada num sábado de bom tempo pela Rua Oscar Freire, entre as ruas Melo Alves e Padre João Manuel. É a mais pura materialização das ideias de Flaubert.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo e colunista do Nota de Rodapé. Escreveu, entre outros, o livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência”, Ed. Boitempo
- Participe da Promoção Nota de Rodapé e Izaías Almada que sorteará três exemplares autografádos do livro do autor, Teatro de Arena - Uma estética da Resistência, Ed. Boitempo.
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