Thiago Barbieri é jornalista e colunista deste Nota de Rodapé
segunda-feira, 31 de maio de 2010
O tesão da copa
Thiago Barbieri é jornalista e colunista deste Nota de Rodapé
domingo, 30 de maio de 2010
Fredo, esgotado, vai a Quick Therapy
Já adianto que estou aqui por força maior que não a minha vontade real. Ou era isso ou ia dar cabo agorinha mesmo da vida vazia que levo. Aos 30 anos a depressão arrebatou-me o pensamento. Sempre tive medo de estar aqui. Mais do que medo nunca me imaginei num shopping com o senhor atrás da minha orelha a me ouvir lamentar por 15 minutos. Quem inventou essa técnica deve estar enchendo o rabo de dinheiro. É o capitalismo a serviço da psicologia ou vice-versa. Se essa porra vai dar certo não tenho a mínima ideia. Você vai me ouvir e dar um parecer que pode não me servir de merda nenhuma. É o risco que corro. Sem contar que meu dinheiro não banca mais do que esses míseros 10 reais. Mas quem tá na merda não tem muito a perder, não é?Cure a alma com o método revolucionário
A Quick Therapy, também conhecida como terapia expressa, é indicada para quem procura um atendimento rápido, principalmente para pessoas que possuem pouco tempo e dinheiro e sofrem com as consequências da agitada vida urbana. Com a correta aplicação da técnica psicológica, o paciente sentirá alívio imediato e reconforto mental. Ao cabo de cada sessão (com duração de 15 minutos) o paciente ganha um sache da pomada medicinal a base de tâmara da índia que cura a insônia. O método, uma vertente da popular quick massage, já tirou milhares da depressão ao redor do mundo e agora está no Brasil. Faça uma consulta cortesia no terceiro piso!
Ah, esqueci, você não vai falar nada. A atendente gostosa me disse que minhas informações estarão no sistema computadorizado. Só acho estranho desabafar para você hoje e não te ver na próxima consulta. O lance aqui é rotativo. Disse ainda que posso marcar hora caso você esteja perdido em alguma dessas salinhas brancas com cortinas amarelas com outro imbecil. Mas nem sei se vou gostar de você. Pelo menos eu desabafo aleatoriamente um pouco e me refugio do estresse lá de fora. Minha amiga mais antiga e confiável falou que me faria bem tentar entender melhor os dilemas psicológicos que me afetam com tanta força atualmente. Ela só não deve imaginar que viria me tratar neste shopping de bacana e usar esse novo método baseado em terapia expressa. Foda-se, é o que dá.
Já fiz terapia uma vez, sabia? Não me serviu de nada. O psicólogo concordava com tudo e não acrescentava nada que um amigo na mesa do bar não pudesse fazer com mais entusiasmo. Ali, no entanto, além de eu pagar a conta sozinho não tinha cerveja e nem porção de frango a passarinho. Desisti.
Olha, eu fumo maconha, bebo cerveja todos os dias, só duas latas, e gosto de cachaça às sextas. Mando um vinho volta e meia, mas me dá uma ressaca dos diabos. Todo dia tomo duas doses de café preto sem açúcar. Uma de manhã e outra depois do almoço. Como uma fatia de bolo de chocolate depois do café. Gosto de ter rotina metódica. Tomava três, quatro cafés. Cheguei a beber um litro e quase morri de úlcera. Aí parei de abusar. Autocontrole, hem? Anota isso. Você está anotando, certo? Bom, o café em excesso fodia meu sono completamente. Ficava um zumbi dentro do meu quarto, fritando no abafado sem janelas que é meu mundim. Cigarro, por exemplo, já não gosto, ou melhor, preciso estar com muitas latas na cabeça, chapadão mesmo, para dar um trago de alguém. Mas não consigo ir até o fim. Me dá náusea. E como tenho saído para poucas festas faz tempo que não sinto a nicotina me ligar na madrugada.
Tem nego que fuma dois, três maços num único dia. Caralho, como pode? Pior são as propagandas nos cigarros, fala aí? Quem elabora aquilo? Uma bosta, marketing positivo do cigarro na minha opinião. Minha mãe, por exemplo, precisou ter uma infecção pulmonar para se ligar que ia morrer de tanto fumar Camel quebra peito. Fumou mais de 30 anos a fio. Até acho que meu pequeno problema no pulmão tem a ver com isso. Vem do cordão umbilical, será possível? E tem mais, ela sempre comprou o maço com o mesma imagem para colecionar. Sabe aquela do cara que vai brochar? Essa daí. Sempre achei isso bizarro só que nunca falei nada. Minha mãe é brava e acha, veja só, que ainda sou o Fredinho que tira catota do nariz e limpa no travesseiro da sala. Toda vez que a visito diz. “Fredinhôôô, não vai sujar meu sofá com suas nojeiras”. Eu fico puto!
Olha Dr., ou posso te chamar de você? Tanto faz, é que o papo hoje será meio baixo astral mesmo porque estou chateado com o mundo medíocre que me rodeia.
Como é? Já foram os quinze minutos? Que merda, Dr.! Justo agora que estava me aquecendo... Ok, volto amanhã, agora preciso contar mais da minha vida pro senhor. Aliás, gostei de você viu!?
Fredo Sidarta, poeta e um quase suicida escreverá sobre suas sessões de quick therapy para o Nota de Rodapé
Conhece a história da água engarrafada?
Vencedores da promoção MCD e NR do novo álbum do Gotan Project
quinta-feira, 27 de maio de 2010
O efeito Veja e a fabricação de novas realidades no jornalismo
As violações éticas cometidas ao longo dos últimos tempos vão do tradicional “esconda no rodapé a informação que não nos interessa” à mais desbragada das mentiras. O caso mais evidente, lógico, é o do Irã. Na tentativa de atingir a qualquer custo o governo Lula, inverte-se o sinal de uma negociação bem sucedida, conta-se todo tipo de barbaridade sobre o país asiático e trata-se de esperar a tolerância de um leitor-pouco-crítico.
Fico imaginando, apenas a título de hipótese, sem qualquer pretensão de estar a fazer ciência, se essa semana que passou não é um dos efeitos “Veja” que estamos assistindo em nosso jornalismo.
Parece fácil imaginar que a ética se forma a partir de dois vetores, quais sejam a ética de uma determinada localidade durante certo período de tempo e a ética própria, um conjunto de valores acumulados por cada indivíduo ao longo de sua convivência. Evidentemente, um altera o outro, ou seja, um padrão de ética depende do outro e, ao fim, forma-se apenas um.
Jornais brancaleônicos
Falemos da ética jornalística deste momento em que vivemos, sem a necessidade de remeter aos casos das eleições de 1989, com a grotesca manipulação por parte da Rede Globo. Os jornalões brasileiros e as redes de TV estão rodeados, entre outros, pela revista Veja. Oras, se a Veja há anos descolou-se completamente da realidade para fabricar a sua própria, com as regras e os fatos que deseja que ocorram, qual o efeito disso para quem a rodeia?
Não é de surpreender que os jornalões estejam a perder o contato com a realidade também, a se transformarem em jornais brancaleônicos. Se a Veja pode mentir e não sofre muitos arranhões por isso, e talvez até lucre mais, por que os demais ficariam de fora? Não nos esqueçamos que, no Brasil, os jornais são empresas com fins lucrativos e com interesses bastante claros, embora bastante diversos. É natural que se vá testando uma mentirinha após a outra, para ver qual o limite e, ao se detectar que tal limite não existe, perca-se completamente o contato com a realidade, passe-se a inventar o que bem se entenda.
E o efeito Veja no chão-de-fábrica das redações, como funciona? Quem já trabalhou em uma destas “escolas” sabe que, ao menos nos últimos anos, premiado é aquele que aceita contar uma mentirinha, dar uma invertida nos sinais, “pesar a mão”, como se diz no jargão. “Pesar a mão” é o sinal de uma distorção que pode ser pequena ou grande, mas é uma distorção e, por isso, é grave independentemente do tamanho.
Imagine-se dentro de uma redação dessas. Você vê que o colega ao lado, que aceita pesar a mão, ganha afagos, aumentos e promoções de seus patrões, a quem igualmente trata como colega. Manda o sistema da competitividade no qual vivemos que, se um faz e se dá bem, outros o sigam automaticamente. Não interessa, neste caso, a violação ética, até porque a ética, a essa altura e nesse ambiente, já corresponde a um outro conjunto de valores no qual a verdade não é exatamente parâmetro. Pode até passar a ser divertido para um repórter inventar pequenos fatos; médios, grandes. Não demanda grande rigor com a apuração e é, portanto, mais fácil.
Evidentemente, aquele que não se deixou levar por esse conjunto de normas éticas forjadas dentro dessas redações não se colocará à disposição de tais práticas. Mas sempre haverá quem o faça. E, portanto, como há mão-de-obra e como não há punição, os jornalões podem manter seus caminhos nesta Cruzada Medieval. Mas esse exército de Brancaleone não deve se assustar se, pelo caminho, encontrar a fome e a peste. Tomara.
João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé
A lei de Gérson pode decidir a eleição na Colômbia domingo
O fenômeno da malandragem, tão discutido no Brasil, também é tema nacional na Colômbia, que neste domingo, dia 30, vai às urnas para eleger seu presidente. Um dos candidatos, o filósofo Antanas Mockus, do Partido Verde, tem como uma de suas principais plataformas o fim dessa cultura de se dar bem a qualquer preço.
Já escutei, mais de uma vez, amigos colombianos reclamando de que o grande problema do país era o descumprimento das leis, como subornar o guarda, não pagar impostos, encontrar meios de cancelar uma multa de trânsito. Se não fosse o fato de falarem em espanhol, acharia que conversava com brasileiros.
Mockus foi prefeito de Bogotá e conseguiu uma grande mudança na cidade. Grande parte de seu sucesso foi ter conseguido fazer com que as leis fossem respeitadas, não por medo de punição, mas por que assim se constrói uma cidade habitável. Conseguiu colocar isso na cabeça de uns quantos bogotanos.
Segundo as últimas pesquisas, o político do PV aparece empatado nas pesquisas com Juan Manuel Santos, Ministro da Defesa e candidato do atual presidente Uribe. Deve haver segundo turno, onde as pesquisas indicam vitória de Mockus por pequena margem.
Aproveitando o grande apoio de artistas, os mentores da campanha de Mockus apostaram em vídeos com depoimentos de personalidades falando da importância do fim do “jeitinho colombiano”. “Não podemos seguir aceitando, com cinismo, que na Colômbia todo mundo rouba”, diz uma das atrizes convidadas. “Recursos públicos. Recursos sagrados”, completa a outra.
Analistas políticos colombianos apontam que nas áreas econômica e até no trato com as guerrilhas colombianas (grande preocupação nacional) não haverá grandes diferenças se quem vencer for o candidato da oposição ou o da situação. O fato novo poderia se dar em um campo bem mais micro, na da cultura individual. A vitória de Mockus, se vingar, poderá revogar uma lei que os colombianos nem sabem que existe no país, a Lei de Gérson.
Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Concurso pra acabar com a sacanagem coletiva?
Fora a questão de como a sociedade se reflete em suas técnicas e ferramentas, levando à popularização um site que prioriza a relação descartável e de aparências, sua graça para adeptos é justamente se conectar com anônimos sem expor sua real identidade – e, convenhamos, isso tem lá sua graça.
Até aí nada de novo. Pesquisas indicam que o site é dividido em 3 públicos: homens (imensa maioria), mulheres e pervertidos. E é o último grupo que está dando problema. Mais de 10% dos usuários do site são homens “pervertidos”, numa verdadeira exposição de membros, masturbação e obscenidades. Mas apesar de grande (sem trocadilhos) este movimento não representa a maioria dos usuários e tem incomodado os outros usuários, tanto que a publicação Business Insider lançou um concurso em março, o Solve Chatroulette's Penis Problem And Help It Make Billions And Billions Contest (numa tradução livre Resolva o Problema de Pênis do ChatRoulette e Ajude a Fazer Bilhões e Bilhões de Debates). A proposta era eleger a melhor ideia para acabar com o “problema do pênis” no site. Dá pra ver a sugestão vencedora aqui. (em inglês).
Diogo Ruic é jornalista e editor assistente do Nota de Rodapé
As mudanças na Folha de S.Paulo
“Assim que peguei o jornal em minhas mãos vi o mesmo anúncio com Fernanda Torres que anunciava: 'Enquanto se discutia o futuro do jornal, a Folha fez o jornal do futuro'. Jornal do Futuro? Quando vi esse mesmo anúncio há uma semana, fiquei tentando antever o que as renovadas páginas do jornal nos trariam. Fiquei torcendo por mais opinião e o fim de manchetes que repetiam o que todo mundo já sabia desde ontem. Além disso, imaginei que o projeto gráfico ficaria tão moderno ao ponto de lembrar páginas de portais da Web (seria mais uma concretização do conceito de remediação!)”, analisa o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Na tentativa de salvar o jornal impresso, as empresas de mídia estão apostando em muitas fórmulas, e a Folha não fugiu à tendência. Sem dúvida, numa estridente divulgação, o jornal chamou a atenção dos leitores (muito mais do que a recente e acanhada mudança no Estadão) e gerou uma mudança radical na roupagem - aliás, dá vontade de clicar em alguma frase colorida da primeira página do impresso, que mais parece a capa de um site de notícias. Em relação ao conteúdo, fica a mesma dúvida apresentada ao Frias no documentário divulgado pelo grupo: como pode ser mais analítico e mais conciso ao mesmo tempo?
Diz Primo em outra parte: “Enquanto o elevador me levava até meu apartamento, fui abrindo os primeiros cadernos do jornalão… eu não podia esperar para ver o jornal do futuro. A Folha prometia revolucionar o jornalismo impresso e eu, um assinante de anos, queria ser testemunha desse momento histórico. Pois eis que à medida que eu ia folhando as páginas dos cadernos, meu entusiasmo foi perdendo força. Sim, encontrei um novo projeto gráfico, que oferecia mais cor e melhor legibilidade. Mas onde se escondia a revolução prometida?”.
Página de frases da Veja?
É fato que a Folha impressa buscou uma aproximação grande com algumas das principais características da Internet, e a aposta tanto pode dar certo quanto pode ter sido um tiro no pé. O Ilustríssima trouxe uma página chamada “Minha História”. A “Folha Corrida”, que já existia no Cotidiano, mais parece a página de frases da Veja. Bem, eu não duvido que a grande maioria dos impressos diários se transforme em semanários em alguns anos.
Ainda sobre o Ilustríssima, eis duas páginas que vale a pena citar. A da esquerda, que fala sobre eventos culturais, foi inteira produzida lembrando uma infografia, que remete a linhas de metrô. Nem melhor nem pior, apenas diferente, como diz o slogan de uma escola de samba carioca. A maioria dos alunos gostou. Acho que combina mais com a Internet – e fico querendo passar o mouse nestas bolinhas para ver se abre uma caixa de texto. E o texto da direita, “O cachorro”? Com aparência de blog, parece que foi inteiro selecionado com o mouse, para depois receber um ctrl+c e ctrl+v.
As mudanças no caderno Esportes foram boas. Nenhuma novidade, já que outros impressos partiram antes para o mesmo caminho. Fotos com mais qualidade de impressão (aparentemente) – novamente uma alusão a uma revista – e em maior quantidade. Ficou colorido e mais leve.
No geral, “é bem verdade que a diagramação ganhou mais movimento. Ficou menos dura e quadrada. Os encorpados títulos e intertítulos poderão captar a atenção do leitor mais ligeiro (…)”, diz Alex Primo. E a conclusão do gaúcho também será aproveitada: “A Folha ontem apresentou apenas mais uma reforma (…) Agora, se ela acha que isso é o jornal do futuro, realmente os jornais impressos não tem salvação”.
Paulo Rodrigo Ranieri é mestre em jornalismo, professor e pesquisador da comunicação no contexto digital, membro do grupo Atopos - ligado a USP - e colunista do Nota de Rodapé; mantém também o espaço Do Analógico ao Digital.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Estreia de Astronauta Mecanico: "o conceito é sempre interativo"
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Democracia Militar ou: o papel da Polícia Militar catarinense na violação dos Direitos Humanos
Democracia Militar from Vinicius Possebon (Moscão) on Vimeo.
Dr. Rino e as receitas da Vovó (parte 1)
Quem disse que
umbigo não serve
prá nada?
Entra a mamãe com o bebê de colo, 40 dias de vida, com um quadro intenso de conjuntivite:
- Dr., meu menino tá com esse pus nos olhos faz umas duas semanas.
- E a sra. não o trouxe antes por que?
- Ah Dr... tava tratando em casa com “água de umbigo”!
- “Água de umbigo”?
- Tá aqui o pote, Dr.!
Eis que a mamãe saca da bolsa um pode de azeitona com uma água amarelada e um pedaço de algo indecifrável boiando:
- Então Dr., é essa aqui! É o cordão umbilical dele que a gente deixa na água prá curtir desde que ele nasceu por uns 10 dias, e depois pinga essa água nos olhos de manhã e de noite... Mas pelo jeito não tá funcionando, né?! Por que será?
Óleozinho morno
esquentado com um
dente de alho
Como médico otorrinolaringologista, trato diariamente de muitos pacientes que vêm ao consultório com dor de ouvido, de crianças a idosos. E ainda não vi um sintoma que é mais tratado de forma caseira do que esse que vou contar. O tradicional “óleozinho morno esquentado com um dente de alho” que as titias e vovós fazem e pingam há décadas em nossos ouvidos ganhou adaptações e incrementos, sendo esse o mais inusitado que já ouvi:
- Dr., o Gabrielzinho tá de novo com dor de ouvido e febre, já é a quarta vez em 3 meses...
Foi a deixa para que eu já perguntasse automaticamente:
- E a senhora pingou algo nos ouvidos dele?
- Sim Dr., coloquei um azeitezinho morno, em que fritei os tatuzinhos.
- O que???
- Aqueles tatuzinhos Dr... sabe tatuzinho de tijolo? Que se enrolam quando a gente encosta neles?
- Tatu- bola?
- Isso! Mas o melhor mesmo é ninho de beija-flor! Esquenta no azeite e pinga! Uma benção!
Sim dona Maria... uma benção.
Bife à rolê
(não leia se você
enjoa fácil)
Esse caso não se refere a um tratamento caseiro, mas como crendice popular é dos mais curiosos e nojentos que presenciei. Dona Fátima, 33 anos, vem ao consultório com um andar esquisito, as pernas meio abertas e aparentando dificuldades para caminhar. Um odor muito ruim a acompanhou ao entrar na sala.
- Dr., tô com um “escorrimento” muito fedido “lá embaixo”!
- Desde quando?
- Uns dias, não me lembro. E tá doendo o pé da barriga também... Tive até febre ontem.
- Vamos ver.
Posicionada na mesa ginecológica, tive a visão de algo bem estranho. Uma massa protruindo da vagina, de aspecto carnoso, com uma secreção amarelo-esverdeada de odor intensamente putrefato. Seria um tumor? Ao palpá-la, vi que se movia facilmente e consegui tracioná-la, saindo em minha mão algo como um pedaço de carne podre amarrado com barbantes. Pergunto, obviamente:
- Dona Fátima, como isso veio parar aqui?
Envergonhada, responde:
- Aiii Dr., tinha me esquecido, foi da “amarração do amor” que fiz... Era prá atrair um marido prá mim...
- Desenrolo o que parecia ser um bife e, dentro, um papelzinho em que, apesar de borrado, se conseguia ler: “Claudemir Ribeiro”.
Pois é seu Claudemir, me deve uma, hein?!
Dr. Rino não é contra fitoterapia ou medicinas alternativas, até pelo fato de grande parte das medicações sintéticas serem fabricadas a partir de extratos naturais (como o anticoagulante Ancrod®, derivado de veneno de víboras da Malásia e que diariamente salva a vida de milhares de pessoas do derrame cerebral; ou a própria Aspirina®, analgésico e antitérmico, extraída da casca do salgueiro). Entretanto, absurdos como os acima, além de não possuírem nenhum efeito benéfico cientificamente comprovado, podem trazer consequências piores que a própria doença, mesmo quando não tratada.
sábado, 22 de maio de 2010
A internet além da sua rede social
Nessa área, o blog Trezentos – o início de uma multidão - também vale à pena.
Diogo Ruic é jornalista e editor assistente do Nota de Rodapé
quinta-feira, 20 de maio de 2010
EUA anunciam fechamento de embaixada no Brasil
O encontro, segundo a reportagem apurou, ocorreu sob forte tensão e com acusações de Hillary a Shannon. Hillary teria chegado a dizer que Shannon se comportou feito “uma mocinha comunista” durante a negociação do acordo na área nuclear entre Brasil, Irã e Turquia. “Você não é um patriota. A América (sic) paga seu salário para ficar aí, no meio dessa horda de subdesenvolvidos, sem fazer nada”, teria afirmado a dama-de-ferro durante o encontro em Washington.
Shannon, na saída da reunião, confirmou o fechamento da embaixada e dos consulados dos Estados Unidos em território brasileiro e ressaltou que o acordo Brasil-Irã teve papel fundamental na decisão, mas negou que tenha sido ríspido o tom da conversa com Hillary.
A conclusão, segundo disse o embaixador, é de que já não faz sentido ter representações diplomáticas em um país no qual os Estados Unidos estão amplamente representados. “Você viu como a Globo, a Folha e o Estadão se comportaram durante essa história do acordo? Afirmando que a proposta do Brasil nem era tudo isso e que o Irã é um baita mentiroso? Nem um comunicado do Departamento de Estado seria tão favorável aos interesses da Casa Branca. Logo, perdeu sentido que eu continue por aqui. Vou ter de procurar outro emprego. Pior que de editorialista não dá: o Brasil está cheio”, afirmou, claramente abatido, aos jornalistas presentes à saída do encontro.
Serviço
A partir de 1º de junho, os brasileiros que desejarem tirar passaporte ou gozar de qualquer outro serviço diplomático devem se dirigir aos seguintes lugares:
- Folha de S. Paulo
- O Estado de S. Paulo
- O Globo
- Qualquer emissora da Rede Globo em território nacional.
João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé. Este texto é uma crônica, portanto, aos que acham que é verdadeira a notícia, a piada irônica teve o efeito desejado.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Fuerza, Cerati
Nesse ponto, o argentino Gustavo Cerati, ex-integrante do histórico grupo de rock Soda Stereo (de quem já falamos neste espaço), tem, espalhado pelo mundo, milhares de amigos que sequer conhece. Demonstração disso foi que a palavra #fuerzacerati apareceu entre as mais frequentes do Twitter nesta terça-feira (dia 18).
O motivo é o delicado estado de saúde do músico de 50 anos.
Cerati sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) após um concerto em Caracas, no último sábado à noite. Segundo os médicos, ele precisou ser operado nesta terça e agora encontra-se em coma induzido. “As próximas 72 horas são vitais”, disse um dos responsáveis pela saúde do cantor argentino. Se sobreviver, o cantor terá sequelas, já adiantaram os médicos.
Esses amigos que Cerati conquistou pelo mundo com suas canções hoje não podem fazer muito por ele. Quem acredita em algo, reza. Outros, como eu, estarão escutando as músicas do argentino com ainda mais carinho – e uma certa nostalgia, oxalá, prematura.
Aos que gostam de Cerati, deixo um par de canções desse monstro argentino. Ao próprio, repito esse verso tão bonito que está em Tu Locura:
Nunca foi fácil, mas creio nos teus olhos
(Nunca fue fácil, pero creo en tus ojos)
É tão frágil depender de tudo
(es tan frágil depender de todo).
E como te explicar desde o encerramento
(y cómo explicarte, desde el encierro)
Quanto medo dá sair a esse mar de dúvidas
(cuánto miedo da salir a ese mar de dudas).
Já não há mais o que fazer
(ya no hay más qué hacer)
Você é sua própria ajuda
(sos tu própria ayuda)
Agora anda e vive
(ahora andá y viví)
Fica mais uma, Caravana, que tem riffs de guitarra dignos de nota.
#Fuerzacerati
Ricardo Viel é jornalista e mantém a coluna Conexsom Latina
terça-feira, 18 de maio de 2010
A esposa de Borges e a pequena Buenos Aires
Você está almoçando e, de repente, passa pela porta o cineasta Pablo Trapero (Família Rodante e Leonera). Está tomando o chá da tarde e se depara com Bielsa, não El Loco Bielsa, mas seu irmão, Rafael, ex-ministro de Relações Exteriores.
Quando resolve ir ao Museu Jorge Luis Borges, vê na porta Gabriela Michetti, espécie de ministra-chefe do governo da cidade de Buenos Aires. Como não fosse suficiente, na sequência sai Maurício Macri, o chefe em si, com sua “cara de nada”.
O mais interessante nessas últimas andanças, no entanto, ocorreu dois minutos depois. Quando entro no museu, após superar o borbulho da saída macrista, uma senhora de irretocável elegância, cabelos meio brancos e meio pretos – não são grisalhos, não nos confundamos, passa a explicar-me a visitação com uma incrível quantidade de detalhes.
Alguém a chama pelo nome – Maria – e, por um segundo, passa pela cabeça que pode ser a esposa de Borges. Mas não, não poderia ser. Eu, leigo em Borges, tudo o que sabia sobre sua esposa é que era uma pessoa muito mais jovem que ele. Mas seria, achava eu, impossível que fosse tão mais jovem a ponto de seguir ativa vinte anos depois da morte do escritor, com cara de senhora recém-ingressada nas artes da 3ª idade. E mesmo que se mantivesse desta maneira, não ficaria à porta do museu recebendo as pessoas.
Eis que alguém lhe chama e entrega um envelope: Maria Kodama. Sim, é ela. Nisso já se haviam passado muitos minutos de conversa com a esposa de Borges sem sabê-lo. Me senti um dos maiores idiotas da face da Terra. Estava ali, na minha frente, e não sabia. Nos minutos que se seguiram, duas pessoas se somaram à conversa e Maria passou a nos apresentar o museu – que, caso alguém se interesse, fica na Calle Anchorena, Barrio Norte, paralela à Avenida Puerreydon.
Contou que abriu tudo na raça, com dinheiro que Borges ganhou em um prêmio. A casa abriga alguns escritos, muitas lembranças, milhares de livros. Em cada um deles, o escritor fazia observações na contracapa. Em um deles, em letra miúda, Borges anotou contradições que encontrou ao longo do enredo. “Depois disso, nunca mais deixei anotações em livros. Você vê o quanto elas revelam da personalidade das pessoas”, afirma, quase tietante, admirada com a inteligência e a concentração de Borges.
Ainda há um apartamento abarrotado de coisas do autor, mas falta apoio para expandir o museu. No entanto, a melhor guia turística sobre Borges está segura que, no próximo ano, tudo vai sair do papel. Ela conta que a casa ao lado é aonde o escritor viveu quando era criança. Maria tentou comprar o imóvel mas, quando contou ao dono que ali havia vivido Borges, a transação se tornou impossível.
− Você venderia? - pergunta
− De jeito nenhum – respondo
− Pois bem. Eu entendo – afirma Maria.
E dá por encerrada a visita.
João Peres é jornalista e colunista deste Nota de Rodapé
Versus, outra revista gratuita que foge do mainstream do mercado editorial
Daí que recentemente recebi a informação de outra publicação – uma jovem publicação – que está em sua terceira edição e que me pareceu muito boa. Preciso, é verdade, ler com mais profundidade, mas do que já vi gostei. É a Revista Versus, iniciativa do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A apresentação da revista trimestral que também é online diz: “Plural e interdisciplinar, a publicação, na versão impressa e online, tem o objetivo de reunir o pensamento crítico das diversas áreas do conhecimento voltadas para os problemas sociais, econômicos, políticos e culturais da sociedade contemporânea.”
A primeira edição, por exemplo, traz uma entrevista exclusiva com o presidente paraguaio Fernando Lugo que explica como enfrenta a oligarquia para fazer mudanças em seu país. Nas outras edições, perfil de Jorge Mautner, matéria sobre os 30 anos da Lei de Anistia, Vida de Estrangeiro, entrevista com Samuel Pinheiro Guimarães e Márcio Pochmann etc.
Detalhe fundamental: você lê de graça, na internet (versus digital) ou baixa o PDF da edição de sua preferência. E se escrever para o e-mail deles (sabia como aqui) pode receber em casa.
Nem pato, nem ganso
Vem aí o Febeapá do futebol, o grande festival de besteiras que assola o país: Galvão Bueno, Arnaldo Cesar Coelho, Neto, Luciano do Vale, Milton Neves e outros menos votados...
Vem aí a enxurrada de lugares comuns de um nacionalismo tacanho e minúsculo que coloca a inteligência na marca do pênalti e distribui cartões vermelhos para quem se recusa a ser vaca de presépio ou ter opinião própria sobre as coisas, sobre a vida.
O nacionalismo mercenário que se confunde com grandes marcas transnacionais de artigos esportivos, bancos, bebidas, televisores, celulares e automóveis.
A seleção de Dunga não é unanimidade nacional, mas toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues.
“O Brasil em chuteiras!”... “O melhor futebol do mundo!”
O Brasil é isso, o Brasil é aquilo...
E o Ronaldinho Gaúcho? E o Adriano? E o Neymar?E o Pato? E o Ganso?
O BRASIL É ISSO: NEM PEIXE, NEM CARNE, OU MELHOR, NEM PATO, NEM GANSO...
Izaías Almada é escritor, dramaturgo, roteirista e colunista do Nota de Rodapé.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Promoção Literária Nota de Rodapé e Duarte Pacheco Pereira
O livro
1924: O diário da revolução – Os 23 dias que abalaram São Paulo tem autoria de Duarte Pacheco Pereira e foi publicado em edição conjunta da Imprensa Oficial e da Fundação Saneamento e Energia, atual responsável pelo acervo iconográfico reproduzido. Conta com apresentações do professor Hubert Alquéres e do historiador Ricardo Maranhão e surpreendentes fotografias da época. Eis trecho da apresentação do professor Hubert Alquéres, diretor-presidente da Imprensa Oficial: "A maioria dos paulistanos não faz ideia dos combates sangrentos que foram travados nas ruas, praças e prédios de sua cidade em julho de 1924. Inconformados com os desmandos e a corrupção da primeira república brasileira, dominada por oligarquias estaduais, jovens oficiais, comandados pelo general Isidoro Dias Lopes, tentaram tomar a capital paulista para utilizá-la como base para atacar o Rio de Janeiro, destituir o presidente Artur Bernardes e implantar um conjunto de reformas democráticas e moralizadoras (...)".
Sobre o autor
Duarte Pacheco Pereira, 71 anos, é jornalista e escritor. Graduou-se em Direito na Universidade Federal da Bahia, foi professor universitário em Salvador e em São Paulo e iniciou a carreira de jornalista profissional na antiga revista Realidade, da Editora Abril. Participou também do semanário alternativo Movimento e da série de fascículos Retrato do Brasil, editada em 1984. Foi vice-presidente da UNE de 1963 a 1964 e dirigente nacional da Ação Popular (AP) de 1965 a 1973, tendo sido obrigado a viver e atuar clandestinamente durante 11 anos no período da ditadura militar.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Em Mauá, prefeitura não tapa cratera capaz de engolir um micro-ônibus
Aproximadamente 200 famílias residem no entorno da rua, cujo tráfego de veículos está impossibilitado. Os munícipes enviaram abaixo-assinado para a prefeitura e aguardam a resolução do problema e o asfaltamento da via. De acordo com os moradores, as intervenções são sempre realizadas por meio de mutirões.
“Depois das chuvas de verão, o buraco atrapalhou a chegada da água às nossas casas e, então, resolvemos consertar o estrago. Quando estávamos refazendo a ligação, chegou o Saneamento Básico do Município de Mauá (Sama) e ajudou no reparo”, destacou Edson Araújo Santos.
Acesso prejudicado
Um acidente reduziu temporariamente a mobilidade da vendedora Noelice Rocha, que precisa do apoio dos vizinhos para transportar sua cadeira de rodas e transitar pela rua onde mora. “Quando tenho de ir ao hospital, a ambulância não sobe aqui e para descer preciso da ajuda de dois homens.”
A compra de móveis e gás de cozinha também é dificultada, pois não há como realizar a entrega. Quando chove a situação piora e compromete a frequência dos alunos nas escolas. “Já vi muitas quedas aqui”, relatou a moradora Patrícia Almeida. Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Mauá informou desconhecer a cratera e afirmou que a Secretaria de Mobilidade Urbana fará vistoria no local, ainda nesta semana, para inserir o reparo no cronograma de obras.
Beatriz Prado, jornalista, Especial para o Diário Regional
Jogador da Juventus, Felipe Melo, "bate-boca" com PVC ao vivo
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Copa, TVs de LCD e eleições
Veja o último capítulo da novela das 20h (que passa às 21h) em alta definição? Não cola né. Pois eis que chega a Copa, que coincidentemente é em ano de eleição. E o que o governo faz? Inclui a
fabricação de telas de LCD no país dentro do Processo Produtivo Básico (PPB), mecanismo que reduz diversos impostos para quem decide investir na fabricação de um determinado produto no Brasil. Pelo menos duas fabricantes já demonstraram interesse público no desconto - Philips e
AOC. As outras certamente seguirão a tendência. E você já viu como as TVs estão baratas ultimamente? Tem até fabricante fazendo parceira com operadora de TV a cabo pra vender os dois produtos juntos.
E o povo parece ter respondido ao estímulo. Só no primeiro trimestre, a demanda por esses aparelhos foi três vezes maior do que no mesmo período do ano passado. Até o fim do ano a expectativa é de que sejam vendidas de 10 a 12 milhões de TVs. Tudo bem, já existia uma tendência (e um interesse) natural dos fabricantes em reduzir os preços desses produtos, então não dá para dizer que o movimento está totalmente atrelado à isenção fiscal. Mas que o governo certamente se beneficia do bem-estar social gerado com o fato de mais pessoas terem esses
aparelhos em casa, isso é inegável. E pode ter certeza que mesmo de forma sutil, isso estará presente na campanha eleitoral. Putz, não tinha me dado conta. Imagina ver o Serra e a Dilma em alta definição?
Cruzes.
Gustavo Brigatto é jornalista e escreve sobre tecnologia, mantém a coluna Binária neste Nota de Rodapé
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Dunga foi coerente, mas podia ter sido ousado
Assim como a maioria dos jornalistas e torcedores, assisti à coletiva do treinador, que estava visivelmente tenso, pensando nos nomes que certamente EU levaria para o mundial, mas, ao mesmo tempo, tentei analisar a convocação sob a perspectiva do Dunga. Voltei no tempo e lembrei de quando ele anunciado como treinador da seleção, surpreendendo a todos que esperavam pelas voltas de Felipão ou Luxemburgo, ou ainda a indicação de Muricy Ramalho.
O cara, que nunca havia treinado nem time de escola, assumia uma baita responsabilidade, e era obrigado a reverter a péssima imagem deixada pelo time na Copa da Alemanha, em 2006. Naquele momento, duas situações eram cogitadas: ou ele vai mal e reedita a “era Dunga, de 90’; ou ele vai bem e cala os críticos, como na “era Dunga, de 94”. Pois bem, Dunga, muito bem assessorado por Jorginho, conseguiu bons resultados em campo logo de cara, mas todos cobravam do novo treinador um título de expressão. O trabalho continuou (ainda não vou entrar na questão técnica do time) e os títulos vieram. Copa América, Copa das Confederações, primeiro lugar nas Eliminatórias. O futebol de resultado que consagrou o volante Dunga, capitão do Tetra, consagrava agora o treinador que sonhava com o Hexa.
Dentro da linha de raciocínio de dunga, aqueles que sofreram e “roeram o osso” a seu lado deveriam ser premiados com a possibilidade de “comer a carne”. Muitas apostas foram frustradas (alguém lembra do Afonso? Só para citar um caso de convocação equivocada), e outras vingaram. A lealdade do comandante com seus comandados é digna de elogios, não há dúvidas. As críticas à seleção devem ser sustentadas com argumentos esportivos, e não julgamento de caráter do treinador.
Esportivamente, o time é pragmático, bem montado defensivamente, muitas vezes previsível, e dependente de lampejos individuais para armar jogadas ofensivas. Kaká é o ÚNICO meia de criação entre os 23 convocados, e não está em plenas condições físicas. Luís Fabiano vive a melhor fase da carreira e Robinho aposta em um sucesso na África para voltar ao Velho Continente consagrado, depois das traumáticas passagens por Real Madri e Manchester City. Ao lado dos três, os laterais Maicon e Daniel Alves são os principais jogadores pensantes do time. No esquema montado pelo técnico, perfeito. O problema é a reposição. Não temos no banco de reservas substitutos à altura, como se espera de uma seleção brasileira. Enquanto eu pensaria em Ronaldinho Gaúcho, Ganso, Neymar, Alex (ex-Palmeiras) e Diego como alternativas para a criação, Dunga pensa em Júlio Batista, Kleberson, Elano e Ramires. Dunga foi coerete, sim, mas poderia ter sido mais ousado.
Um amigo me disse hoje “o time joga feio, mas tá ganhando, não dá para contestar”. Verdade. Mas imaginem em uma fase eliminatória se o Brasil precisar reverter um placar e agredir o adversário para não morrer na praia... Melhor nem pensar. Vamos torcer para que o Dunga e seus fiéis escudeiros repitam o sucesso de 94, quando Romário e Bebeto, apoiados pelos bons laterais Jorginho e Branco, e tragam mais uma taça para casa.
A lista do Dunga:
Goleiros: Julio César, da Inter de Milão; Gomes, do Totthenham; e Doni, da Roma.
Zagueiros: Lucio, da Inter de Milão; Juan, da Roma; Thiago Silva, do Milan; e Luisão, do Benfica.
Laterais: Maicon, da Inter de Milão; Daniel Alves, do Barcelona; Gilberto, do Cruzeiro; e Michel Bastos, do Lyon.
Meias: Felipe Melo, da Juventus; Ramires, do Benfica; Gilberto Silva, do Panatinaikos; Elano, do Galatasaray; Josué, do Wolfsburg; Kleberson, do Flamengo; Julio Baptista, da Roma; e Kaká, do Real Madrid.
Atacantes: Luis Fabiano, do Sevilha; Nilmar, do Villareal; Robinho, do Santos; e Grafite, do Wolfsburg.
Na "lista de espera" da seleção estão 7 nomes: Paulo Henrique Ganso, Ronaldinho Gaúcho, Sandro, Marcelo, Alex, Carlos Eduardo e Diego Tardelli.
Thiago Barbieri é jornalista; autor do livro sobre o Corinthians "23 anos em 7 segundos", editor do jornal Primeira Hora da Rádio Bandeirandes e colunista do Nota de Rodapé.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
As faxineiras e a política
Eunice Pereira é uma típica senhora brasileira. Também tem cerca de 50 anos e é muito simpática. Adora conversar e está sempre sorrindo. Trabalha como faxineira em casas de famílias que vivem nos bairros nobres.
Mrs. Janet trabalhou a vida toda com limpezas. Conseguiu comprar duas boas casas, de dois andares. Aluga uma delas para estudantes estrangeiros. Vai trabalhar de carro. Reclama que a economia inglesa não está boa e que os bancos agora têm aumentado os juros para financiamentos. Gosta de ler notícias sobre política e economia.
Dona Eunice não tem casa própria. Vive em um barraco e todos os dias enfrenta horas e horas nos transportes públicos para ir trabalhar. Não gosta de ler, mesmo porque não estudou muitos anos. Desde criança tinha que cuidar dos irmãos mais novos, enquanto os pais estavam ausentes.
A faxineira inglesa está envergonhada com as notícias que leu nos jornais nos últimos meses, envolvendo deputados britânicos. Descobriu-se que os parlamentares estavam usando dinheiro público para o pagamento de despesas pessoais. Um dos deputados ia com o carro oficial assistir aos jogos de futebol do Celtic – o time pelo qual torce na Escócia. Outro usou o equivalente a 150 reais para fazer cópias de CDs com um dos seus discursos. Houve ainda outras contas pagas com dinheiro público, desde 2004, que, ao todo, somam 1,6 milhões de reais! Um escândalo!!
Eunice não sabe ao certo o que acontece na política brasileira. Não consegue entender direito quando vê reportagens na televisão sobre crises no Senado e na Câmara. Ela adora o presidente Lula. Queria votar nele de novo e diz entender tudo que ele fala. Está feliz que a economia do Brasil melhorou. Comprou até uma geladeira nova.
No Reino Unido muitos políticos renunciaram a cargos por conta da crise. Todos os deputados devolveram aos cofres públicos o dinheiro usado indevidamente. Os parlamentares passaram a amargar uma baixíssima popularidade, o que gerou uma crise partidária sem precedentes. Janet não sabe em que partido votar.
No Brasil os políticos esperam sempre um fato novo que mude a direção dos holofotes da imprensa, quando eles insistem em iluminar casos de corrupção. As pessoas têm memória curta e esquecem essas coisas que atrapalham, vez por outra, o “trabalho” rotineiro do Congresso Nacional. Eunice não se lembra em quem votou para deputado, nem para senador, mas acredita em um futuro melhor.
Sergio Denicoli é jornalista e pesquisador de mídias digitais na Universidade do Minho, em Portugal. Mantém a coluna Território Europa neste Nota de Rodapé
sábado, 8 de maio de 2010
A vida pessoal de Ronaldo e o noticiário esportivo
Dias antes do Corinthians anunciar a contratação de Ronaldo, em dezembro de 2008, o finado jornal da Placar (projeto que naufragou, em boa parte, por essa bola fora) publicou uma foto do craque com o seguinte título: ataque de riso. Zombava da possibilidade do time paulista ter em seu quadro o Fenômeno – rumor que agitava o jornalismo esportivo naqueles dias.
Dias depois, Ronaldo foi fotografado em uma boate em São Paulo. A foto foi oferecida a vários jornais (por um preço bem salgado). O fotógrafo que fez o comentado retrato ficou durante horas na frente da casa noturna, disfarçado de mendigo, esperando pela saída do jogador - me relatou isso. Havia sido avisado (e pagou por isso) por funcionários do local da presença do craque. Fez a foto e ganhou uma bela grana.
Logo veio o episódio em um prostíbulo no interior de São Paulo onde o Corinthians fazia a pré-temporada. Ele, na companhia de outros atletas do clube, haviam fugido da concentração e regressado de manhã, bêbados. Vida pessoal? O episódio não prejudicava a preparação de um jogador que tentava voltar a ser atleta?
Meses antes ele havia se envolvido em um escândalo com travestis e parado na delegacia. Vida pessoal? Desta vez, sim. À época Ronaldo não tinha contrato com nenhum clube e sequer havia a certeza de que ainda era um jogador de futebol.
Há mais de um ano Ronaldo luta para entrar em forma. Está, visivelmente, acima do peso. Recentemente a Folha de S. Paulo publicou que o craque passa por um problema pessoal e que, por isso, aumentou a quantidade de cigarros que fuma – estaria na casa dos dois maços diários. A repercussão da notícia enfureceu o atacante, que na quinta-feira, dia 6, desabafou em uma entrevista coletiva realizada no Parque São Jorge – um dia depois da eliminação do Corinthians na Libertadores. Vale dizer, foi o primeiro atleta do time a falar após o projeto de vencer a principal competição continental.
O que se viu foi um Ronaldo abatido e cansado, que se emocionou e quase chegou às lagrimas quando foi questionado por que não conseguia entrar em forma. A palavra usada pelo repórter foi “falta de comprometimento” e a resposta do Fenômeno: “Tenho 33 anos, oito operações no corpo, jogo com muitas dores, e ainda tenho que ouvir uma pergunta sobre comprometimento”.
O lamento prosseguiu. Ronaldo reclamou de que as críticas a ele não são “técnicas” e, sim, pessoais. Disse que no Brasil um ídolo não é tratado como se deve e citou os Estados Unidos, país que disse admirar por tratar seus esportistas “quase como deuses”.
Importante lembrar que Ronaldo é aquele mesmo cara que anunciou ao vivo, em um programa da Rede Globo, que iria se casar. É também aquele mesmo jogador que levou a namorada Daniela Cicarelli em um treino da seleção e a exibiu como troféu. É o mesmo que vendeu as fotos do matrimônio para uma revista de fofoca da Espanha.
É fato que se Ronaldo estivesse jogando como antes os comentários sobre sua vida pessoal seriam minimizados. Mas como funcionário de um clube é natural que se busque explicação para seu fraco desempenho dentro de campo. E então vem a vida pessoal, que Ronaldo um dia já expôs e hoje pede privacidade.
Na entrevista o atacante disse que está perto de pendurar as chuteiras e que não deixará que “o aposentem”. Reclamou das concentrações e de piadas que tem sido feitas sobre seu peso. Disse que ainda tem prazer em jogar futebol, mas demonstrou que já não suporta o sacrifício que ser um atleta de ponta exige – que não é pequeno, diga-se. Ou seja, quer jogar, mas não está mais disposto a abraçar o pacote completo (treinos puxados, cobrança e concentração). Talvez o melhor seja jogar bola de sábado e fazer um churrasco com os amigos depois, como a grande maioria dos brasileiros faz.
Ronaldo vive agora um dilema. Buscar, novamente, forças para dar outra volta por cima e terminar a carreira no final do ano ajudando o Corinthians a vencer o Brasileiro ou conquistar uma vaga à Libertadores; ou levar os meses que faltam para terminar seu contrato em banho-maria, como tem feito. Jogar às vezes, fazer alguns gols e esperar para anunciar a aposentadoria – quem sabe até mesmo antes do final do ano.
Embora reclame, Ronaldo é, sim, tratado como um ídolo. Inclusive pela imprensa. E o que mais me chamou atenção na entrevista coletiva do jogador foi justamente isso. Pela primeira vez vi um Ronaldo de carne e osso. Não era o craque eleito três vezes o melhor jogador do mundo; não era o camisa 9 que encantou a Espanha; não era aquele jogador com cabelo estranho que demoliu a Alemanha, em pleno estádio Olímpico, em Berlim, na Copa de 2002.
Era um homem comum, cansado após um dia de trabalho em que as coisas não deram certo. Um rapaz de 33 anos, aparentando bem mais, que se queixava da vida. Se as câmeras estivessem desligadas e um copo de uísque estivesse do lado, provavelmente Ronaldo diria estar de saco cheio e que pensa em chutar tudo para o alto. Mas há nessa história um nome a zelar e muito, muito dinheiro envolvido.
É mais provável que Ronaldo siga engolindo sapos e contando os dias para deixar de ser Ronaldo Fenômeno - e ser apenas Ronaldo Nazário. Quando isso acontecer, ele pode ficar tranquilo. A imagem que teremos não é de um Ronaldo agonizante em campo, matando bola de canela, mas sim daquele monstro capaz de fazer jogadas absolutamente sobrenaturais como estas:
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Uma revista de reportagem porreta e pouco conhecida. E melhor, é de graça
"Saiu do forno a edição 16 da Revista Observatório Social. Ela é editada pelo Instituto Observatório Social, organização vinculada à CUT que desenvolve pesquisas sobre globalização e direitos dos trabalhadores. Tenho a honra de participar dessa publicação desde o primeiro número, em 2002, fazendo reportagem e edição. Nesses oito anos e 16 edições, a revista conquistou seis prêmios jornalísticos importantes nas áreas de direitos humanos e meio ambiente, entre eles os prestigiados Esso e Vladimir Herzog. Tudo isso com um trabalho quase artesanal, mas ciente de que existe vida após o google.
Em suas páginas já publicamos denúncias sobre trabalho escravo no Pará, trabalho infantil em Minas Gerais, acidentes de trabalho em Santa Catarina, contaminação urbana por mineração no Amapá, desmatamento ilegal na Amazônia, exploração de imigrantes ilegais em São Paulo, discriminação de gênero e outros temas ligados a violações de direitos. Várias vezes, rastreando a cadeia de valor que envolve esses delitos até chegar a grandes corporações brasileiras e estrangeiras.
A tiragem da revista é bastante limitada – em geral, 10 mil exemplares – e a distribuição, precária, focada em formadores de opinião. Mesmo assim as repercussões das reportagens têm sido animadoras. No caso do trabalho escravo em carvoarias no Pará, por exemplo (edição publicada em 2004), a reportagem contribuiu para que o setor siderúrgico formalizasse um pacto nacional pela erradicação do crime. A denúncia de trabalho infantil na mineração em Minas Gerais levou a três conhecidas multinacionais a romper com seus fornecedores (a Basf, registre-se, ainda resistiu a quase um ano de pressões antes de admitir formalmente o problema). O mergulho nas oficinas de trabalho degradante de bolivianos em São Paulo levou a C&A a prometer mais rigor nos contratos com terceirizados.
Também há vezes em que a denúncia cai no vazio, como a reportagem sobre mutilação de trabalhadores no setor moveleiro de Santa Catarina, que publiquei em 2006. Repercussão mínima na imprensa estadual, pra não dizer nula (esta foi menção honrosa no Prêmio Herzog, e tive a honra de subir ao palco com a melhor jornalista brasileira em atividade hoje, Eliane Brum, que ganhara na categoria revista).
De qualquer maneira, com recursos escassos e estrutura mínima, vamos fazendo marola. Às vezes até traduzimos alguns textos pro inglês (thanks, Jeffrey Hoff) pra repercutir lá fora e, por tabela, ressoar no Brasil. Nestes tempos em que o jornalismo se repensa em crise existencial, a vitalidade de uma publicação do terceiro setor anima a gente. Há caminhos. No caso da revista do IOS, um deles, a meu ver, é a ampla liberdade que os profissionais de comunicação têm para desenvolver seu trabalho, sem grandes interferências de quem os financia. O outro tem a ver com o que a já citada Eliane Brum disse quando recebeu o Prêmio Rei da Espanha, ao classificá-lo como um reconhecimento ao jornalismo que vai para a rua.
Nesta edição 16, infelizmente, não pude ir “à rua”. Escrevi uma reportagem sobre a China sem sair de meu canto no Campeche, onde, entre a rede e o computador, devorei alguns livros, dezenas de sites, fiz algumas entrevistas pelo skype e reativei a memória de minha visita a Hong-Kong e Taiwan no século passado. Mas creio que atingi o objetivo, que não era fazer um tratado, e sim dar algumas pinceladas sobre as mudanças que estão acontecendo por lá e resumir um estudo inédito que vai ser publicado em breve sobre os impactos nos trabalhadores latino-americanos. Ah, as fotos foram feitas in loco. Belas imagens clicadas pela amiga Tatiana Cardeal, que foi à China receber um prêmio de fotografia e aproveitou bem a viagem. Também nesta edição apresentamos uma série de artigos com visões sobre o desenvolvimento que queremos para o Brasil; uma reportagem sobre diálogo social; e a repercussão de Devastação S/A, que saiu na edição 15, sobre o “esquentamento” de madeira ilegal na Amazônia.
Inauguramos também o novo projeto gráfico, de autoria da mesma Tatiana Cardeal. A revista está mais analítica e não traz nada de espetacular desta vez quanto a denúncias (há um artigo polêmico do presidente da Eletrobrás sobre Belo Monte), mas aguarde… Para baixar em pdf ou solicitar um exemplar impresso pelo correio, clique aqui."
Tila Ximenes: “minha esperança é encontrar os ossos”
Tila Ximenes só chega algum tempo depois que nos sentávamos nos bancos no quintal das casas da família Vera, na aldeia Pirajuí. Fim de tarde, sob as árvores, a tensão é grande. No céu, se arma uma tempestade. Apesar de dois dos membros da família terem autorizado nossa visita, anteriormente, no momento de falar a respeito da morte de Genivaldo e Rolindo, eles se retraíram. Falavam entre si em guarani e nos serviam tereré, o mate frio que os índios popularizaram naquela região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Para intermediar a conversa e facilitar as traduções, convocaram um dos agentes de saúde da aldeia, de sua confiança.
Foi ele quem nos explicou que, apesar de terem concordado anteriormente, eles agora refletiam melhor sobre os riscos: “A gente tem muito receio para falar, tem aquele medo de falar pra quem a gente não conhece, porque a gente está rodeado pelos fazendeiros aqui, o fazendeiro está de olho na gente, esse é nosso medo”.
O corpo de Genivaldo foi encontrado no último dia 7 de novembro, na beira do córrego conhecido como Ypo’i (rio fino, em guarani), referência de território tradicional para a família Vera. O corpo do primo dele, Rolindo, que também desaparecera na noite do dia 31 de outubro, ainda não foi encontrado. Eles sumiram após conflito com seguranças da fazenda que tinham ocupado, no município de Paranhos, em Mato Grosso do Sul. Os médicos alegaram dificuldade para determinar a causa da morte, mas os ferimentos no tórax de Genivaldo não deixaram dúvidas para os parentes: eram marcas de tiro, de grosso calibre.
Os Guarani denominam de tekoha esses territórios tradicionais por cuja posse vêm travando disputas com os fazendeiros em toda a região desde os anos 80. Teko-ha: literalmente, é o lugar (ha) onde se pode viver conforme o modo de ser tradicional dos Guarani (teko). Essa palavra ganhou força entre os indígenas porque as antigas áreas onde haviam sido confinados pelo governo brasileiro, na primeira metade do século XX, como o Pirajuí, onde hoje moram, já não são mais boas para se viver: faltam terras para plantar, faltam rios limpos para pescar e banhar-se, faltam matas para alegrar o espírito.
Corpo desaparecido
Tila Ximenes é mãe de Rolindo, cujo corpo permanece perdido. Ela toma a frente. Quer falar, porque é grande a dor que sente. Sua fala em guarani surge na boca do agente de saúde, em meio ao pranto dela. Mas não é ele quem fala, nem ela. É toda uma família que chora:
“A busca parou de ser feita, e eu estou muito triste com isso. Pelo menos o cadáver, os ossos, eu ainda tenho esperança de achar. Nosso maior pedido no momento é esse, é que seja feita a busca. Não sei se meu filho foi jogado em algum rio, se ele foi enterrado. Já faz três meses que ele desapareceu, e a minha esperança é encontrar os ossos. Três meses já é muito. Se não encontrarem o corpo até março, nós vamos entrar na nossa terra de novo. Meu filho se perdeu lá, por causa dessa terra. Ele morreu lá por causa dessa terra, então o sonho dele era ter essa terra e os parentes nossos agora vão ter que ir lá para realizar esse sonho que era dele. A gente tem que cumprir isso, nem que a gente morra, mas a gente tem que voltar lá pra realizar esse sonho nosso. A terra não é dos fazendeiros, é nossa aquela terra. Como os parentes resolveram voltar pra aquela terra que era deles, ele também foi. A gente é assim: aonde o pai for, a gente tem que ir junto, tem que ir atrás. O pai dele foi retornar àquela terra, ele foi também. Ele tinha quatro filhos e nem chegou a conhecer o menorzinho.
Quatro dias depois que ele desapareceu, nasceu o último. As crianças que ele abandonou querem ver pelo menos os ossos do pai. Nessa mesma semana que eles morreram também nasceu o filho do primo dele que morreu junto.
Era o meu segundo filho mais velho. Ele era professor aqui, tinha 28 anos, já fazia 6 anos que ele estava dando aula. Ele foi bom professor, os colegas até hoje ainda estão esperando ele, na esperança de ver ele ainda, porque ninguém sabe onde ele está. Tem hora que a gente não acredita que ele esteja morto. Mas tem hora que a gente não tem mais esperança, pensa que ele realmente está morto. O sonho dele era dar aula lá naquela terra. Antes de ir, ele falava: ‘Vou chegar lá e vou dar aula, nem que tenha que ensinar debaixo da árvore, vou dar continuidade ao meu serviço’. Esse ano, ele já ia começar a dar aula lá mesmo. Isso já era um plano dele.
O outro professor morto, eles foram todos juntos, eles eram primos. O governador chegou a falar que um podia ter matado o outro... Acho que ele não tem o que falar, ele sabe que isso não é verdade... Isso nunca ia acontecer, os dois não bebiam, nunca brigavam, eles eram como se fossem irmãos de um pai e uma mãe só. Essa fala do governador é só pra defender o fazendeiro, no meu entender, porque ele nunca é a favor dos índios.
Eles até roubaram esse corpo que encontraram de nós, do Genivaldo. Eles trouxeram o corpo de volta porque o pai dele foi atrás, senão até hoje eles estariam lá guardando esse corpo de nós lá em Campo Grande. Eles encontraram o corpo, nem comunicaram a gente aqui, simplesmente eles roubaram, levaram embora sem comunicar os parentes. Se o pai não tivesse ido atrás, até hoje ele estaria lá. A gente ficou sabendo que acharam o corpo quando ele já estava em Campo Grande.
Eles sacanearam a gente. Acharam o corpo no rio mesmo, vimos até na foto o jeito que ele estava, no laudo médico, no atestado de óbito nem fala que ele foi morto, fala que ele foi afogado. Até bêbado ia ver o ferimento no corpo, que foi a bala mesmo, no atestado de óbito não
colocaram isso, no laudo médico está ‘causa de morte indeterminada’. Levaram quase 10 dias em Campo Grande só pra esconder de nós, todos sabem que ele foi morto a tiro por arma de fogo. Nem a gente sabe direito quem achou o corpo. Aqui em Pirajuí tem muita gente, são quase 4 mil pessoas, é muita gente, muitas casas, quase não tem mais espaço pra gente. A gente hoje não tem nem onde trabalhar, pescar, caçar, mais nada. A gente tem que sair fora pra trabalhar, pra produzir dentro da aldeia nem tem mais como. Muita gente está buscando outra vida em outros lugares. Nem só por isso fomos pra aquela terra. Aqui vivem pessoas de outros tekoha que também estão na luta por sua terra.
A gente deu o prazo de três meses, até lá tem que ter uma posição dos que governam o nosso Brasil. A gente perdeu duas vidas lá, duas pessoas, a gente não deseja isso pra ninguém. A gente até hoje não sabe bem quem são as pessoas que estavam lá naquele dia. Os Policiais Federais sabem bem quem são as pessoas. A gente sabe quem são os autores, só que até hoje eles estão soltos aí. A vida que a gente perdeu parece que não é nada, parece que não são seres humanos.”
Apoio aos Guarani-Kaiowa
- No pátio do Museu da Cultura da PUC-SP (dia 7, 6ª feira, às 19h. Rua Monte Alegre, 984, Perdizes, tel 3670 8331 / 8559), projeção de um vídeo e debate com estas lideranças, aberto ao grande público.
- e uma fala das lideranças no Curso da Defensoria do Estado de São Paulo – A questão indígena: caminhos e desafios – no dia 8, sábado, às 9h (Defensoria da União, rua Fernando de Albuquerque, 155, Consolação, restrito aos participantes do curso).
A pequena revolução de Pepe
Seu nome é José Mujica, também conhecido como Pepe, o presidente do Uruguai. Mujica surpreendeu a todos manifestando voto favorável ao nome de Néstor Kirchner para ocupar a secretaria-geral da Unasul.
Já há alguns anos o nome do ex-presidente argentino vinha sendo cotado para assumir o cargo. Trabalhavam por ele, além da chancelaria portenha, os bons ofícios de Hugo Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva e Rafael Correa, atual presidente pro-tempore do organismo.
Kirchner foi eleito para comandar a Argentina em 2003, na esteira das manifestações populares que derrubaram dois presidentes – Eduardo Duhalde e Fernando de la Rúa – devido às dificuldades econômicas atravessadas pelo país no final dos anos 90. Os protestos ficaram conhecidos como panelazos, e pode-se dizer que Kirchner, decretando moratória ao FMI, reequilibrando os investimentos sociais e colocando um freio às reformas da cartilha neoliberal, conseguiu amansar seus concidadãos e reestabilizar politicamente a Argentina.
Enquanto estava à frente da Casa Rosada, El Pingüino era um dos integrantes da chamada “esquerda sulamericana”, rótulo utilizado para simplificar o fenômeno que no começo do século 21 levou candidatos de origem popular ou inspiração socialista aos governos de praticamente toda a região, com a exceção de Colômbia e Peru.
Kirchner, porém, se envolveu numa peleja com seu colega – e também membro da “esquerda sulamericana” – Tabaré Vázquez, do Uruguai. Tudo devido à construção de uma fábrica de papel e celulose às margens do rio Uruguai, que divide os dois países. Em 2004, precisando criar postos de trabalho, o governo uruguaio do então presidente Jorge Battle recebeu de braços abertos a companhia finlandesa Botnia quando a transnacional decidiu se instalar na localidade de Fray Bentos, a poucos quilômetros da Argentina.
Quem não gostou foram os habitantes de Gualeguaychú, que fica do lado de lá do rio. Sob a alegação de que a fábrica iria poluir as águas binacionais, degradar o meio ambiente e prejudicar o consumo humano, os argentinos protestaram, exigindo que a usina fosse realocada para longe dali. Não adiantou. A Botnia fechou os olhos para a queixa das ongs, sindicatos e movimentos sociais argentinos, que em resposta – e na melhor tradição piquetera – fecharam a ponte General San Martín, que liga os dois países, em 2006.
O caso foi se agravando e agravando até envolver os governos de Buenos Aires e Montevidéu. Sem conseguir chegar a um acordo com os vizinhos ou segurar a fúria de seus cidadãos, a Casa Rosada levou a briga para o Tribunal Internacional de Haia. Isso aconteceu em 2007. Desde então a ponte está fechada, e nem mesmo a decisão da corte holandesa, anunciada em abril, demoveu os argentinos de sua luta.
Toma lá da cá
Após três anos de deliberações, os magistrados de Haia chegaram a duas conclusões aparentemente contraditórias. De um lado, reconheceram que o Uruguai, ao admitir a instalação da fábrica, violou o acordo assinado com a Argentina sobre a administração e utilização das águas binacionais. Ponto para os manifestantes. Por outro lado, porém, o tribunal entendeu que a atividade da Botnia não está prejudicando o meio ambiente nem poluindo o rio. Ponto para o Uruguai.
Jogo empatado, portanto. E, como não cabe recurso da decisão, a companhia continua produzindo celulose e a ponte segue fechada.
Tabaré e Kirchner jamais voltaram a se olhar nos olhos desde que Buenos Aires decidiu levar a demanda para a corte internacional. Uma pequena crise diplomática se havia instalado, e não deixaria de existir nem mesmo depois que Néstor deixou a Casa Rosada, dando lugar a sua esposa, Cristina Fernández. Tabaré deixou em banho-maria as relações bilaterais com a Argentina até o último dia de seu mandato. Então vieram novas eleições e José Mujica, ex-guerrilheiro e vegetariano, assumiu o posto.
Mesmo sendo do mesmo partido de seu sucessor, o Frente Amplio, já na campanha Mujica revelou uma postura mais maleável perante a crise com os vizinhos. Tanto que, após vencer as eleições, fez uma visita de cortesia a Cristina quando a presidenta esteve em Montevidéu para uma cúpula regional. Tabaré jamais haveria praticado tamanha gentileza. Por sua vez, Cristina desocupara temporariamente a ponte que liga os dois países no dia das eleições que elegeram o ex-tupamaro, permitindo aos uruguaios que vivem do lado de lá da fronteira cruzarem o rio mais facilmente para votar.
Então já estava claro que Mujica poderia dar passos significativos para resolver a crise com a papelera. E a prova disso veio nesta terça-feira, 4 de maio, durante a reunião dos chefes de estado da Unasul em Campana, uma pequena cidade localizada na… Argentina.
Há tempos o grupo queria instituir uma secretaria-geral que se dedicasse exclusivamente aos infinitos problemas da integração sulamericana. E o nome que surgira naturalmente entre os presidentes da região foi o de Néstor Kirchner. Entretanto, como a Unasul antes de mais nada é um fórum de concertação política, todas as decisões devem ser tomadas por consenso. Não é necessário dizer que Tabaré Vázquez, enquanto dirigia o Uruguai, era radicalmente contra a designação de Kirchner para o cargo. Mujica não.
“He tomado la decisión de acompañar el consenso de todos los presidentes y de dar prioridad a la integración de América Latina”, disse o chefe de estado uruguaio, ressaltando que a decisão havia sido tomada de livre e espontânea vontade. “No ponemos condiciones ni nadie nos las ha pedido”.
O fato de ter votado em Kirchner não quer dizer, obviamente, que Mujica se rendeu às pressões argentinas ou que irá retirar a Botnia das margens do rio Uruguai. Como ele próprio afirma – ainda que não com essas palavras –, sua decisão é um sopro de vida à integração. É uma aposta na ideia de que os vizinhos sulamericanos podem superar as pequenas rusgas diplomáticas que sustentam entre si para estreitar cada vez mais os laços políticos, econômicos, militares e sociais. “Hay contradicciones muy fuertes [na crise entre os dois países] y, políticamente, a este presidente le cuesta el paso que va a dar, pero aun así he decidido apostar por la buena fe en nombre de nuestra pequeña nación”.
Claro que as questões que desde a época de Simón Bolívar limitam a integração latinoamericana são muito mais complexas do que podem sugerir este pequeno post. Mas oxalá a atitude de Mujica sirva de exemplo para os presidentes de Equador, Colômbia, Venezuela, Peru e Chile – todos envolvidos já há algum tempo em crises bilaterais que até agora não encontram solução à vista.
Tadeu Breda é jornalista, colunista do Nota de Rodapé e também vive em Latitude Sul